Capítulo 1

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O sol poente queimava minha nuca enquanto eu andava a passos tranquilos para o endereço que já me era muito familiar. O prédio de fachada bonita e elegante reluzia em azul alaranjado, e o porteiro que estava apenas começando o turno da noite me cumprimentou com um sorriso amigável.

— Boa noite, Sr. Potter.

— Boa noite, Connor, como vai? — retribuí o sorriso simpático, parando um segundo para cumprimentar o velho senhor de cabelos esbranquiçados.

— Ah, rapaz, a velhice cada dia pesa mais sobre meus ombros — ele dramatizou, com uma postura que nada lembrava alguém cujo tempo estava reivindicando a saúde; na realidade, ele tinha a aparência de quem ainda estava em plena forma.

— Vou fingir que acredito, viu — brinquei, balançando a cabeça para ele.

Eu já estava me afastando do balcão de entrada quando Connor me chamou outra vez.

— Ah, Sr. Potter! Um momento — ele se virou para as dúzias de pequenas gavetas às suas costas, remexendo nelas por um segundo antes de se voltar para mim com um pequeno embrulho nas mãos. — Chegou hoje de manhã junto com as correspondências. Poderia me fazer a gentileza de entregar para o Sr. Malfoy? Ainda não o vi hoje, então não tive a oportunidade de entregá-lo pessoalmente.

— Mas é claro, Connor — peguei o embrulho de suas mãos levemente enrugadas, enfim me afastando do balcão. — Se cuide, viu?

— Você também, rapaz. Você também.

Acenando para ele uma última vez, segui em direção aos reluzentes elevadores. Assim que as portas se abriram com o barulhinho característico, imediatamente focalizei minha imagem no espelho. Minhas calças jeans surradas eram bastante visíveis em contraste com a camiseta vinho e a jaqueta de couro preta. Os óculos pretos de aro redondo estavam quase na ponta do nariz; tinham escorregado com o suor que porejava minha pele morena.

Os orbes verdes atrás das lentes me encararam de volta e por um momento senti uma pontada de carinho no peito, ao lembrar que tinha toda a aparência física de meu pai, exceto os olhos; eram os olhos de minha mãe. Eu tinha em mim as melhores características dos dois e isso sempre me fez sentir um calor reconfortante no peito.

Subi os olhos para meus cabelos completamente negros e absurdamente bagunçados, rindo sozinho ao pensar que aquele loiro mimado que eu estava indo encontrar iria caçoar deles pela septuagésima terceira vez desde que nos conhecemos, tantos anos atrás. Nem ao menos me preocupei em tentar arrumá-los; sabia que seria inútil. Eles nunca ficavam no lugar que deveriam ficar, de qualquer maneira.

A viagem de elevador foi curta e quando as portas se abriram novamente, estava no pequeno e brilhante corredor do décimo segundo andar. Meus pés fizeram o caminho familiar até a porta desejada, e toquei a campainha com um toque leve. Segundos se passaram antes que a porta branca fosse aberta e o morador daquele apartamento ficasse visível através do vão.

Os cabelos louros platinados estavam molhados; ele provavelmente tinha acabado de sair do banho, o que também explicava o suave cheiro de sabonete e perfume que serpenteou ao meu redor com a leve lufada de vento que me envolveu. Pequenas gotas de água pingavam dos fios claros como ouro branco e escorriam pelo rosto harmonioso e aristocrático, que emoldurava olhos cinza-prateados.

Olhos estes que no momento me encaravam com distinta irritação, trovejando em aviso, e eu sorri divertido ao entender o motivo.

— Está atrasado, Potter.

O fato de ele ter se referido a mim usado meu sobrenome, daquela maneira cuspida e arrastada que costumava fazer antigamente, apenas me fez sorrir ainda mais.

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