Capítulo 10

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Que ficasse para a história que o álbum tivesse sido adiado pela paternidade, pela falta de entrosamento da banda, pela expulsão do baterista, ou por inúmeras outras razões. Fato é: Gerard e sua mente nebulosa não se importavam. Parecia que, quanto mais ele tentava se organizar, mais se afundava. Vícios e pensamentos autodestrutivos que pareciam conduzir e fazer tanto sentido na sua mente ajudavam a lidar com a culpa de, mais uma vez, ter caído naquele limbo. Tudo o que queria era pegar a jaqueta, sumir e nunca mais aparecer - sem ter que lidar com a necessidade de ficar, colocar mais um álbum no mundo e criar uma criança.

Mais uma discussão acalorada com Brendan antes de sua partida, mais uma briga com Bob que rendeu um hematoma no rosto de Mikey que, mais fraco, tinha que segurar o irmão que quase partia para a briga física. Algumas semanas de um trabalho que parecia não avançar mais até uma reunião decisiva em que Craig categoricamente os cobrou. Num apelo entre amigos pediu: "Vocês precisam entregar alguma coisa para os tubarões e a corda já está no meu próprio pescoço".

Frank mal pode se despedir de Bob, que estava desgostoso demais para tal e não queria trocar muitas palavras com o amigo. Era triste que uma amizade tão profunda, uma relação tão íntima de presença diária se resumisse a um abraço desengonçado e uma despedida leviana.

Quando Gerard saiu pela porta do apartamento de Frank naquela manhã, ele não voltaria tão cedo - apesar de prometer voltar à noite. Frank se dividiu em duas partes: a que ficou revoltada por não ser surpreendida positivamente e a outra que ficou feliz com tamanha previsibilidade patética de Gerard. Apertando as têmporas, disse a si mesmo que já sabia.

Depois, os quinze dias que Gerard tirou para processar as coisas e esfriar a cabeça, no deserto com a família completamente inacessível, deixando Frank mais uma vez de escanteio e sem respostas.

Era então a hora de processar o luto.

Ou ele achava.

Gerard anunciou que queria conversar com a banda naquele almoço. O coração de Frank se afundou no peito pensando que, talvez, ele tinha resolvido abrir mão de tudo e terminar com a banda de vez. Frank sabia que era uma questão de tempo e que é sempre assim: uma vez que as cartas são postas na mesa, por mais que sejam tiradas, é difícil demais não pensar na possibilidade. Aquilo voltava sempre para assombrá-lo como um pesadelo. Era sempre a primeira hipótese que ele pensava.

A ocasião era uma incógnita apenas para uma parte da banda porque Mikey já sabia o que o irmão ia falar - a relação dos dois sempre foi próxima e as barreiras do profissional e pessoal sempre foram embaçadas demais para não serem nunca cruzadas. Então Ray chegou antes que os três, Frank na sequência e Gerard por último, com Mikey.

Quando viu a figura de Gerard ao lado do irmão, Frank percebeu como ele tinha emagrecido. As olheiras e o olhar perdido eram escondidos pelos óculos escuros que agora viviam em seu rosto. Frank conhecia Gerard há muitos anos e sabia muito bem que, quando ele usava muitos óculos escuros, ele tinha pupilas a esconder.

Talvez Gerard fosse a coisa que Frank mais amasse na vida, por mais que nunca admitisse, mas amar tanto tempo alguém que lhe quebrava constantemente estava tendo consequências que nem ele esperava: a cada vez que seu coração quebrava, ele se reconstruía mais e mais forte. Pouco a pouco, Frank via Gerard desmoronando em sua frente e, por mais que se sentisse quebrado também, sabia que ele mesmo jamais seria capaz de colocar Gerard nos eixos. Porque ele tentou e não conseguiu. Então, quando viu Gerard caminhando entre as mesas com aquela aparência que ele conhecia bem, Frank se sentiu triste, mas sabia que tinha feito tudo o que estava a seu alcance.

Gerard se sentou ao lado de Frank, Mikey ficou ao lado de Ray. Era aquela lanchonete de sempre, perto do estúdio, que vinha acompanhando o drama dos últimos meses. O copo alto à frente de Frank tinha um milkshake de chocolate com uma calda que tinha mais gosto de açúcar do que qualquer outra coisa, mas aquele doce tão doce era uma espécie de conforto e anestesia para o coração.

Conventional Weapons [FRERARD]Onde histórias criam vida. Descubra agora