Capítulo 13 - Catando Conchinhas.

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O vento era frio, desolado e respirar era difícil. Soprava de leste a oeste, carregando consigo areia do chão, cujos grãos não machucavam minhas pernas graças ao manto, que ainda me manteve quente por causa do café nele guardado. Olhava para o chão enquanto arrastava com cuidado meus pés na areia para não machucar nenhuma das milhares de conchas espalhadas por onde o mar encontrava a ilha. Vi algo escrito na lateral de um pequeno objeto que se abria na metade, um búzio.

— "Quantos filhos em vão rezaram..." - Li, baixinho, para mim mesma, e o peguei, colocando no bolso do casaco. - Isso vai demorar a eternidade.

Voltei a me mover, agora apoiada nos joelhos, sem me levantar, protegendo os olhos com o braço esquerdo enquanto usava o direito para pegar e checar as conchas. Eu sabia que devia fazer aquilo, mas deveria haver um jeito mais fácil, não?

Trovões distantes e lapsos de luz no céu me assustavam de vez em quando. Parecia o vir de uma forte tempestade, uma constante ameaça de que as nuvens sobre mim iriam cair em água para levar embora todas as conchas. Eu deveria me apressar.

Encontrei mais uma, como a primeira, em cores diferentes e uma nova frase do poema, guardei-a. Elas pareciam vir para mim, mas eu conhecia essa poesia, tinha uns doze versos, e agora que eu possuía três deles.

Fechei os olhos e comecei a caminhar novamente. Que lugar era esse? Com certeza não era a ilha, não a mesma ilha de antes. O céu de Aquamarina era limpo, o mar era bonito e calmo, e esse céu, e esse mar, até a areia da praia, tudo parecia uma mentira mal contada de um livro escrito por um moço com muitos medos. Talvez eu estivesse com muito medo.

Parei, de repente. Abri os olhos para ver o que me causou dor, abri a boca para xingar o que quer que fosse, não necessariamente nessa ordem. Era um pedaço de madeira, uma viga retangular de madeira escura e úmida, na qual descansava uma concha com um verso escrito. Peguei esta e, por causa de um clarão descomunal, coloquei-a junto ao peito. Fechei os olhos, me abaixei e cobri o rosto com o braço, a luz trouxe consigo um vento forte, que parou após desatar o rabo-de-cavalo no qual meu cabelo estava amarrado. "Um... Dois... Três... Quatro... Cinco..." e o trovão chegou.

Desfiz a minha proteção, o raio deveria ter sido bem mais longe de onde imaginei, mas, ao levantar a visão para o horizonte, recebi notícias contrárias. As conchas, que antes residiam no chão, flutuavam à altura de meus olhos como se penduradas às nuvens com os mais finos fios de náilon. Enxerguei de relance duas conchas com escrituras, essas cujas as letras brilhavam num verde-musgo, quase como se gás neon estivesse emanando das escrituras. Agarrei-as no ar e vieram para minha mão sem dificuldade, enfiei ambas com as outras e continuei a admirar o fenômeno sobrenatural diante meus olhos. Fenômeno esse prestes a ficar ainda mais inacreditável.

Algo, digo, alguém, surgiu pouco à frente. Numa forma incerta, como se houvessem prendido os raios de luz refletidos de um prisma em uma forma humana. O chapéu que usava tinha uma aba longa para proteger do sol, carregava uma maleta e parecia vestir um paletó, mas sua forma era tão etérea e transparente que tudo que realmente consegui perceber sobre este era que brilhava um dourado, mas no meio, onde deveria haver o estômago, havia um emaranhado de cores, especificamente branco, amarelo, azul e marrom, juntas em vários fios entrelaçados e confusos como se feitos por uma criança que recém ganhou seus primeiros gizes coloridos.

O vento não parou, mas não parecia mover nem o chapéu do moço, nem as conchas. Tomei o mais profundo fôlego que pude e dei um passo, ao ponto que o espectro me percebeu. Ele encarou-me, ou ao menos virou seu rosto, pois seus olhos eram incertos, e então virou-se na direção oposta, calmamente me deixando para trás.

— Ei! - Esforcei-me para dizer. - Ei! Você! Sabe onde estou? - Perguntei, para não receber resposta alguma.

Sem muitas opções, coloquei o cabelo para trás da orelha, agarrei o manto com uma das mãos e comecei a seguir a aparição colorida. Ele parou depois de andar alguns metros, olhou para mim e continuou andando. Percebi outra concha concha flutuando com algo escrito em seu interior, a peguei e sussurrei-a.

Os que Mergulharam em LuzOnde histórias criam vida. Descubra agora