Capítulo 6

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Era a quarta vez que entravam em estúdio para gravar, mas cada experiência era única e essa, por exemplo, era um tanto desconfortável. Escrever as músicas era tranquilo, as ideias fluíam, se mesclavam. Algo era adicionado aqui, algo subtraído dali. Gerard vinha com as ideias de melodia, de voz, de letra. "Vamos chamar o Dewees para fazer isso ou aquilo", ele dizia. Frank concordava. Os outros não tinham muita opção.

E era gostoso demais ver tudo tomando forma, cada camada sendo sobreposta, os arranjos ganhando corpo. Enquanto ouvia o solo de Ray em The Light Behind Your Eyes no fone, os olhos de Frank brilhavam. Faltava a parte de Gerard, faltava um pedaço aqui ou ali ainda, mas dava pra saber que aquela seria uma das grandes músicas do álbum.

Parecia que Ray conseguia saber exatamente o que Frank estava ouvindo por causa de suas reações e no segundo em que ele meneou positivamente a cabeça fazendo uma careta (de extrema aprovação), Ray corou. O mestre da guitarra ainda tinha isso, de não saber o real valor das coisas que fazia ou até duvidar de sua própria capacidade. Ele via nos olhos dos outros que estava dando os passos corretos e era então isso que acalmava seu coração.

Mas também era exaustivo gravar a mesma parte mais de três vezes seguidas, pular, quebrar a música em partes e esmiuçar cada trecho. O processo era cansativo, tinha tomado grande parte do tempo e dos ânimos. Brendan e Gerard começaram a divergir - era inevitável. Ray ficava sempre ao lado de Gerard, sempre prezando pelo que fazia sentido para a banda e Brendan, que começava a perder a paciência com o processo de gravação que se arrastava mais que o comum.

Havia no estúdio um clima estranho por conta da demora, mas ninguém se atrevia a questionar ou verbalizar. Todos sabiam o quanto era importante respeitar o tempo de Gerard e o quanto aquilo podia ser crucial para que ele conseguisse equilibrar tudo - e agora eram muitas coisas em jogo.

Porque Gerard era um artista, uma alma inquieta que sentia tudo tão intensamente que, sem os devidos cuidados, poderia quebrar. Mas não é como se ele fosse um ser indefeso - aquele era o Gerard que tomou um soco na cara de Alex - quando ele chegou à conclusão que Gerard não estava pondo tudo de si na performance de Vampires, enquanto gravavam o primeiro disco. Aquele era o Gerard que resolveu ficar sóbrio da noite para o dia no Japão, que pisou em Jérsei e foi procurar ajuda (com uma força de vontade que até Bruce Wayne admiraria). Mas os anos passaram e, se antes Frank segurava o cabelo de Gerard enquanto ele vomitava em uma lata de lixo, agora ele queria que Way não chegasse a esse ponto.

As discussões acaloradas no estúdio que levavam todos a irem saindo um a um, deixando apenas Gerard e Brendan, faziam o coração de Frank afundar em seu peito porque, no fim, o processo estava começando a cobrar muito deles. Mas se o rosto de Gerard se iluminasse enquanto ele ouvia o que tinham acabado de gravar, Frank ficaria em paz.

Olhares furtivos marcavam a existência daquilo que não era. Ou melhor, daquilo que é, mas não poderia ser diante do mundo. Agora, mais do que nunca, o que havia entre os dois precisava ser um segredo. Bob desconfiou quando Frank parou de reclamar de Gerard e Ray também quando ele parou de pegar tão pesado com Frank. Mas Mikey sabia porque Gerard tinha confessado para o irmão que agora fazia mais do que almoçar com Frank.

Era difícil dividir a vida e o trabalho com o irmão porque as fronteiras eram praticamente invisíveis. Mikey nunca sabia até onde podia avançar, o quanto podia seguir e Gerard não sabia o quanto envolvia o irmão em tudo ou não.

Gerard fazia suas anotações em um papel, riscando, trocando palavras que soariam melhor antes de aquecer a voz para gravar com Brendan - que cobraria demais, talvez mais do que ele até pudesse entregar. Mikey se aproximou sorrateiro, Frank e Ray faziam uma pausa enquanto Bob gravava suas linhas de bateria.

Conventional Weapons [FRERARD]Onde histórias criam vida. Descubra agora