Após se despedir de uma Charlotte arrependida e um Harvey orgulhoso, Ray começou a subir a parede íngreme que dava para a saída do subterrâneo. Ele não havia se despedido de seus amigos, o que o deixara um pouco triste. Harvey disse que seria o melhor, porque ele já havia conversado com os pais dos mesmos e fora decidido que não explicassem para onde o garoto foi, para que as crianças da vizinhança não ficassem motivadas a seguir seus passos. Ray estava antecipando a saudade que sentiria, quando seus pensamentos foram cortados por gritos.
— Eu juro! Se alguma coisa acontecer com você, eu vou.... eu vou...! — Charlotte esperneava, sendo segurada pelo abraço de aço de Harvey. Aparentemente, a mulher já havia se arrependido da decisão.
"...Tempo recorde." — Ray pensou, e riu para si mesmo. Charlotte era protetora até demais, mas ele não se importava. Apreciava todo o carinho.
— Eu vou ficar bem! — O garoto respondeu, gritando tão alto que o eco podia ser ouvido desde muito longe. Ao se lembrar que essa era para ser uma fuga silenciosa, Ray fez uma expressão de pura vergonha, e virou o rosto.
— Ops... — Ele concluiu baixinho, e voltou a se focar em escalar a parede.
Ray nunca imaginara que a luz direta do sol seria tão mais bela, tão mais elegante, tão mais... quente. Insuportavelmente quente. Os seus olhos, acostumados com a luz fraca e suave do subterrâneo, custaram para se ajustar àquele novo ambiente. Ao longe, Ray só conseguia ver uma terra inóspita, pontilhada de rios vermelhos e incandescentes. Um vento seco e sufocante soprava daquela direção, e quase fazia Ray se engasgar com o próprio ar que respirava.
— Não achei que seria tão difícil logo que eu saísse....
Após respirar mais fundo com certa dificuldade, o garoto se recompôs.
— Bom, não vou chegar a lugar algum parado.Encontrando novas forças, Ray tirou Needle de seu bolso, afim de consultá-la quanto a qual direção precisava ir. O ponteiro lhe apontou em direção a um caminho tortuoso, cercado de rochas pontiagudas.
A cada segundo que ele passava naquele caminho, mais ele o detestava. As formações rochosas não possuíam padrões, e ele sentia que algo estava espreitando em cada fissura, atrás de cada pedra. Needle só apontava para um mesmo ponto fixo, não mostrava o caminho. Então, vez ou outra, Ray se deparava com caminhos sem saída ou lugares perigosos; abismos profundos e rochas que deslizavam, ameaçando desmoronar ao leve toque. O garoto não se sentia seguro em nenhum momento.
Após cansativas horas de caminhada, Ray passou a notar barulhos distantes. Eram sons terríveis, esganados. Como se alguém estivesse tentando engolir lascas afiadas, ao mesmo tempo que gritava por socorro. Era horrível. A cabeça de Ray doía, e sua mente o deixava aterrorizado com seus próprios pensamentos. Que ser torturante estava produzindo aquele som? Por que soava humano, e ao mesmo tempo tão... bestial?
O garoto abandonou suas dúvidas com um determinado balançar de cabeça. Se fosse para ele se deparar com algo ali, seria destino. E Ray confiava em seu destino.
Após alguns minutos, os barulhos ficaram mais constantes e mais altos. Agora, Ray tinha certeza de que haviam várias criaturas fazendo aquele som. Ele não sabia dizer se estavam dialogando entre si, porque a cacofonia terrível não parecia ter ordem, e as vozes atropelavam umas às outras. O garoto sabia que estava se aproximando da fonte dos sons, e isso o deixava ainda mais inquieto.
"Preciso sair daqui logo. Preciso... !"
Uma imagem horripilante invadiu a mente de Ray, interrompendo seus erráticos e temerosos pensamentos. Finalmente, Ray havia encontrado a fonte dos terríveis gritos.
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Needle
MaceraA humanidade recuou para o subsolo, escondendo-se dos terríveis monstros que habitam a superfície. Um garoto órfão de apenas treze anos chamado Ray decide explorar esse mundo cruel, pois seus sonhos o contam de um lugar distante a qual ele pertence...