2. Arco

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Mesmo na sombra, Godofredo e Anna sofriam com o calor enquanto estavam sentados em um banco na rodoviária esperando pelo Corvo que disse que já voltava.

— Hey, acho que não me apresentei direito. Na verdade, acho que não me apresentei mesmo. Meu nome é Godofredo, Godofredo Carvalho. Não sei se esse nome foi o que meus pais me deram quando eu nasci ou se foi alguém no orfanato que escolheu, mas esse é o nome que eu tenho, então... prazer em conhecê-la! — disse ficando cada vez mais vermelho com vergonha.

— E eu sou a sua Anna — respondeu sem pestanejar.

— Minha?

— Sim, sua Anna.

— O... Okay... Eu acho — disse Godofredo perplexo com como ela conseguia dizer essas coisas de forma tão natural. Como ele não poderia saber disso? Ela é a sua Anna, é simplesmente natural.

Uma brisa bateu nos dois e por um momento deu até para esquecer o calor sufocante que fazia. Anna balançava os pés que não alcançavam o chão enquanto esperava pelo retorno de seu mestre.

— Olha... obrigado por terem me tirado de lá. Eu nunca achei que fosse sair um dia...

— Eu não me empolgaria tanto se fosse você — interrompeu o Corvo que havia voltado dando um baita susto em Godofredo que estava viajando em pensamentos. — Dependendo do que o Departamento de Linhagens definir eu posso precisar te trazer novamente para o Orfanato, apesar de achar improvável. Pode nos falar sobre o seu passado?

— Não sei... não me lembro muito das coisas. É como se fosse sempre o Orfanato na minha vida, sempre as mesmas paredes e as mesmas regras, então não sei se tenho algo de útil para falar — respondeu Godofredo voltando a se entregar aos pensamentos. — Eu achava que estava ficando louco vendo coisas que não existem e subindo no telhado sem lembrar por onde achando que tinha pulado do pátio, mas agora parece que eu só não sabia de nada, e ainda não sei de nada aparentemente.

— Onde estamos agora eu não posso te explicar muito, mas posso te falar o básico sobre essas coisas que você vê e os outros não. Você notou os que passamos no caminho do Orfanato até aqui?

— Ah, eu vi uns nos ombros de umas pessoas passando, também tinham uns que ficavam segurando na perna da pessoa e tinha uns que ficavam seguindo em silêncio. Não faziam nada, só ficavam ali quietos. Menos aquele que tinha na esquina do bar, ele falou com a gente eu acho, tentou chamar a gente.

— Os que viu nos ombros, segurando ou subindo nas pessoas é o que chamamos de Pequenos Caóticos, ou "Pequenos" para simplificar. Eles nascem dos sentimentos ruins das pessoas e geralmente são inofensivos. Já o outro que você viu no bar é chamado de Médio Obsessor. São Pequenos que se alimentaram bastante de sentimentos ruins e acabaram crescendo em complexidade com o tempo.

— Essas coisas são do mesmo tipo que as que me seguiam no orfanato?

— Sim, tudo o que as pessoas sentem, desejam, idealizam ou planejam interfere na realidade. Pode ser em pequena escala no começo, mas as vezes chega ao ponto que um Pequeno nasce. Como é preciso alimentar esse sentimento, essa energia ruim estagnada, por um tempo, é bem provável que os que vimos no caminho são provenientes de um hábito ruim, uma mania nociva ou um problema de saúde mental. Estranho é teu orfanato ter apenas aqueles três, pois locais como escolas, hospitais e orfanatos costumam ser habitados por várias dessas criaturas, tendo que ser visitados constantemente por membros do exército para serem limpas e impedirem que algo perigoso acabe se formando – explicou o Corvo como se fosse algo trivial.

— Então por que não os destruímos também? As pessoas não correm perigo com elas por perto?

— Não é tão simples assim, Godofredo. Em locais que esses sentimentos ruins se acumulam com facilidade, mesmo quando a limpamos, outros logo voltam a nascer. E mesmo aqueles que nascem por conta dos hábitos ruins das pessoas, se matarmos o espectro em um dia, um novo nascerá dias depois caso a vida dessa pessoa não mude. Além disso, eles costumam ser inofensivos quando são pequenos como os que encontramos no caminho – explicou o Corvo. Em seguida continuou, mas agora com um olhar mais sério – Já com o obsessor, seria muito perigoso tentar fazer algo ali.

O Aprendiz do Corvo - Volume 1 (versão web)Onde histórias criam vida. Descubra agora