Cartas de Um Miserável

Ⅱ

Aconteceram muitas coisas após nossa separação. Depois que os piores momentos passaram, me mudei para o interior, que é de onde lhe escrevo esta carta. Espero não te irritar meu amigo, mas pelo menos agora neste momento eu não sinto necessidade de te dizer onde é. Digo isso pelo fato de ser um lugar muito afastado e de difícil acesso; até aqui praticamente ninguém vem, e daqui ninguém sai. É um lugar manso; um recanto seguro. Arranjei aqui uma humilde casa, que se transformou em um lar depois de eu ter conhecido a minha amada Elizabete. Um dia posso te contar mais sobre ela.

Foram muitas coisas que que aconteceram comigo antes de eu me pôr em viagem. Sei muito bem que você gostaria de saber tudo o que aconteceu. Primeiro foi o revés. Eu estava ainda na capital neste tempo. Por conta de meus problemas oculares, acabei sendo dispensado de ir à Guerra. Tudo o que me restava era titubear para lá e para cá sem ter muita perspectiva do que fazer. Naquela época já me esgotava todo o dinheiro que havia sobrado das economias do meu falecido pai. Conheci por acaso um comerciante que me ofereceu bom emprego em sua loja — de contador. E você caçoava de mim por eu preferir cálculos ao invés de jogar bola, não?

Bom, lá daquele emprego eu não tinha muito do que reclamar, com exceção de uns perrengues aqui e ali. Servia-me muito bem o salário e as poucas regalias. Depois de alguns meses, porém, um esquisito abatimento começou a me seguir, uma estranha sensação de cansaço e desânimo que não me deixava. Procurei solução no álcool, que então era a única coisa que eu vislumbrava diante de mim. Peço que não me julgue, meu amigo; tenho hoje a maturidade que me previne de certos desenganos. 

Naquela época as coisas não eram bem assim.