Capítulo 23

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Anahí procurou sorrir, fingindo-se contente com a chegada dos pais. Era lógico que os amava demais e que estava feliz por vê-los, mas preferia que eles não tivessem aparecido de surpresa. Seu estado de independência ainda era frágil, e o apego aos dois continuava forte.
Ao anunciar que se mudaria para o campo, começaram os desentendimentos com a mãe. Marichelo fizera de tudo para que elas ficassem, mas Anahí vencera. Apesar disso, continuava a interferir em tudo o que a filha fazia.

Depois de banhar as meninas e colocá-las na cama, Anahí desceu as escadas para encontrar a mãe só, sentada na cozinha. Havia duas xícaras de chá quente em cima da mesa.

- Papai já foi se deitar. Ele estava exausto devido à viagem. Você sabe quanto tempo demoramos para chegar aqui?

- Eu sei, mamãe, é bem longe.

- Você parece tão cansada... Beba o chá.

- Está muito quente para tomar chá.

- Bem, então vamos colocar umas pedrinhas de gelo. - Marichelo se levantou bem depressa, colocou a bebida em dois copos e adicionou algumas pedras de gelo. Então, ofereceu um deles à filha. - Tome, querida. Chá gelado. Do jeito que você gosta. Amanhã pedirei a Enrique que compre um pouco de hortelã. Beba um gole, querida.

Anahí deu um gole apenas para agradar à mãe.

- Está bom, filha?

- Sim, mãe. Uma delícia.

Marichelo sentou-se em frente à filha.
- Aposto que ainda não teve tempo de preparar um copo de chá gelado para você, não é?

- Para seu conhecimento, eu já fiz vários chás para mim.

- Verdade? Estou surpresa. Você nunca gostou muito de cozinha, meu bem. Essa foi uma das minhas maiores preocupações quando se mudou. Imaginei o que seria de vocês com um cardápio tão limitado. Está tudo caminhando bem, mamãe. Verdade-. Marichelo cruzou as mãos em cima da mesa.

- Está bem... E...

- Fale.

- Não, não é nada.

- Nada?

- Bem... Quer dizer... Talvez...

- Por exemplo?

- Devo admitir que fiquei um pouco chocada ao encontrar você e as garotas na companhia daquele homem.

- Alfonso tornou-se um bom amigo delas.

- Só delas?

- Não, mãe, meu também. - Anahí encarou Marichelo.

- Percebo.

- Mesmo?

- Sim, acho que sim. Você encontrou um amigo e, a julgar pelo seu olhar, está querendo dizer que eu não tenho nada a ver com isso.

Anahí fechou os olhos e balançou a cabeça.
- Não é bem assim, mãe. Alfonso é...

- O quê?

- Ele é tão bom conosco...

- Mas...

- O quê?

- E o rosto dele?

- Mamãe!

- Por Deus, Anahí, não venha me dizer que você consegue ignorar aquele monte de cicatrizes!

Anahí suspirou.
- Não. Como você, fui pega de surpresa quando o vi pela primeira vez, mas depois me acostumei.

- O que aconteceu?

- Ele é um herói - respondeu, com um brilho nos olhos.  
- Herói?

- Sim. Ele salvou várias pessoas de uma explosão e acabou se queimando. Houve um grande rebuliço em torno do assunto na ocasião do acidente. Talvez você tenha lido a respeito. Está sempre a par de tudo...

- Hum! Acho que me lembro de algo parecido. Cinco anos atrás? Os jornais traziam a fotografia de um homem cheio de ataduras. A CNN fez uma reportagem especial sobre isso.

- Sim, pode ter certeza. Alfonso foi bastante perseguido pelos repórteres. Isso mudou sua vida.

- Sim, tenho certeza de que foi um ato bastante nobre da parte dele, mas ainda assim não acho que Alfonso seja a companhia adequada para as meninas.

- Por que não? - perguntou Anahí, endireitando-se na cadeira.

- Bem, ele deve assustá-las. Elas podem ter pesadelos...

Anahí levantou-se e terminou de beber o chá.
- Não seja ridícula. Alfonso foi a melhor coisa que aconteceu na vida das meninas. Você precisa ver a alegria delas hoje enquanto brincavam no lago. Estavam se divertindo como nunca. -Encarou a mãe. - Minhas filhas precisam de um homem em suas vidas, mãe.
- Elas têm o seu pai. E o pai de Kuno.

- De um homem jovem, que brinque com elas.

- E você espera que esse suposto herói venha preencher esse vazio?

- O nome dele é Alfonso, e eu não espero nada. Acabei de me mudar para cá e tento começar uma vida nova. Sendo meu vizinho, Alfonso faz parte dela.

- E isso é tudo? Anahí virou-se de costas e foi até a pia lavar o copo. Depois, voltou-se de novo para a mãe.
- Sim, mamãe, é tudo.

- Achei que você já estivesse cansada dessa brincadeira.

Anahí riu.
- Ainda não.

- Pensei que...

- Mamãe, nós já discutimos esse assunto mais de mil vezes. Por que você não aceita a minha liberdade?

- Porque acho errado você ficar tão longe de sua família. E dos pais de Kuno...

- Pelo menos os pais de Kuno estão se mostrando fortes. E papai também. A única pessoa que está tendo problemas é você.

Marichelo abriu a boca, mas fechou-a logo em seguida.

Anahí não tivera a intenção de ser tão direta, mas a chegada inesperada de seus pais a deixara mais nervosa do que podia imaginar. Tinha até planejado um encontro secreto com Alfonso mais tarde, talvez na varanda, como na noite anterior. E depois do que acontecera essa tarde... Bem, estava desapontada por ter de adiar um novo encontro com ele... indefinidamente.

Anahí mudou o assunto para temas rotineiros e logo as duas mulheres decidiram ir para a cama.
Em seu minúsculo quarto, ela parou na janela e pôs-se a fitar o gramado. Como o quarto das meninas, dava de frente para a casa de Alfonso. Nenhuma luz acesa. Onde seria o quarto dele? Só conhecia o primeiro andar, quer dizer, a cozinha e seu local de trabalho. Não fazia a menor ideia de como era o resto.

Então usou a imaginação. Fechou os olhos e pensou nele deitado na cama, em lençóis brancos, que brilhavam com o luar. Estaria nu? Com certeza; por que não? Era sua fantasia, podia fazer o que bem entendesse. Ele teria as mãos cruzadas atrás da cabeça e estaria fitando o teto, pensando nela, no dia de hoje, em como Anahí respondera às carícias.

"Eu tenho mãos de fada."

Vizinhos ÍntimosOnde histórias criam vida. Descubra agora