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O dia seguinte seguia com uma tarde abafada e sem muitas novidades. Após o almoço estávamos todos na vasta sala principal. Seu Lúcio acomodado em seu divã enquanto lia as matérias da semana — a manchete principal dava notícia do crime da noite anterior. Abigail costurava uma peça azul em crochê, vez ou outra me espiando enquanto remexia as agulhas. Joanna estava pensativa no meio do cômodo, sentada em frente do seu lustroso Steinway — folheava as partituras; talvez buscando uma nova obra para estudar. Eu estava sentado próximo à janela, ouvindo os rumores que brotavam do lado de fora. Havia pego da estante de Seu Lúcio um livro chamado Drácula. Achei curiosa a capa amarela daquele romance; perguntei então à Seu Lúcio sobre a trama. Desisti de ler no entanto. Não estava com a mente boa para a leitura, ao menos naquele momento.

"Toque algo para nós, querida" — disse Seu Lúcio, enquanto folheava o jornal. Lá fora uma nuvem cinzenta cobria a cidade. "Pode ser Beethoven, tio?" ela respondeu "acabei de achar um arranjo de uma sinfonia dele aqui". Havia certa hesitação na voz da menina, penso que por timidez, tendo em vista que tocaria na frente de um estranho. Depois de alongar os dedos começou a executar a introdução. Todos nós observávamos. Eu pude contemplar aquele som — o tema lento e grave que se repetia mais e mais, vindo do centro da sala.

Beethoven... Claro que eu sabia quem era esse compositor — era um dos favoritos do meu pai. Na verdade ele tinha uma certa obsessão por algumas obras desse homem. Quando era noite de lua cheia não havia dúvidas de que ele fosse tocar pra mim e para mamãe a tal Sonata ao Luar. Dizia ele: "Um dia você vai conseguir tocar essa música melhor que seu próprio pai; Você será um grande músico, meu menino." Essas e outras lembranças difusas me vinham. Tive pra mim que meu querido pai — que estava morto — agora não precisaria mais se preocupar com o meu futuro. Eu não tinha futuro. Eu pensava apenas no meu querido pai. Essas coisas me perturbavam a cabeça; um desconsolo se fez presente em mim. Não pude conter minha imaginação quando versos brotavam da minha consciência:

Cartas de Um MiserávelOnde histórias criam vida. Descubra agora