Alerta!!! Capítulo com gatilho
O FIM, OU O QUE DEVERIA SER
Dois anos atrás
A overdose não foi nada planejado, quer dizer, eu tinha consciência do que queria fazer, hoje sei que foi um episódio depressivo, mesmo assim não era algo em que eu viesse pensando com frequência. Foi um acaso de sorte, a casa estava vazia e ninguém chegaria a tempo de me impedir, o que me deu privacidade e tempo para pensar se aquela era mesmo uma boa opção. A resposta foi afirmativa, então fui para o quarto, sentei na cama e tirei os sapatos.
Anestesia talvez seja a palavra mais precisa para descrever meu estado, tinha certa noção do que iria acontecer, e isso me tranquilizava. Meu pai havia sido devorado pelo monstro Big Jack. E, só para completar, Caíque Lemos, nunca esquecerei esse nome, morreu sob minha tutela na missão K, que também foi minha ruína e marco de quando me tornei um assassino de monstros.
Jorge havia dado um longo sermão sobre como eu estava sujando nosso sobrenome e condenando toda a futura geração. Foi quando ele procurou ajuda de Luana, e tive que ouvir as mesmas palavras de antes, só que agora em um tom ofensivo. Saí impune, apenas com a demissão, Jorge havia ajudado Luana em sua campanha, então aproveitou o ocorrido para pagar o favor. Não agradeço a intromissão dela, mas sei que seria pior se ela não tivesse sabido naquela época, talvez a overdose tivesse realmente dado certo.
Eu estava há uma semana afastado da agência e ignorava meus amigos ao máximo que conseguia. Naquela manhã eles foram me ver e interpretei o papel de garoto bem emocionalmente e chateado com o desemprego, um papel que funcionou com êxito. À tarde, fiquei sozinho, sem motivos para continuar o teatro, então desabei em lágrimas e soluços demorados. Uma voz em minha cabeça, baixa e melódica, disse que aquela era minha oportunidade de ouro, portanto a agarrei com unhas e dentes.
Os remédios para o tratamento estavam guardados em uma caixa transparente dentro do armário, na tampa um papel colado com horários e dosagens. Era tudo muito bem controlado e organizado, deveria ser assim se eu quisesse ter uma vida equilibrada e quem sabe até normal, o que estava dando certo há quatro anos, desde o diagnóstico aos 17 até aquele dia. Peguei o valproato, analisei o frasco e fiz bico, o devolvendo ao seu lugar. Depois foi a vez do olanzapina, que teve o mesmo destino do outro. Por fim, encontrei o carbonato de lítio, e esse segurei com ainda mais força.
O médico havia sido cuidadoso ao receitar o lítio, repetindo várias vezes para eu respeitar a dosagem, não ultrapassar e relatar o surgimento de qualquer efeito colateral. Naquele momento parecia ser o melhor indicado, como se eu tivesse feito uma competição entre os medicamentos para saber qual faria meu coração parar mais rápido. Com o frasco enfiado no bolso, deixei o quarto e fui ao banheiro, a passos lentos e demorados. Pensei em deixar uma carta a minha mãe, mas isso soava clichê e me roubaria tempo e energia e concentração. É preciso estar são para escolher as palavras certas para se despedir e é necessário estar insano para jogar fora a própria vida.
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Completamente Natural
Ciencia FicciónLIVRO 1 Mesmo sabendo que trabalhar na agência é inevitável, Mateus foge dessa responsabilidade, principalmente por ainda estar traumatizado com o acontecimento de dois anos atrás e a morte do pai, que marcou sua saída da União de Combate aos Monst...