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Hope •

Hoje é o grande dia, em que vou fazer um solo pela minha academia de dança em um evento regional muito importante para qualquer pessoa que almeja um futuro brilhante na dança.

Como em todos os dias em que tenho competições, já fui ao ortopedista, comi apenas coisas saudáveis, não que minha realidade seja diferente, além do café que gosto bem melado, não tenho o costume de ingerir coisas artificiais e industrializadas, hoje sequer café doce tomei, fiz uma hora de academia e passei o dia inteiro relaxando.

Muitas das minhas companheiras de dança, passaram o dia repassando as partes de suas respectivas apresentações, mas não sinto como se precisasse, eu tenho certeza que não esquecerei nada, até porque se eu tivesse dúvidas sobre algum procedimento, obviamente não conseguiria aprender nas poucas horas antes da apresentação, por ser um esporte que transparece suavidade, as pessoas pensam que o ballet é fácil, quando apenas quem lida com a dança sabe o nível de dificuldade e esforço, você não pode dar apenas 100% de si, é exigido muito mais, por isso amo tanto.

Coloco o último grampo no cabelo e passo a mão, sentindo meus fios firmes e presos, passo alguns segundos me encarando no grande espelho do camarim, tendo certeza de que não tem absolutamente nada de errado, aliso o pano fino da minha roupa cintilante, retiro um fio de cabelo do meu colo e ajeito a linha de costura da minha meia calça, que parecia estar torta, assim que me convenço que estou bem visualmente, pego minhas sapatilhas em minha bolsa e me sento em um banco qualquer por ali.

As meninas a minha volta, todas da mesma academia a qual faço parte, estão nervosas e animadas, elas que normalmente são caladas e pouco comunicativas, hoje querem falar até mesmo com o vento sobre seus sentimentos, o que por sinal, me irrita.

Amarro as fitas do meu calçado e instrumento de dança com atenção, tentando ignorar os burburinhos e pessoas se dirigindo a mim, tenho que ter certeza de que não vão estar muito apertadas a ponto de me atrapalhar ou soltas a ponto de folgarem.

- Hope, vem, é a próxima.- Minutos depois a treinadora me chama.

Me levanto e sigo ela enquanto checo mentalmente minha lista de preparos pré-espetáculo, sorrio ao perceber ter concluído todos, de aquecimento à prender as sapatilhas.

Chegando aos bastidores, fico ao lado do palco vendo o resto da apresentação de uma de minhas concorrentes, dou uma espiada na platéia também apenas por distração e não me agrado com o que vejo, mamãe está na plateia? o que ela está fazendo aqui? eu lhe convidei?

Suspiro tentando não me distrair com minha raiva por sua presença, sinto que Heather está tentando ceder a suas desculpas esfarrapadas e abrir uma brecha para ela, mas não consigo fazer o mesmo, ela nos deixou durante anos por escolha, não nos deixava saber onde sua casa era localizada ou ter contato com suas filhas e só voltou porque foi chutada por seu outro marido, não engulo sua presença.

- Hope? não ouviu? anunciaram seu número.- A instrutora me dispersa de meus pensamentos que involuntariamente ganharam certa profundidade.

- Ah... certo.- Falo, retiro meu casaquinho de helanca, lhe entrego e respiro fundo.

- Você vai detonar naquele palco, ok? estamos contando com você, confiamos no seu talento.- A mulher diz e assinto.

Mais uma vez o anúncio me chama, então entro como o ensaiado, hoje, estarei performando o lago dos cisnes, é um número típico, clássico mas feito de um modo um pouco diferenciado dos outros, não tenho medo de fazer o genérico levando em conta que confio em mim.

Começo e sinto meu ar um pouco escasso, algo anormal para mim mas continuo tentando disfarçar meu mal-estar, o que é isso? nunca me senti assim antes, mãos suando e preocupação, o que é isso? nervosismo? barriga gelada e cabeça avulsa ao que deveria estar focada.

Tento sentir aquela situação, a que pareço estar flutuanto e não preciso pensar em nada, apenas deixar que meu corpo faça o que sabe de trás para frente, mas parece que sinto meu corpo até demais, suas bolhas, cicatrizes, marcas, cada ponta de si e não consigo esquecer do mundo em momento algum.

Minha mãe está lá, ela ficaria tão desapontada caso eu caísse, ela ficou tão orgulhosa quando me colocou no ballet e minha primeira professora disse que eu levava jeito para isso... mas também é válido lembrar de todas às vezes em que ela me colocou para repetir o mesmo passo dezenas de vezes até estar perfeito, a pressão que ela impôs sobre mim mesmo quando muito garota. Mas por que estou levantando esse assunto? faço contato visual com a platéia e sinto os olhos da minha progenitora me queimando.

Frappé, frappé, tendu, grand battement, giro e prepara para grand jeté e mais uma vez e outra e... aí!?

Meu corpo colide com o chão e sinto um estalo sobre minha perna direita, meu suporte sempre, olho para ela e a vejo meio desfigurada, tento levantar para continuar o show mas não consigo, de tamanha a dor, o que me paraliza, não cosigo chorar mesmo sentindo uma dor que nunca senti antes, ou sequer colocar a mão em cima do ferimento na esperança de ajudar, só consigo ficar paralizada olhando fixamente, sem expressão.

A primeira pessoa que chega até mim é minha instrutora, que começa a dizer várias coisas com o semblante preocupado, porém não tenho capacidade para ouvir nada, apenas vejo sua boca se movimentando, um toque quente se defere sobre meu ombro, tal que me concede a energia para fazer um único movimento, virar a cabeça na direção.

Ver a dona do contato, Heather, mais temerosa do que a mulher a minha frente, me ajuda a mover meu corpo novamente, então de tantas coisas que poderia fazer, levo uma de minhas mãos até um fio de cabelo que havia entrado em fuga até minha testa e lhe ajeito, alisando também fios desgrenhados ali, terminando, ergo meus braços e faço a pose final da dança com eles, sentindo então meu corpo mole implorando por uma base, não tardo em lhe conceder uma e me jogo para trás. Sendo assim, a dor do impacto de minhas costas e cabeça com o chão a última coisa que sinto antes de apagar por completo.

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Duas horas antes porque estou morrendo de sono.

Eu iria postar dois por causa do tamanho desse mas não consegui terminar o segundo, talvez saía amanhã.

Essa prévia da próxima obra é um agradecimento, pelos 2k, mt obgg novamente.

Boa hora galera!!!

- Narcisuss🌼

Fake Girlfriend • Daniel Seavey (REESCREVENDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora