Capítulo 8: Canção de Marinheiro.

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Matthew era, sem dúvida alguma, o ser humano mais inumano que já conheci. Se passaram dois dias, ainda estávamos navegando, e ele não dormiu, nem uma noite, nem um segundo. Apenas observava, com um sorriso estampado no rosto, para frente, como se vigiasse o horizonte à busca de algo, e embora cada um dos pássaros que voavam na direção oposta capturasse sua atenção por um momento, logo ele molhava o rosto com um balde de água salgada e balançava os cabelos, se concentrando na linha inalcançável. 

Não pude deixar de notar que, se não fizéssemos algo, essa seria nossa situação até avistar qualquer pedaço de terra: em silêncio, olhando. Me reuni com Samuel no convés em certas partes da primeira noite para conversarmos e jogarmos pedra-papel-tesoura ou concha-e-pedra, uma versão do jogo-da-velha que Sam disse ter inventado apenas por substituir "X" e "O" por conchas e pedras que achou espalhadas pelo barco. 

Na segunda noite, nos sentamos em silêncio, não para contemplar a assustadora linha do infinito que vinha, mas para levantar a cabeça e olhar a lua, pálida e cheia, que me causava uma leve sensação de conforto, afinal, não importava a distância, aquele ainda era o mesmo céu que estava sobre o teto de minha casa, onde, a essas horas, minha avó deveria estar dormindo. Valeu a pena fazer silêncio, não tive que explicar a ninguém quando, de repente, essa lembrança passou a ser dolorosa, e parei de admirar a lua para me concentrar, também, no horizonte.

Matthew prometeu se juntar a nós na terceira noite. Fiquei muito animada, digo, o mais animada que poderia estar em uma situação como aquela. Levantamos, eu e Samuel, no terceiro dia. Tomei um banho curto e gelado com a água doce disponível em uma pequena cabine escondida no canto do interior do barco, o que eu considerei ser uma adição do novo século. Ao sair, me deparei com caixotes de madeira e cestas de plástico empilhadas, cheias de coisas, e ao lado dois barris de madeira bem escura talhados com o nome "água". 

Sam entrou na cabine logo após, enquanto eu, vestida com as mesmas roupas dos outros dias, por falta de opções, me dirigi até o convés, onde estava o moço, em suas roupas rasgadas e sujas, com seu rosto recém molhado e os olhos azuis fixos. O vento que enchia as velas passava por meus ouvidos com violência, meus cabelos balançavam confusos para todos os lados, enquanto a mecha azul tentava ataques contra mim, adentrando minha boca diversas vezes. Amarrei-os enquanto subia as escadas até o segundo andar do convés, colocando a mecha azul, ainda solta, atrás da orelha. 

— O-o-oh! Bom dia, senhora Safira, bom dia! Desculpe, eu não vi você chegando... Dormiu bem? Teve sonhos? Sonhos são importantes. Tem tido alguns?

— Matthew, bom dia... Eu já disse para não me chamar de senhora, é meio estranho... Eu dormi bem sim, sem sonhos, denovo. 

— Ah! Se não teve sonhos, senhora Safira, o que te trás aqui em cima? - Ele disse, parando de sorrir por um momento, não por preocupação, mas talvez porque os músculos de sua face estavam cansados. 

— Queria saber se você não... Quer uma ajuda? Está aí há tanto tempo, parece uma máquina! - Eu respondi, olhando as mãos firmes pregadas ao timão. 

— Ah, então você sabe pilotar? - Ele respondeu, se animando. 

— Nunca peguei um leme de verdade, mas... Eu sei mais ou menos... A teoria. - Eu respondi, sem graça.

— Ha! Haha, hahaha! A teoria? O quê, leu em algum livro? - Ele zombou, mantendo, pela primeira vez, o mais próximo de uma face amigável que já tinha revelado. Ri também, foi uma afirmação inocente. 

Samuel logo chegou junto, tremendo com o frio do vento forte. Ficou no convés de baixo, olhando, enquanto amarrava cordas ao mastro principal para fingir que sabia o que fazer. Para ser sincera, também não sabia. Fiquei em pé ao lado de Matthew por um tempo bem desconfortável, tentando arranjar um momento para sair, e, de repente, algo me prendeu a visão ao pescoço de Matthew, onde uma corrente dourada caía para dentro da camisa suja e que fora branca um dia. Era difícil ver, a gola do manto preto que ele usava estava quase sempre levantada, mas hoje não, por algum motivo. Balancei a cabeça, deixando a mecha escapar detrás da minha orelha e ser levantada pelas correntes de ar.

Os que Mergulharam em LuzOnde histórias criam vida. Descubra agora