20 - Você disse que prefere olhos azuis, então afogue-se neles

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Abro a gaveta e lá está você, entre outras folhas, escrito com preto e corrigido com branco. Eu retiro com cuidado, para não rasgar ou amassar, pois não existe cópia que te substituta.

Você me diz muitas coisas, eu guardo a maioria delas, pois minha memória não é lá uma das melhores. Você disse que quer uma filha, com a sua cara, os seus jeitos, costumes, tímida, corajosa e extravagante em caráter.

Você disse que quer um abraço apertado, olhos azuis do mar e talvez tatuagens. Você quer, é todo cheio de querer. Loucura, eu sei, ser normal em querer e insano em mostrar outra coisa quando me observava de longe.

Você disse que quer conhecer, e que sorte a dele, a cada nova descoberta ele será sortudo em apreciar já que a cada bocado que conheço e a cada nível que passo, é como se desamarrassem o pára-quedas em minhas costas e eu caísse em queda livre, sem vertigem, só aproveitando do momento, ciente do tão pouco que duraria.

Você disse que prefere o cheiro amadeirado, as mãos firmes, o caminho mais fácil, enquanto eu sou de pedra, um pouco destorcido e impactado no mesmo chão de sempre. Sou sem aroma de flores, mas juro que te levaria para onde quisesse, em qualquer amortecer de amor, realizaria seus desejos camuflados, abriria a porta do silêncio e arquivaria lá dentro para nos abafar em insensatez.

Você disse que quer ganhar a vida com cores, costuras, redobras, mais ou menos o mesmo efeito que causa em meu coração, certo?

Não, por favor! Não venha puxar o pano, esticar os cantos dos olhos, analisar e medir as consequências, não venha passar a linha, inserir a agulha, unir as arestas, edificar em arte e usar por um tempo, mostrando aos sorrisos que é pertencente, e quando não servir mais, jogar fora para reciclagem. Não sou simples de me reconstruir quando lotado de buracos.

Você disse que gosta de terror, de sentir o peito apertar, tremer na base e injetar o gostinho da adrenalina com suspense. Mas então me diz, para que pagar para vê-lo no cinema quando eu estou aqui, pronto para te proporcionar tudo isso em troca de alguns beijos?

Você disse num dia qualquer, escondendo-se entre as mãos, que estava feio para fotos, mas nunca esteve. Sua forma de pensar, o som da sua risada, seu desassossego, sua voz ecoando entre a multidão, suas respostas, sua correria, sua bonança, seu ofegar. Tudo! Simplesmente tudo, nada disso é necessário maquiagem, não há o que enfeitar quando já é pronto por natureza.

Você disse que é tempestade, mas sem saber me acalma quando me chama, quando me cita, incita, modifica, me conquista. Você é inspiração no pé do meu ouvido, é chá da tarde, ladrão das minhas palavras, assassino do meu autocontrole, criminoso da minha inquietação, razão da minha insônia, prisão perpétua por me dirigir ao desvairo.

Você disse que não gosta tanto assim de ler, mal sabe o tanto de palavras que te cobri em meus pensamentos. Pois então, chega de poesias, chega de me jogar como boomerang e esperar que eu volte. Chega! Chega e fica aqui, no meu ombro como você já fez, no pertinho de mim, em outra direção, contato que seja ao lado da minha. Fica, chega e fica, pois ficar é antônimo de ir, tem sinônimo de sempre. Além do mais, ir dá tanto trabalho, requer força de vontade, sem isso de recompensa no quinto dia do mês.

Lembre-se que você disse que prefere olhos azuis. Os meus são castanhos, mas tudo bem, querido, um dia eu ainda me jogo no mar para pintá-los por você.

ANTOLOGIA DE PARK E BYUN  | ChanBaekOnde histórias criam vida. Descubra agora