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Naquela enorme casa o que era palavra saída da boca de Seu Lúcio ficava sendo como verdade indiscutível. Se eu precisava comer ele logo mandava uma criada me trazer pão, biscoitos ou queijo fresco. Sentia-me como um convidado de honra e, ao menos por muito tempo, não me recordo de dias melhores dos que passei na casa dele.

No quarto de hóspedes em que eu fiquei — que era no terceiro andar e de frente para a rua — eu conseguia ver da janela os mais diferentes tipos de gente que você pode imaginar. Pequenos e escandalosos vendedores de jornais que aos berros divulgavam as últimas notícias do outro lado do mundo e do próprio lugar. A Guerra estava a todo vapor — diziam eles: as tropas aliadas adentravam em território inimigo retomando importantes cidades antes ocupadas, não sem antes perder um grande número de homens.

Eu prestava muita atenção à aquelas notícias, sempre com certo receio. Meu coração se apertava por qualquer vírgula que pudesse significar alguma derrota à nossa nação; temia por mim especialmente, pois sendo um miserável mendigo em meio a um conflito sem precedentes, o que fariam comigo caso me tomassem por prisioneiro? Tive pavor. Temia por você também: imaginava que você estivesse lá naquela terrível situação, longe, desemparado... talvez ferido; agradeço a Deus por permitir que você sobrevivesse, amigo.

Na terceira noite aconteceu algo muito diferente. Eu dormia um sono raso quando ouvi grunhidos surgirem da rua, seguidos por um rumor de passos; algo que se assemelhava a alguém em fuga. Como já havia sido acordado, não pensei duas vezes e fui rapidamente à janela para espiar. Embora lá fora estivesse bastante escuro, consegui enxergar alguém correndo que virou a esquina e abruptamente sumiu. No meio da rua um cadáver jazia.

Eu estremeci.

Cartas de Um MiserávelOnde histórias criam vida. Descubra agora