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Hope •

Respiro fundo e passo a mão pelo topo de minha cabeça, com a intenção de arrumar qualquer fio de cabelo que tenha se arrepiado, ajeito meu agasalho sobre o corpo e beberico meu chá gelado de frutas vermelhas.

A pista de patinação, que há segundos não possuía uma alma viva além de mim, vai ficando amontoada, cheia de meninas de no máximo dez anos, com patins personalizados, a maioria brilhantes ou com cores vibrantes, que expusessem suas personalidades atuais.

Me levanto da arquibancada ao redor do chão de gelo assim que coloco o último gole do meu líquido preferido para dentro, com muito cuidado, pois já tenho meus patins nos pés, ando até a lixeira mais próxima para jogar o copo vazio. Entro na pista recebendo um coro de cumprimentos doces, não gosto tanto de crianças, mas aprecio pessoas centradas e esforçadas e minhas alunas com certeza possuem tais qualidades. Aceno com a cabeça, em uma forma de resposta.

Esse foi o emprego que consegui para me ajudar com despesas da vida de balairina, como viagens, figurinos novos, uma sapatilha sempre que a minha gasta, remédios, pomadas e mais algumas coisas essenciais, recebo muito suporte de meu pai também, mas não posso o ver cortar um dobrado para me ajudar e não querer contribuir, com certeza sou sua filha com gastos mais pesados.

— Tudo bem, espero que tenham feito aquele aquecimento antes mesmo de por os patins, caso contrário o corpo de cada um de vocês será o único a sentir por não terem o feito. Vou lhes dar aqueles dez minutos de voltas livres pelo espaço, para um segundo aquecimento e então  começamos.– Aviso transparecendo serenidade e todos assentem sincronizados.

Me retiro da pista para não ficar em seus caminhos e me sento novamente onde estava. Dança sempre foi o meu lance, sempre fui apaixonada por balé e patinação artística, quando essa escolinha estava precisando de um professor, não hesitei em me inscrever, já que eu ganharia o mesmo que ganhava quando era garçonete e eu odiava esse emprego. Aqui, eles não necessitavam de alguém profissional, apenas alguém que soubesse lidar com crianças e dançar no gelo, eu faço ambos.

Depois de terminar a aula com essa turma e receber mais duas, meu relógio já marcava seis p.m. Saio calmamente da escolinha e caminho até o estacionamento, lá pego meu carro e dirijo até a academia de danças a qual participo.

Chegando lá, o primeiro lugar ao qual visito, é o vestiário, me troco de maneira lenta para que esteja com todas as minhas vestimentas de maneira impecável e saio de lá com minhas sapatilhas em mãos.

Já na sala de dança, vejo algumas pessoas, cada uma em seu canto, já em seus aquecimentos pré-aula, faço o mesmo, já que sempre chego cedo para me certificar de que terei tempo de estar bem alongada e aquecida e também para conseguir prender meu cabelo de maneira segura de que nem um fio cairá à frente de meus olhos, o cabelo de praticantes deste esporte, não pode estar frouxo, é como um pecado à prática, atrapalha muito.

Percebendo ter poucos minutos para o início da aula, me sento para por meus calçados, com muito cuidado, coloco tais, meus pés estão repletos de bolhas e hematomas roxeados, visíveis até mesmo através da meia-calça, traços do ofício, quem disse que a vida de balairina é fácil, provavelmente não teve sequer um ensaio sério, cada caída da ponta do pé que damos, somos obrigadas a ficar minutos paradas na mesma, isso porque estamos sempre buscando atingir a resistência e perfeição. O resultado de toda essa luta para extinguir os defeitos? machucados por toda a nossa extensão corporal, consigo dizer que todas as partes do meu corpo, sem exceção, doem.

Tenho um ensaio bem produtivo, no final de tudo, todos os alunos saem e se trocam no mesmo vestiário sem sequer trocar uma palavra, não posso dizer por eles o motivo de serem tão pouco sociáveis, mas consigo explicar o meu motivo, sou uma pessoa guiada a ser impecável, existem tantas marcações, tantas vozes mandando eu fazer as coisas em ordem e sem erros, que eu tenho pouco espaço para fazer amizade, a energia que tenho, uso com meus objetivos que sempre me gastam em forma física e emocional.

Fake Girlfriend • Daniel Seavey (REESCREVENDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora