Capítulo 4: Tempestade Vem.

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— Acho que eu deveria ter ido ao brechó... - Falei, colocando o caderno em cima da escrivaninha.

Olhando para o teto, tomei consciência de mim mesma. Aquela sensação estranha acompanhada de imaginar a si mesmo, como as pessoas veem você. Eu parecia patética, sendo sincera, mas não durei muito com esse pensamento. Se minha avó chegasse e nada estivesse feito ela iria brigar e com certeza a última coisa que eu precisava era uma briga.

Levantei e fui cumprir com as tarefas, até tomei um bom banho para esclarecer os pensamentos. Parando para pensar, não deveria ser grande coisa. Meu avô era um homem cheio de ideias e muito animado, provavelmente era apenas um caderno de pensamentos interessantes e poemas para guardar.

Varri a casa e fiz algo para comer, amarrei o cabelo em um coque e levei o lixo para fora. O céu estava limpo, ainda. Vi o homem ali, do outro lado da rua, na mesma posição que antes, e nem pensei antes de fazer algo. Andei para dentro de casa e, do que fiz para mim, peguei um ovo cozido, um pedaço de carne assada e um pouco de arroz. Coloquei tudo em um prato descartável dos que usávamos na vendinha de comida e saí, já com o cabelo solto.

— Com licença, moço... - Eu disse, me aproximando.

— Hm... Hm? Oi, oi. Oi. - Ele dizia, olhando por cima dos braços e dos joelhos.

— Trouxe para o senhor... Se quiser... - Falei, me abaixando sentada nos calcanhares e estendendo o prato para o homem.

A figura se desfez do bolo de roupas pretas, estendendo as pernas e se inclinando para pegar o alimento. Os olhos dele eram verdes e andavam pelo meu rosto com rapidez, depois pelo prato com fome, e por fim ficavam surpresos e arregalados ao olhar meu cabelo. Ele começou a comer com as mãos sujas e ágeis, tão apressado que ignorou a colher que eu trouxera. Me levantei desajeitada, mas não me afastei. Seu rosto era consideravelmente jovem e completamente sujo, metade de sua barba era malfeita e a outra crescia bem baixa, como se tivessem sido cortadas em épocas diferentes.

— Obrigado, obrigado! É. Moça, por que do cabelo? É azul. Muito bonito seu cabelo.

— Ah... É que minha mãe usava, eu... Não gosto de falar sobre, mas, obrigada! De verdade!

— Ah, então ela usava igual? Bonito. Bonita. Sim. - E voltou a comer. Me olhando de uma forma desconfortavelmente animada.

— Não... Não igual, mas... Bem, preciso sair, se precisar de algo, eu acho que pode pedir... Tchauzinho! - Eu disse, me afastando enquanto tentava sorrir.

— Há quanto tempo mora aqui? - Ele disse.

— Há... Uns três anos, eu acho... E o senhor?

— Ah! Eu não moro aqui. Eu moro numa ilha. Longe. Longe mesmo. Linda! Mas triste. É. Eu quero voltar. Não agora, não quero voltar agora. Mas quero voltar. - Ele disse, sorrindo com os dentes sujos, que na verdade pareciam brancos demais por debaixo da comida. — Qual seu nome?

— Safira... E o seu? - Falei, me afastando um pouco mais.

— Matthew! É. Isso. - Ele disse, depois de demorar um pouco.

Eu tentei sorrir enquanto acenava com a mão e andava para trás.

— Tchau! Obrigado! Obrigado. - Ele respondeu com a boca cheia, sem parar de me olhar.

Entrei em casa novamente e voltei a arrumar as coisas. Comecei a pensar se sair foi correto, jamais negaria ajuda, mas ele era muito estranho. Nunca pensei antes de agir, e não tinha do que me arrepender. Foi apenas uma conversa estranha.

As coisas correram pelo resto da tarde não muito especiais. Li um pouco de Fernando Pessoa, um poema apenas, minha avó chegou mais cedo, tardezinha, contando que não tinham muitas pessoas na praia e resolveu ver se eu estava bem. Qualquer que fosse o motivo, ela resolveu ficar e me ajudar a terminar de arrumar a casa. Por um segundo achei ter visto ela entrar no quartinho e depois sair com um sorriso em seu rosto. "Entendi, deve ter sido coisa dela.".

Os que Mergulharam em LuzOnde histórias criam vida. Descubra agora