D O I S

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Fiquei um bom tempo no colo da minha mãe apenas apreciando seus carinhos em meu cabelo. Não havia necessidade de falar nada e ambos sabíamos disso. Porém eu comecei a ficar dolorido e acho que Trish também, então com uma delicadeza estranha, me afastei dela.

— Vou preparar uma sopa para você, enquanto isso tome um banho. — Ela fala carinhosamente enquanto passa as mãos pelo meu rosto. Balanço a cabeça em concordância.

Me arrasto até o banheiro sentindo dor de cabeça devido ao choro e me espanto ao me olhar no espelho. A pessoa que me encara de volta é quase assustadora. Olheiras fundas, rosto pálido e mais magro do que o aceitável, olhos inchados e vermelhos, e a maldita barba que preciso fazer.

Liguei o chuveiro na água quente e comecei a me limpar, algumas lembranças de nós no banho me invadiram e encostei a cabeça no azulejo e fechei os olhos, respirando fundo. Não aguento mais chorar, não aguento mais sentir esse constante aperto em meu peito.

Fiquei sentado no chão por um tempo, mas a água começou a queimar minha pele e a deixar muito avermelhada, então decidi sair logo.

Me encarei por alguns minutos em frente ao espelho, decidindo se faria ou não minha barba. Não estava com ânimo, nem tinha forças para esticar o braço e pegar a gilete e o creme de barbear. Eu me tornei tão inútil a esse ponto?

Foda-se, não preciso fazer essa merda hoje.

Saí do banheiro, me troquei e desci, — depois de meu pai entrar no meu quarto e praticamente me arrastar para a cozinha —. Comi contra minha vontade, só para algum tempo depois, despejar tudo no vaso sanitário.

Durante a madrugada acordei num sobressalto depois de ter um sonho horrível em que via Katherine sangrando, morta, no meio da rua. Depois disso, não consegui pregar os olhos, vi o sol nascer, e decidi que naquele dia talvez eu devesse ir para a faculdade. Mandei uma mensagem para meu chefe avisando que já estava pronto para voltar.

Escovei os dentes, vesti uma roupa qualquer, — depois de alguns minutos consegui achar minha mochila — e desci.

Se conseguisse, eu teria dado risada da cara de Trish assim que me viu parado na porta da cozinha. Provavelmente deve ter se assustado.

— Vou à faculdade. — Anunciei como se realmente fosse algo muito importante. Ela sorriu e me estendeu uma xícara de café, tomei alguns goles e fui em direção à porta.

— Não acha que está muito cedo? Pegue uma blusa Hero. Está um pouco frio hoje.

Ignorei e saí de casa, colocando meus fones de ouvido e escolhendo uma música que não falasse de tristeza ou dor.

Como estava muito cedo, apenas fiquei andando sem rumo até dar o horário.

Assim que cheguei, alguns olhares caíram sobre mim. Pena. Era esse o olhar que a maioria tinha, alguns me olhavam com indiferença. Mas o olhar de pena, esse realmente me irritava. Me dava vontade de mandar todos se foderem.

Daniel estava encostado em um dos pilares perto de uma das salas e mexia no celular, e quando cheguei perto dele, o mesmo levantou a cabeça e arregalou os olhos.

— Hero! Quanto tempo, cara! Como você está? — ele perguntou eufórico, me dando um rápido abraço. Apenas fiquei estático com as mãos nos bolsos.

— Certo, foi uma pergunta idiota. Enfim, porque não atendeu as minhas ligações? Ou respondeu as minhas mensagens? Ou me recebeu quando fui à sua casa? — ele falava muito rápido e aquilo fez com que minha cabeça doesse.

— Tentei quebrar meu celular, e não queria ver ou falar com ninguém. — Respondi num murmúrio.

Ele suspirou, como se entendesse.

Besides The Life | HerophineOnde histórias criam vida. Descubra agora