Capítulo 13

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- Bem, tanto faz. - Ele passou a mão pelos cabelos.

- Demorará um pouco para consertar a cerca.

- Procurarei manter as garotas afastadas.

Alfonso ergueu o carrinho de cortar grama.

- Precisa de ajuda, Alfonso?

As garotas os observavam, de mãos dadas e com os olhinhos arregalados.

- Não, obrigado. Podem ir para casa. Eu cuido disso.

- Tem certeza?

- Sim.

As três se voltaram, e Wilbur foi atrás. Alfonso as observou por um instante e não pôde deixar de reparar nos quadris de Anahí. Quadris que tinham estado em suas mãos...

"Sim, meu caro, você pode cuidar disso. Mas e Anahí? Será que consegue lidar com ela?"
Alfonso acordou com as primeiras luzes do dia. Costumava despertar cedo desde que se mudara para aquela casa e, embora Anahí Puente e as gêmeas estivessem atrapalhando sua vida, sabia como lidar com distrações, de modo a não se afastar da rotina normal de trabalho.
Então ia pescar. Era sexta-feira, o dia ideal para isso. A manhã estava maravilhosa, o orvalho ainda cobria o gramado e sol começava a brilhar no horizonte. Uma leve neblina encobria o lago, prometendo mais um dia quente. Com a rede de pesca, a vara e a caixa de iscas, saiu de casa acompanhado por Wilbur.

Olhando para a cerca danificada, os dois seguiram direção ao lago por um caminho que só Alfonso conhecia. Mantinha um barco a remo no esconderijo, que ficava ancorado em um cais improvisado com restos de madeira. O lugar se encontrava numa terrível desordem, mas a clareira da floresta o transformava em um santuário. Alfonso gostava de saber que, se precisasse, seu templo estaria ali.

Não eram muitos os que se atreviam a entrar no beco sem saída, mas sempre existia a possibilidade de alguém fazer a curva para o lado errado, se perder e surgir em um daqueles dias quando tudo o que precisava era de solidão. Isso é lógico, antes da chegada das meninas e de Anahí, que tinham surgido para importunar seu isolamento e sua paz de espírito. Achava que estava começando a perder a cabeça.

Em especial depois da tarde anterior. Já conhecera a tentação antes, mas nada o preparara para o efeito que Anahí, sentada em seu colo, lhe causara, para não mencionar quando caíra sobre ela.

Com certeza isso ocorrera por fazer muito tempo que não se relacionava com uma mulher. A partida de Cláudia o abalara o suficiente para querer distância absoluta de todos os seres do sexo feminino. Não desejava ninguém em sua vida, e procurava se convencer de que, nessa idade, o celibato não era uma ideia tão má.

Maite sempre tentara arranjar-lhe alguns encontros quando a história de seu ato de heroísmo ainda estava, em alta na cidade, tornando-o desejável mais pela posição social do que por suas próprias qualidades. Alfonso atendera a alguns dos pedidos da prima. Saíra para jantar uma ou duas vezes. Aparecera em algumas festas. Tentara se reintegrar à sociedade, mas o efeito era sempre o mesmo. Todos queriam conversar sobre o acidente.

- Como você se sente, Alfonso? - costumava perguntar-lhe então.

"Como vocês acham que estou me sentindo?", ele queria responder, mas nunca o fazia. Quanto mais o questionavam, mais se irritava. Ninguém tinha nada a ver com sua vida. Então começou a dizer "não" para todos os convites.
Como a grande Greta Garbo, Alfonso Herrera queria ficar sozinho.

Não que Maite tivesse desistido, como evidenciado pelo pequeno deslize ao omitir a idade da viúva Puente, mas pelo menos aprendera a não falar de amor e de casamento. Alfonso até tentara convencê-la de que ser solteiro não era tão ruim assim.
Sentia-se seguro sozinho; não devia satisfações a ninguém. A que tornava esse pequeno recanto seu lugar secreto e especial. Todas as manhãs de sexta-feira, na primavera, no verão, no outono e até no inverno, quando possível, Alfonso observava o nascer do sol e entrava no barco para pescar.

Quando viu o lugar pela primeira vez, lembrou-se do avô, que o ensinara a pescar. O bom Sr. Herrera era meio inglês, meio escocês, daí sua famosa teimosia. Quando Alfonso tinha seis anos, o avô passou a levá-lo para suas expedições, ensinando-lhe a jogar a rede, colocar isca no anzol, limpar o peixe e levá-lo para casa, para que a avó o preparasse com limão, manteiga e pimenta. Uma delícia! Era uma receita que vinha de geração para geração.
As pescarias sempre aconteciam às sextas-feiras bem cedo, para que o peixe pegasse bem o gosto do tempero até o jantar. A avó costumava chamar o marido cinquentão de "monge", e sempre assava com esmero os peixes que ele pescava.Ao se preparar para entrar no barco, as lembranças da família continuavam presentes em sua mente. Já não tinha mais os avós, e os pais moravam em outro país. Alfonso amava Maite, mas ela se casaria em breve com Guido, e os dois teriam sua própria família para cuidar.
Os sonhos de criança tinham sido destruídos com o acidente, ou melhor, com a deserção de Cláudia. Não haveria mais Herrera em Wayside; o nome morreria junto com ele. Tudo bem, não se importava. Demorara um bom tempo para encarar a dura realidade depois do acidente, mas agora enxergava seu próprio valor, e isso lhe bastava. Quase nunca pensava no assunto, mas em momentos como esse, o fato se tornava cristalino como a água, e Alfonso se via sozinho.

Não totalmente. Alfonso percebeu que estava sendo observado. Saindo do barco, olhou para as árvores que rodeavam o esconderijo. Então a avistou...

O rosto pequeno, os olhos grandes. Beatriz. Reconheceu-a de imediato. Desde o primeiro dia, ele nunca encontrara dificuldades para distinguir as gêmeas.

- Venha cá - disse ele, gentil.

Resignada, Beatriz saiu de trás de um arbusto, descalça e usando apenas uma longa camisola branca.

- O que você está fazendo aqui a essa hora da manhã? - perguntou Alfonso.

- Vi você e Wilbur - respondeu ela, como se apenas aquela frase fosse bastante.

- Sua mãe sabe que você está aqui?

Beatriz meneou a cabeça.

- Então, vamos. Eu a levarei de volta. - Alfonso ofereceu-lhe a mão e virou-se para voltar para o chalé.

Com as mãos atrás do corpo, Beatriz permaneceu imóvel.
- Elas ainda estão dormindo.

- Se sua mãe acordar antes de você voltar, ela vai ficar preocupada.

- Ela não acordará - respondeu Beatriz.

Alfonso olhou o relógio. Quase seis da manhã. A menina tinha razão.
- Você quer vir comigo? - ofereceu ele.

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