Capítulo 30

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Que presunção da minha parte. Deixe-me apresentar. Sou um jornalista e costumo escrever para colunas sociais. Todos os anos, volto para Wayside no aniversário do terrível acidente que deixou sequelas terríveis em nosso amigo Alfonso Herrera. Procuro atualizar o povo sobre a vida de nosso herói.

- Você é amigo de Alfonso?

- Sim. Nós nos conhecemos faz... - Ele parou e colocou a mão no queixo, pensativo. - Nem me lembro mais. Faz muito tempo. Ele nunca falou de mim?

Anahí meneou a cabeça. Rodrigo demonstrou-se magoado.
- Não consigo entender o porquê. Alfonso e eu tínhamos tanto em comum...

- Acabei de me mudar para cá, senhor...

- Ruiz.

- Sr. Ruiz. Tenho certeza de que Alfonso me falará a seu respeito qualquer hora dessas.

- Estou certo disso. Agora podemos prosseguir com a entrevista?

- Entrevista?

- Sim, todos os anos eu escrevo uma reportagem sobre Alfonso, e gostaria de entrevistá-la como sua vizinha. Quero saber como ele está, o que faz, coisas do tipo.

- Eu não sei.

- Não sabe o quê?

Anahí virou-se para a mãe, que voltava da quitanda.

- Mamãe, este é Rodrigo Ruiz.

- O jornalista? - perguntou Marichelo.

- Como vai a senhora? - Rodrigo estendeu-lhe a mão.

- Você o conhece, mãe?

- É lógico. Todo o mundo conhece Rodrigo Ruiz. Ele escreve para o jornal que costumo comprar no supermercado todas as semanas. E apresenta o programa de televisão a que assisto todas as noites.

- Aquele espalhafatoso...

- Sra. Puente, por favor, não julguemos as pessoas. Muitos acham o meu trabalho tanto informativo quanto divertido. - Ele sorriu para Marichelo.E sua mãe é uma delas.

- É, mas mesmo assim acho que não devo conceder uma entrevista sobre Alfonso Herrera.

- Ele quer saber de Alfonso?

- Sim, mãe - afirmou, lançando um olhar de reprovação. - Mas você sabe como ele preserva a privacidade. Não creio que...

- Que besteira! Alfonso deveria ter orgulho do que fez, de sua coragem.- Ele não gosta de comentar o assunto.

- Bem, então alguém precisa falar sobre isso. Talvez nós possamos ajudar o Sr. Ruiz.

- Eu estava esperando por essa oferta - respondeu ele, sorrindo. - Por que não vamos todos nos sentar naquele banco para que Joseph tire algumas fotos?

- Todos nós? - indagou Marichelo, levando a mão ao peito.

- É claro que sim. A senhora também conhece Alfonso, não é mesmo? - Ele guiava Marichelo até o banco enquanto falava.

- Sim, mas muito pouco. Um dia eu até lhe ofereci um lanche e ...

- Mamãe.

- Ah, filha, por favor. Duvido que Alfonso se incomode com algumas fotografias. Além do mais, vocês são vizinhos. - Marichelo virou-se para Rodrigo. - As fotos aparecerão nos jornais?

- Depende da matéria. Se eu conseguir informações suficientes sobre Alfonso, então precisaremos de várias fotografias. Vamos nos sentar e conversar um pouco.

Marichelo acomodou-se, com as netas ao lado.

- Anahí? - Rodrigo pediu-lhe para se posicionar atrás da mãe. - Que maravilha! Uma bela foto de família.

- Não, tire só da minha mãe com as meninas.

- Anahí, venha já aqui! Não desperdice o tempo deste pobre homem.

Anahí respirou fundo e obedeceu.

- Algumas vezes ela é tão obstinada... - adicionou Marichelo.

- Pronto - disse Joseph.

- Agora - começou Rodrigo -, conte-me um pouco sobre Alfonso. Como vocês se conheceram?

- Anahí mudou-se para o chalé que ele aluga, e eles se tornaram bons amigos.

- Verdade, Anahí? - indagou Rodrigo.

- Não exatamente.

- Ele nos assustou - intrometeu-se Clara.

- Mas não por muito tempo - defendeu Beatriz.

- E nós adoramos Wilbur.

- Wilbur?

- O cachorro de Alfonso - explicou Anahí, imaginando que se ele o conhecesse mesmo deveria saber da existência do animal.

- Ah! E depois que ele assustou vocês, o que mais aconteceu? - Nós ficamos amigos - respondeu Clara.

- Sim, ele nos deixa ficar com ele enquanto trabalha - disse Beatriz.

- E nos leva para passear no carrinho de cortar grama - anunciou Clara. - Até mamãe deu uma volta.

As sobrancelhas do jornalista de ergueram.
- Até mamãe? - Rodrigo virou-se para encontrar Anahí com o rosto vermelhíssimo. - Conte-me, sra. Puente!

- Não foi nada. Houve apenas um pequeno incidente.

- Um pequeno incidente! - exclamou Marichelo. - Por Deus, eles quase derrubaram a cerca toda! Meu marido, Enrique Puente, até ajudou no conserto.

- O que aconteceu? Contem-me os detalhes.

Clara levantou as mãos.
- Eles estavam se olhando e não viram aonde o carrinho ia. E então bateram na cerca.

- Bateram?

- Sim, direto na cerca. Beatriz e eu tivemos de ajudá-los a se levantar.

- E Wilbur também - berrou Beatriz.

- Interessante - comentou Rodrigo, sem tirar os olhos da envergonhada Anahí.

- Foi apenas uma brincadeira tola - disse ela. - Nada mais.

Rodrigo deu uma risadinha, depois voltou-se para as gêmeas.

- Ele brinca conosco e até sobe em árvores...

- E nos leva para pescar - adicionou Beatriz.

- Pescar? Verdade? Parece-me divertido.

- E é. Alfonso até tem um lugar especial para pescar.

- E eu sei onde é.

- Onde é, Beatriz?

- Seguindo por uma trilha que começa ao lado da casa de Alfonso e termina no lago.

- Você não deveria ter contado para ele - reclamou Clara. - Agora não é mais um lugar especial.

- Prometo que não conto para ninguém. Eu juro! Bem, devo admitir que estou um pouco surpreso. Alfonso fazia de tudo para se manter afastado de tudo e de todos nos últimos anos. Estou achando tão estranha essa amabilidade...
- Bem, creio que ele deva estar mudando - disse Marichelo. - Sim, só pode ser isso. Aquele dia em que lhe ofereci o lanche, Alfonso até mencionou que a festa do casamento da prima seria realizado no gramado da casa. Mais de cem pessoas! Não acho que nosso vizinho seja um recluso.

- Mamãe, Alfonso ainda não concordou.

- Ele aceitará a ideia mais cedo ou mais tarde.

- Vocês estão falando do casamento de Maite Perroni? - perguntou Rodrigo, escrevendo sem parar em seu bloco de notas...

- Sim, acho que esse é o nome da moça. Anahí, ela se chama...

- Eu acho que está na hora de irmos para casa, mãe - ela interrompeu, estendendo as mãos para as filhas.

As duas obedeceram sem hesitar.

- Mas eu ainda não terminei de contar a Rodrigo sobre o lanche - reclamou Marichelo.

-Acho que o Sr. Ruiz já tem informações suficientes.

Rodrigo encarou Anahí.
- Sim, muito obrigado. Será que você poderia me dar o número de seu telefone? Para o caso de eu precisar confirmar alguns fatos...

- Eu acho que não é...

- Aqui - intrometeu-se Marichelo, pegando um pedaço de papel e anotando o número da filha. - Não hesite em ligar se for necessário. Ficarei aqui mais algumas semanas.

Anahí arregalou os olhos, mas a mãe a ignorou.
Agosto estava chegando. A visita de seus pais se prolongava demais. Queria que eles partissem logo. No final de semana, por exemplo.

- Muito obrigado, senhora...

- Portilla. Marichelo Portilla.

Anahí puxou a mãe.
- Vamos, mãe. Já chega!

- Eu lhe agradeço por tudo, mais uma vez, Rodrigo. - Apertou a mão do jornalista. - Não vejo a hora de ver as fotos e a matéria publicadas.

- Eu lhe enviarei uma cópia especial.

- Verdade? Que simpático da sua parte!

-Mãe!

- Até logo, Rodrigo - despediu-se Marichelo, acenando sem parar.

- Até logo, sra. Portilla.

Marichelo alcançou a filha.
- Alfonso não ficará contente quando souber da novidade?

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