ⅩⅠⅤ

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O resto da minha aventura eu deixo somente a Deus, amigo; de forma que me cabe apenas resumir: viajei sem um tostão no bolso até chegar até aqui onde atualmente moro. Com a confiança que depositaram em alguns trabalhos que fiz, alguns fazendeiros locais me presentearam com uma simples moradia, que é a que eu mencionei no começo. Penso que já te aborreci com toda essa narrativa e, caso eu enchesse essas cartas com mais linhas aventurescas, provavelmente você teria vontade de rasgar essas folhas e jogar tudo dentro de uma fogueira. Eu não te julgaria; conheço o seu temperamento.

Aliás: antes de chegar a ti essas cartas provavelmente serão totalmente embaralhadas devido a sua grande extensão. Caso elas cheguem, é certo que estejam fora de ordem — de forma que você terá que se virar para conseguir ler. Para te ajudar eu farei o seguinte: irei marcá-las com algarismos romanos, de forma que assim você saberá onde começa e onde termina. Paciência amigo, paciência.

Apenas me deixe concluir, e basta.

Aquele lugar havia me ferido de praticamente todas as formas, como você pôde ver (ou melhor, ler). Porém foi no último caso que eu pude ver o quão desprezíveis são as pessoas daquela cidade. Foi depois de muito tempo que eu soube que não havia tido invasão alemã nenhuma. Sim! O que aconteceu foi uma grande demonstração de vigarice por conta daqueles dois.

Foi com única intenção de me expulsarem dali que me deram notícia falsa. Embuste. Talvez tivessem visto a cicatriz da facada em minha mão e com isso concluíram que eu fosse algum tipo de criminoso que recém saído do cárcere procurava desesperadamente por emprego. Malditos. A forma que arquitetaram aquilo é que me impressiona: tudo indica que haviam planejado a cena com antecedência, para que esse artifício pudesse ser usado contra pessoas que eles considerassem como indesejados. Fizeram tudo sem pestanejar. Uma outra coisa: todos os prédios do arredor da maldita sapataria haviam sido usados como abrigos para feridos de guerra, de forma que muitos morreram ali dentro. Mesmo depois do conflito eu soube que boa parte pessoas preferia não morar lá por medo de mal agouro. Daí a razão para a ausência de pessoas, imagino.

Naquele lugar só me fizeram o mal. Houveram exceções claro, como Seu Lúcio. Não me canso de dizer o quanto aquele velho me ajudou; se eu soubesse notícia dele, com certeza faria uma visita. Mas não sei se retornaria a aquele lugar novamente. Lugares e pessoas —boas ou más — que encontramos no passado devem permanecer lá. De certa forma é melhor que seja assim. Eu já estou exausto de ser perseguido pelas circunstâncias do passado e do presente. Estou cansado.

Cartas de Um MiserávelOnde histórias criam vida. Descubra agora