Capítulo 16 - Por quê?

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- Eu não contei porque achei que não se importaria! - Um rir lunático na face.

- Mas por quê? - Reiterei. - Primeiro me faz uma pergunta sobre morrer, depois aquele bicho aparece, quer me matar do coração?

- Ora, era um acordo entre eu e o velho, um tempo atrás o filho fez uma raiva a ele. Maldição foi o resultado, olha! Imagina! - Ele correu entre as muretas do barco, me olhando com certeza inexplicável.

- Sem você eu e Safira ficamos presos aqui. Sabe disso. - Samuel tinha um tom firme, uma voz grave. - Além disso, está pondo em perigo a sua própria segurança...

- E a das outras pessoas... - Tentei adivinhar.

- É, sem você a viagem não tem ponto. Pode por favor parar de se colocar em risco?

- Ah, não! Não, não, não, vejam, não digam isso nunca! Vocês conseguiriam sem mim sim, é claro que conseguiriam! - Ele voltou ao timão, alarmado, olhos refletindo a luz da lua. - São os heróis que busquei para isso. Especificamente para isso. Vão conseguir!

Samuel me olhou, olhei ele e balancei a cabeça na direção de Matthew. Ele fez o mesmo para mim duas vezes. Suspirei.

- Sabemos, Matthew, mas estamos tentando explicar que... Só, vamos tomar cuidado e comunicar as coisas direitinho, por favor?

- O melhor que eu puder, senhora Safira. - Reverenciou, apoiando-se no leme. - Mas agora que têm poetas consigo, os dois, inclusive, poderemos viajar para nosso próximo destino! Ieee Pie!

- E seria?

- O túmulo do corajoso, senhorita. Vamos até o Royal Fortune! Ha hah! - Colocou o punho no ar.

Samuel fez uma expressão confusa. Para mim, uma memória distante apareceu.

- O... O Royal Fortune? Ele existe, ainda?

- Ah, e como, tanto quanto existem vocês e sanduíches!

- E o que tem lá, Matthew? - Samuel, em voz usual.

Matthew recuou, nos encarando. Abriu os lábios, olhou por cima do ombro, voltou ao leme.

- Tem só mais uma coisinha, uma coisinha só, que temos que pegar antes de chegar até a ilha, e temo que seja, sabem... Necessária, muito bem guardada e...

- O que seria? - Dei um passo à frente, quase conhecendo a resposta.

- A lanterna, um objeto mágico... E seu avô- o rei- ele... a obteve, de alguma forma, não sabíamos como, mas, quando o novo rei assumiu o controle e seu avô escondeu o colar, os rumores voltaram a surgir...

- Lá... Certo, é, faz... Sentido, eu acho. E como fazemos?

Matthew deu de ombros, mexeu levemente o leme. Abri a boca para dizer algo, e assim fez Sam, mas ambos viramos. Algo diferente, no interior do barco. Sam me olhou, descemos as escadas.

- Cuidado! - Matthew quase sussurrou. - Hahahehehihih...

O convés inferior estava quente e cheirava a manga. Significantemente tomado pelas caixas de frutas, iluminadas por uma luz inconfundível. No lado esquerdo, perto da rede em que eu dormia, estava a esboçada e brilhante silhueta do sonho que tive na ilha.

- Fernando...

- Augusto... - Dissemos juntos.

Samuel parecia estar em outro mundo, quando me virei, ele, de olhos esbugalhados e tremendo levemente, murmurou de forma indiscernível. Fitei novamente o espectro brilhante, que fixamente me encarava, um colorido emaranhado de fios dentro de si. Ficava mais intenso, menos, mais... Como uma luz prestes a queimar. Dividiu-se: quatro imagens me olhando de diferentes cantos.

- O que... Vocês...! - Levantei o corpo, soltei um suspiro.

- É, menina... Este é um belo cafofo que tens, bem... - O barco deu uma guinada para o lado, se estabilizou. - Dinâmico. - Fernando, o que permaneceu brilhando em branco, se aproximava sem tocar o chão.

- Não vamos enrolar, senhores. O tempo aqui é curto, quanto mais longe da ilha... - O contorno azul pareceu incomodado.

- Não é assim que funciona, Reis. O Mestre Alberto o explicou! - Retrucou o mais alto, sentado sobre uma das caixas, curvado, com a maleta em suas pernas.

- Certamente, veja-

- Acha que tem o direito de... - Ricardo parou com um olhar do homem em marrom.

- Como ia dizendo, veja, moça... - Alberto se aproximou, mais transparente que momentos atrás. - Nós somos uma manifestação de poesia. Longa, longuíssima história, mas, em poucos pontos: podemos tomar forma aqui, não material, mas estamos para guiar...

- Então... Vocês são... Professores?

- Sim.

O ar tinha se tornado um vento frio que chegava pelas escadas, dezenas de questões me passaram à mente, voando como folhas de um caderno. Olhei para meu amigo, que olhava vazio para frente, conversando sem som.

- Viram o que Samuel fez na praia? Com aquela coisa?

- Sim... - Todos responderam.

- Horrível, em primeiro lugar, que sequer existisse aquele monstro! - Ricardo pareceu incomodado, brilhando forte em seu azul. - Falta de responsabilidade! Um pai, fazer algo assim?

- Por favor, Reis. - Fernando tinha um tom benevolente. - Acho que é bom avisar logo, mestre.

- É, sim. Continuemos, veja, existem diferentes manifestações do que chamam de magia. O que Samuel atingiu foi um feito, mas a ilha o deixou. No entanto, já que não estamos mais lá... - Alberto levantou a mão, que estava transparente. - Não iremos embora, estamos ligados a você.

- Vamos agora até um lugar perigoso, menina Safira. - O espectro branco moveu-se. - E viemos para lhe avisar que deve haver cuidado em suas decisões, não podemos intervir demais...

- ...O Royal Fortune, até onde sei, é outro Spirituum. Poderemos, sim, influenciar mais, porém... - O Álvaro, o amarelo, adicionou.

- ...A decisão será sua, ainda assim.

- Eu... Realmente não precisava de enigmas agora, professores. - Sorri, desconcertada. - Deixa ver... Ah! Vocês podem, bem... Me dar alguns... Poemas? Sabem, para lembrar, eu arranjo algo para escrever, assim quando precisar, eu...

- Sim, e serão necessários, mas tememos que não entenda: Até chegarmos ao Royal Fortune, por mais que este barco esteja embalsamado em sua própria magia, não será nada tão... Glamoroso. Ainda. - Alberto continuou, ajustando a gravata.

- O barco... Quê? - Uma epifania se aproximava.

- Este pequeno barco faz uma viagem de três meses em três dias. É um pouco mais antigo do que parece. Não vamos demorar a chegar, aquele senhor tem pressa. - Terminou Fernando.

De repente eu descobri algo entre o sentido e a falta dele, permaneci calada. Em algum ponto da noite, depois de revisar alguns versos, tentei tocar Samuel. Ele retornou ao mundo por algum tempo, segurou minha mão, se virou, com os olhos em fúria, mas balançou a cabeça e sorriu.

- Esse moço, Augusto. Falar com ele está me dando nos nervos. Parece que converso com uma nuvem de chuva. - Disse.

- Continue, seu vocabulário já está melhorando! - Retruquei, e ele socou de leve meu ombro.

Já alta madrugada, Sam dormia, eu deitada em minha rede, ouvi passos, saltinhos, pequenas risadas, murmúrios, exclamações e caixas rangendo. Olhei, vi Matthew se abaixando para pegar o diário de meu avô.

- Oh! Senhora Safira, mil desculpas por lhe acordar! Vim apenas pegar isso aqui, o mapa, um lanche...

- Não tem problema, Matt. Eu não tinha dormido ainda, estou conversando com eles... Aliás, nem sei quando isso foi parar aí.

Um choque pareceu afetar o moço. Suas pupilas contraíram, seu sorriso brevemente se desfez e então se fez maior. Foi-se embora com pulinhos, levando o livro. Ouvi as velas balançarem com violência, o veículo inclinou-se um pouco para cima.

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⏰ Última atualização: Aug 21, 2022 ⏰

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