Capítulo XVI

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Joerghia havia partido, e isso acabou se tornando uma verdade irrefutável para mim depois de alguns dias sem sua companhia. Tudo estava quieto, tanto fora quanto dentro de mim. Eu não tinha mais Jeorghia me irritando enquanto falava sobre suas inseguranças ou sobre como o garoto Seth era bonito. Eu não tinha mais Jeorghia se empanturrando de bolo pela manhã, muito menos tinha uma amiga tão querida quanto para me fazer companhia.

Depois que vi o corpo da minha amiga sendo puxado lá de baixo, as coisas dentro de mim começaram a mudar. Não sorria tanto quanto antes, não estava satisfeita com nada que não fosse ficar sozinha. Não se apenas saudades dela, era culpa.

Suspirei, enquanto mastigava o bolo de Chocolate...até isso, me lembrava ela: A garota que eu não salvei dela mesma, minha amiga.

Anary, Seth, Jared e Luke se tornaram meus companheiros apesar de tudo. Não sabiam que eu estava com Joerghia no momento, mas entendiam minha dor. Eu gostava deles, eram bons amigos e boas pessoas...igual a ela.

— No que tanto pensa?— Jared perguntou.

— Na próxima fase.— Menti.

— Ah, sim. A pior fase, você quer dizer.

— Cala a boca, Jared, é fácil. Vamos só passar por algumas simulações simples, nada demais.— Deu de ombros Anary, Seth exclamou, perplexo:

— Tá louca? No último ano, um iniciado literalmente infarto no meio do teste!

Anary arregalou os olhos, interessada.

— Me explique melhor isso.

E Seth começou a explicar, eu me desliguei do mundo. Não ouvi nada que não fosse as dolorosas palavras que vinham de dentro, da minha cabeça como um flashback:

" Gabriela Baunilha... Como quer ser minha amiga se ao menos sabe meu nome de nascença?"

Deixei um pequenino sorrisinho escapar ao entender que o nome verdadeiro dela era ridículo por causa da sua origem. Baunilha, era a cara dos da amizade.

Suspirei pelo que contei ser a milésima vez naquele dia, me levantando da mesa em seguida.

— Onde vai?— Perguntou Anary.

— Vou esfriar a cabeça.— Passei as mãos pelos fios de cabelos loiros antes de sair andando para longe dali.

Não sabia exatamente para onde estava indo, só sabia que nada me passava pela cabeça além de "tomar um ar".

Andei pelos corredores escuros quase correndo, agradecendo por não ter muita gente ali por perto.

Eu gostei da audácia desde sempre, eu nunca me importei com a ambiente escuro e gélido até aqueles malditos surtos começarem. Agora, as paredes pareciam querer se aproximar, como se quisessem prender a pessoa que eu era, o monstro que eu era.

— Aonde vai?— Olhei para trás, amaldiçoando Quatro por interromper minha fuga nada planejada.

— Tomar um ar.

— Não pode sair sem um supervisor.— Suspirei, retraida. Hoje não era meu dia, definitivamente.

— Olha, Quatro, se você realmente se importa com as regras, então apenas me acompanhe.

— O que?

— Assim eu não fico sem "um supervisor". — Fiz aspas com os dedos debochada, logo sentindo mais uma vertigem.

Virei as costas pra ele, tentando andar ainda mais rápido para que meu estado não ficasse pior. Era fácil conter aquilo, mas era necessário um lugar calmo e, de preferência, com poucas paredes.

Aparentemente, aquilo veio desde a morte de Jeorghia e não parecia que iria embora tão cedo.

Sai do prédio por uma porta que dava direto para o delhado plano de concreto, suspirei caminhando até o parapeito. Me apoiei no mesmo até sentir meus músculos reclamarem em desconforto por continuar na mesma posição por muito tempo.

— O que está acontecendo com você exatamente?— Pulei de susto, me virando rapidamente em direção ao moreno com nome de número. Quase tinha me esquecido que tinha o "convidado tão educadamente".

— Nada demais.

— Tem algo mais, sei disso. Você não é mais a mesma.— Não querendo entrar no perigoso círculo de sentimento, apenas tentei levar nossa conversa na esportiva, ou zoeira, se assim preferir:

— Anda reparando bastante em mim, hein. — Sorri zombeteira, ele revirou os olhos.

— Por que sempre foge dos assuntos sérios com sarcasmo?

— Cada um tem seu modo de lidar com as coisas.— Dei de ombros e virei novamente para o parapeito, apoiando meus cotovelos nele.

— Você não está lidando, está fugindo.

— Não estou.

— Sabe que sim.

— Não ligo.

Ele não ousou rebater, ficamos em silêncio e eu anotei na cabeça  devia uma a ele, afinal, ele está ali fora, esperando meu surto passar. Estava ali por mim.

— Te devo uma, obrigada.

— Me deve?— Perguntou franzindo o cenho, confuso.

— Sim, por isso aqui.— Mostrei o ambiente com os olhos, ele entendeu perfeitamente.

Vi Quatro serrar os olhos e colar os lábios um no outro em uma linha fina. Ele parecia pensar em algo.

— Que foi?— Perguntei.

— Já sei como pode quitar sua dívida.

Suspirei passando as mãos no rosto, me arrependendo de ter aberto a boca sobre isso. Vejo que eu não ia falar nada, ele continuou:

— Me conte o que se passa com você, já é o suficiente.

Meu corpo se arrepiou com isso, praguejei mentalmente. Aquela frase tinha enviado sensações boas por todo meu corpo, ele se importava e eu via isso. Me dei por vencida, podendo ver seu olhar atento esperando pacientemente minhas próximas palavras.

Senti minha mão suar com o nervosismo, não poderia simplesmente falar o que eu sentia porque ele era meu líder, meu professores e o cara com o qual eu tinha uma grande atração.

— Não quero falar sobre isso.

— É sobre aquela sua amiga? Como era mesmo o nome...— Colocou a mão no queixo, pensando.

— Jeorghia.

Jeorghia, faz sentido. Agora eu entendi, está de luto.

Não, não era só o luto mas, como eu poderia explicar que foi minha culpa? Com que cara ele iria me olhar ao saber que eu estava lá e eu deixei com que ela caísse, não fiz nada pra impedir.

Eu tinha absoluta noção de que minha ex-amiga queria aquilo e eu sabia mais ainda que se não fosse naquele momento, seria em outro. Como poderia ela viver com a realidade de ser uma sem facção? E como eu poderia, agora, viver com a realidade da morte dela? A morte que eu poderia ter impedido...

— Não, não é apenas o luto. — Sussurrei, me sentindo exposta. — É a cruel realidade de que eu estava lá e não impedi a tragédia!

Minhas lágrimas não mais se escondiam porque eu sabia que era necessário chorar. Eu precisava soltar o que eu sentia bem mais do que precisava reprimir a dor.

Era como se eu deixasse a dor passar por mim, por cada conto do que me fazia ser eu mesma e logo em seguida veio o alívio. O peso sendo tirado dos meus ombros aos poucos enquanto a voz de Quatro parecia tão distante.

— Não é sua culpa...— Ouvi a voz do homem ao meu lado longinguamente mas isso foi o empurrão que eu precisava para entrar num estado de torpor...e não, não era negação pelo ocorrido. A verdade é que eu teria que aprender a conviver com a culpa pro resto da minha vida então, nada mais junto do que tentar esquecer disso. Dela.

DIVERGENTE- Arma LetalOnde histórias criam vida. Descubra agora