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Talvez eu tivesse quebrado um ou dois ossos naquela queda se eu não tivesse certa resistência nos membros. Sei que você sabe disso amigo, porque nós éramos dos que mais subiam em árvores nos nossos tempos de criança. Para meus pais aquilo era só perda de tempo — agora eu via que tudo tinha um propósito.

Na superfície o meu medo era ser pego, já lá embaixo o problema tornava-se outro: a visão. Não era apenas escuro; era um breu total. Quando dei por mim já estava cercado pelas trevas e só pude escolher um caminho para percorrer — para a frente. Tateei aqui e ali em busca de algum amparo e não encontrei; só tropeçava e cambaleava em meio àquele terrível e fétido cheiro que me cercava.

O túnel parecia não ter fim. Somente depois de muito tempo cheguei a uma saída incerta que dava para um córrego. O que eu poderia fazer naquele momento? Pensar racionalmente estava fora de questão pois eu ainda estava extremamente assustado. Sem pensar duas vezes eu pulei lá. Impensado, eu sei. A correnteza do córrego era forte e me empurrava violentamente, de forma que por pouco não fui levado. Consegui me agarrar em algumas pedras que se sobressaíam, e assim me livrei de morrer afogado. Com isso fui saindo dali; fui dar num lugar muito estranho, que já evidenciava que eu saía do perímetro da cidade. Atrás de mim pude ver toda a maldição que era aquele lugar: os prédios antigos, as ruas sujas, as mil pombas... tudo me dando asco e mais desgosto.

Encontrei na estrada um senhor que viajava numa carruagem velha levando alguns de seus pertences. Perguntei se ele me cedia espaço e ele respondeu afirmativamente, apenas me aconselhando a não molhar as mercadorias dele com minha roupa ensopada. Tive sorte. Parti com uma estranha sensação na mente e no corpo. Em alguns momentos senti que fosse desmaiar ou entrar em pânico. Precisei de muita coragem.

Cartas de Um MiserávelOnde histórias criam vida. Descubra agora