Capítulo V

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Eu atingi a rede, e de alguma forma, aquilo me aliviou. Eu pensava que ali embaixo poderia ter água e, mesmo que eu soubesse nadar, se eu caísse de mal jeito eu poderia sim me machucar. 

Um homem estendeu a mão e me ajudou a sair dali. Ele era moreno, alto, forte e muito bonito. 

- Você foi empurrada?- Ele perguntou e eu agradeci a mim mesma por ter sacado que se eu não pulasse, eles me derrubariam. Seria vergonhoso pra alguém que escolheu a audácia. 

-Não.-  Respondi enquanto revirava os olhos...uma mania que eu sempre costumava repetir e que, em um futuro próximo, eu poderia me arrepender. Todos sabiam que falta de respeito com seus superiores não era muito bem vindo na sociedade audaciosa. 

- Qual seu nome? Pode mudar se quiser.

- Ah...Dakota. 

- Primeira a pular: Dakota!

Alguns minutos antes, Eric e Quatro nos apresentaram cada conta daquele complexo escuro e, agora, estavamos nos trocando no quarto que estava longe de ser confortável. Cada um tinha sua cama, os banheiros eram sem divisórias; os chuveiros gelados e não existia janela alguma. Não que eu realmente me importasse com isso, na verdade.

Os corredores rudimentares principais da audácia convergem diretamente ao fosso, nome dado a uma gigantesca caverna subterrânea. Construídos nas enormes paredes de pedras desniveladas, estão os departamentos reservados para comidas, atividades de lazer, roupas e entre outras coisa. Ali, as escadas eram desprovidas de corrimão ou qualquer sistema de segurança.

Eu tinha definitivamente escolhido a facção certa. Eu poderia sentir alguns transferidos desconfortáveis e nervosos, mas eu não. Imediatamente me senti bem confortável com a mudança drástica de cores e, principalmente, me senti bem por finalmente estar livre. Porque era isso que a audácia era, liberdade.

Também existia o abismo, que poderia ser atravessado por uma ponte feita de ferro enferrujado e, lá embaixo, água corrente se agitava furiosamente junto á pedras pontiagudas. Apenas um lado tinha corrimão, provando que ali era mesmo a audácia.

"O abismo existe para nos lembrarmos que existe uma linha tênue entre bravura e a idiotice." — Lembro das palavras de Quatro.

Eu coloco as roupas escuras que eles nos deram quando chegamos, ignorando os comentários desprovidos de educação dos meninos. Por um momento senti saudades da privacidade.

— Oi, sou Jorghia.— Vi uma mão estendida em minha direção, segui meu olhar a tempo ver uma garota morena abaixar o olhar de vergonha. Ela parecia em um conflito interno entre permanecer ali e se apresentar, ou virar as costas e sair de cabeça baixa. Parecia intimidada com a minha presença, talvez até envergonhada (coisa sem motivo e que não fazia sentido).

Eu fiquei tentada a ignorar porém, vendo a insegurança da menina em fazer amigos, mudei de ideia. Suspirei, entendi a mão e falei:

— Sou Dakota.

— Um imenso prazer, Dakota.— Ele encara as roupas azuis acima da minha cama. — Erudição?

Um sorriso sarcástico se forma por dentre meus lábios sem que eu ao menos percebesse:

— Não mais.

Ela aberta os lábios em uma linha fina enquanto brinca com seus próprios dedos, parecia tentar achar uma forma de puxar assunto.

— Bom, eu vim da amizade.— Aponta desajeitosamente em direção a cama do lado, onde pude ver um montinho de roupas coloridas.

Franzi o cenho enquanto analisava melhor sua aparência. Tão magra que poderia ser considerada doente, cabelos castanhos claros e enrolados; olhos escuros e bochechas vermelhas. Bonita, mas nunca sobreviveria em um lugar como esse. Era gentil demais, parecia ser boazinha e, delicada ao extremo. Como seria a primeira luta dessa garota?

Dei de ombros e passei por ela indo em direção à saída. Era hora da janta e, logo no dia seguinte teríamos que acordar cedo para os treinos matinais.

Não me importei em deixar ela falando sozinha, porque eu sabia que se fizesse amizade com ela, meu complexo de lealdade jamais me permitiria deixá-la ser desclassificada. E eu precisava focar em mim se quisesse vencer na vida.

Entrei no refeitório, onde as paredes são  cinzentas e as mesas compridas de ferro ocupavam a maior parte do local. Apesar da aparência meio escura, o lugar parecia ser muito bem limpo e jeitoso. Confortável até.

Sentei na mesa lá do fundo, vazia. Carne, arroz e, um pouco mais ao longe, um bolo de chocolate estavam dispostos ali. Coloquei em meu prato a comida, porque eu precisava de muita energia para os próximos dias. Eu não daria tudo de mim, óbvio, mas eu precisaria esconder quem eu realmente era de verdade.

Precisava fingir aprender como os outros, como se nunca tivesse lutado. Precisava me esconder, me camuflar e parecer alguém normal, não a assassina que estava solta por aí. Não tinha ideia sobre o que fariam comigo se descobrissem quem eu realmente sou, mas não me arriscaria.

Sem em ao menos perceber, a mesa começou a lotar. Jorghia sentou a minha esquerda, enquanto outras pessoas desconhecidas sentavam a minha volta com normalidade. Não disse nada, continuei indiferente, afinal, aquela mesa era pública.

— Vocês viram a troca de olhar entre Eric e Quatro?— Uma menina que eu não me dei ao trabalho de encarar começou a dizer, ou "fofocar".

— Eles são gays então?— Um menino perguntou surpreso. Não me dei ao trabalho de tirar minha atenção da comida.

— Não, seu idiota!— A garota arregalou os olhos, enquanto segurava a risada.— Eles se odeiam, certeza.

— Provavelmente Quatro deve querer a liderança, ou algo do tipo. — Um outro alguém pareceu dar de ombros.

Eu revirei os olhos, porque nada parecia produtivo. As pessoas falavam coisas sobre as outras, elas criticavam e criavam história na cabeça delas que diziam ser reais. Era ridículo, no mínimo. Se esse boato se alastra-se até os ouvidos de Eric, a coisa poderia ficar feia e o melhor pra eles agora seria calar a boca enquanto a tempo.

Levantei os olhos depois de terminar a comida e puder ver a mesma garota negra que deixei pra pular sozinha do trem. Então ela tinha tomado coragem.

Ela me encarou, sorriu e perguntou:

— Você não acha?— Eu franzi o cenho me fazendo de boba.

— Acho sobre o que?

— Que eles se odeiam, oras!

Revirei os olhos, dei de ombros e comecei a me levantar.

— Eu não ligo, isso não tem nada a ver comigo.— E sai andando sobre os olhos de todos da mesa de iniciados. Do outro lado do refeitório, dois pares de olhos pesaram mais que os outros que deixei para trás.

Um era azul, o outro escuro, mas cada um deles carregavam curiosidade. Quase perdi a compostura, quase.

DIVERGENTE- Arma LetalOnde histórias criam vida. Descubra agora