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"Graças a Deus, um passarinho

Vem me acompanhar

Cantando bem baixinho

E eu já não me sinto só"

- Marisa Monte

Chicago, Illionois- EUA.
Novembro de 2007.

- Oi, boa tarde. O que posso te servir hoje? – disse para o cliente que chegou no bar.

- Oi. Você pode me trazer uma cerveja, por favor?

- Um minuto. – fui até a dispensa e peguei um copo, para logo depois enchê-lo na bomba de Chopp. Coloquei o descanso de copo e deslizei o pedido até ele.

- Obrigado!

- Acho que você precisa de uma folga. – falei para Rachel quando ela bocejou pela milésima vez naquela noite.

- A faculdade tá tirando meu resto de paz. – ela cursava Administração e estava no fim do quinto semestre.

- Ai amiga, não fala assim que eu tenho até medo de entrar lá. – rimos.

- Não precisa ter medo. Eu que me perdi e estou pegando mais matérias que o normal.

- Ainda sua família? – limpei o balcão e notei meu único cliente acenando para mim. – Só um minuto. – falei com a loira e fui servir outro copo.

- É muito difícil morar numa casa com mais seis pessoas. – Rachel respondeu quando eu retornei. Encostei o quadril de lado no balcão ficando de frente pra ela, que limpava o mixer de drinks.

- Você precisa sair de lá!

- E ir pra onde, pelo amor de Deus? Não tem mais quartos disponíveis na residência universitária. – franzi as sobrancelhas e cruzei os braços.

- Comigo?! – a loira largou o que tinha em mãos com um certo drama.

- Você tá falando sério? Por que você tá com cara de quem tá falando sério! – não pude evitar o riso e segurei no braço dela.

- Estou sim. Tenho um quarto sobrando e muita tristeza por tá sozinha naquela casa. Sei que passou apenas duas semanas, mas parece que tem dois anos que ele foi embora. – minha voz tinha um pouco de desânimo.

- Vocês já se falaram hoje?

- Pela manhã eu respondi o bom dia que ele me mandou. – quando Lewis foi embora, deixou comigo parte de suas economias, me mandando comprar um celular. Quando estávamos juntos apenas ele tinha um, já que nossas condições não permitiam luxo. Mas agora que ele estava longe e queria estar sempre em contato, tive de atender seu último pedido e adquirir um aparelho. – E ele me ligou um pouco antes de eu entrar aqui.

- E quando ele vem? Ou você vai? – ela terminou o que estava fazendo e eu agora estava com as costas escorada no balcão, de costas para a porta de entrada.

- Ainda é muito cedo.

- Mas pra vocês que não ficavam um dia longe do outro... – lembrou.

- Isso é verdade. E uma verdade que dói muito. – passei a mão no cabelo ajeitando alguns fios rebeldes que não queriam ficar no lugar, tirei o elástico do cabelo e refiz o rabo de cavalo.

- Seu cliente. – Rachel apontou para o homem ali. Fui até lá e fechei sua conta.
No fim do expediente eu encontrei com minha amiga no quarto do fundo.

- Laura, eu sei que você falou assim por alto, mas eu fiquei pensando naquilo.

- Não, Rachel, eu não falei por alto. Vai ser muito bom pra mim ter com quem dividir as contas. E você é minha melhor amiga, não vou precisar te entrevistar ou ficar com medo dos seus antecedentes. – brinquei e ela riu.

- Eu vou conversar com minha mãe. Se ela tiver de acordo com tudo, amanhã eu já arrumo tudo e vou para sua casa.

- Nossa casa! – corrigi e dei um abraço apertado nela. – Agora vai pra casa descansar, antes que você acabe dormindo aqui e o Bruce te dê um sermão.

- Tomara que minha mãe tenha feito uma comida bem gostosa! – disse lambendo os lábios. – Laura, você não quer jantar lá com a gente?

- Agora? – perguntei enquanto jogava meu avental no meu armário.

- É. Sei que não deve ter preparado nada, e não posso deixar minha amiga se alimentar de qualquer jeito. – catou sua bolsa.

- Obrigada pelo convite, vou sim. – sorri.

- Então vamos logo antes que o Vini chegue e coma tudo. – Vinicius era um de seus irmãos.

Rachel mora com os pais, três irmãos e uma cunhada. Que por sinal ela e toda sua família não simpatizam muito com essa última.

Descemos andando até a estação de metrô e quando fui tirar o cartão da passagem vi um papel cair da minha bolsa e percebi que era o cartão do homem no aeroporto.

- Ainda não joguei isso fora? – disse pra mim mesma.

- O que disse? – minha amiga apareceu do meu lado depois de passar na roleta.

- Esse cartão, um homem me entregou no aeroporto. – estendi a mão para ela, que pegou o papel.

- Agência de modelos? – entramos no vagão e não achamos lugar para sentar.

- Uma besteira. – respondi depois de deitar a cabeça no braço enquanto segurava na barra de apoio.

- Se ele te entregou, então não, não é besteira. Ele claramente viu alguma coisa em você.

- Olha bem pra mim e me diz se tenho tempo e dinheiro pra isso? Tem que comprar roupas, e pagar fotógrafo, e correr atrás de trabalhos e eventos. – guardei o cartão no bolso traseiro da calça. – Isso realmente não é pra mim.

- Acho que deveria pelo menos conversar com ele. Sei lá.

- Tenho que conversar é com a Tia Cindy sobre você! – disse em tom brincalhão de receio e ela riu.

- Será que ela vai achar ruim? – coçou a têmpora.

- Acredito que não, você já tem 22 anos. Sabe se cuidar.

- E você com quase 18 é bem mais cabeça que eu! – rimos.

- Não sei de onde você tira isso... – senti meu celular vibrar no bolso da calça e levantei o flip, vendo que era um novo torpedo do Lewis.

“Estou indo dormir, espero que tenha chegado em casa bem. Te amo, baby.”

Não pude evitar o sorriso bobo.

“Oi meu amor, estou no metrô indo jantar na casa da Rachel. Te deixo uma mensagem quando chegar em casa. Tenha uma boa noite, te amo muito!”

- Lewis? – perguntou Rachel.

- Ele mesmo. Esse fuso horário é uma merda. A gente aqui indo jantar ainda e lá já é quase meia noite. Sem contar a tarifa maior para ligação e torpedo internacional. Só queria dormir escutando a voz dele.

- Ai Laura, que situação chata. – fez um carinho no meu ombro.

Alguns minutos depois estávamos chegando na porta da casa dela.

- Mãe! Visita! – a loira gritou quando entramos.

- Visita? – a senhora Cindy veio da cozinha com uma colher na mão. – Ah, e desde quando essa menina é visita? – soltou quando me viu e me puxou para um abraço. – Oi Laurinha, já estava sentindo sua falta.

- Oi tia Cindy! E eu da senhora! Cadê seus bebês?

- Vini ainda não chegou, Ray tá na casa do namorado e Raphael tá no quarto com a namorada. – ela foi seguindo para a cozinha e nós fomos atrás.

- E seu namorado, mãe? – Rachel perguntou.

- Deve tá pela vizinhança e logo mais aparece. – quando ela acabou de falar, escutamos a porta abrir. – Deve ser ele.

- Menina Laura! – Raymond me cumprimentou com um afago no ombro. – Cadê aquele seu menino que corre muito?

- Meu menino tá bem longe de mim, correndo muito. – disse com um sorriso fraco.

- Ai, eu acho isso tão perigoso. – Cindy confessou enquanto colocava as comidas em travessas diferentes.

- Ele sabe o que faz! – o marido dela falou. – Sabe tanto que virou profissional.

- O único problema é que a minha amiga ficou sozinha, né?! – a loira comentou e me olhou suspeita, fazendo-me entender que iríamos falar logo do tal assunto. – Isso, além de triste, é perigoso.

- Verdade. Deveria arrumar alguém pra morar com você. – Raymond disse.

- Na verdade eu já achei... – e olhei para a minha amiga.

- Bem que eu estranhei essa aparição repentina da senhorita. – a mais velha mandou-me um olhar desconfiado e botou as mãos na cintura, tirando gargalhadas dos que estavam presente na cozinha. – E você, o que achou disso? - virou-se para a filha.

- Ótimo?!

- Sei não, não gosto muito da ideia de ficar sem a minha pequenina... – Raymond murmurou.

- Ai pai, eu não vou mudar de cidade. – disse, indo abraçá-lo na cadeira da ponta da mesa, onde ele estava sentado.

- Mas é justamente assim que acontece! – disse em um falso autoritarismo.

- Nada vai me tirar do senhor, nada! – e logo depois encheu o rosto dele de beijos.

- Rapha! Comer! – tia Cindy gritou no pé da escada. – E sim, eu acho uma boa ideia. Não gosto de saber que você está lá sozinha, Laura.

- Ai meu Deus, então hoje mesmo vou começar a arrumar minhas coisas. – minha amiga estava super empolgada, e eu não ficava atrás. – Você vai me levar, né pai?!

- Pode até ser. – olhou desconfiado. – Mas vai ter que prometer que vai me visitar toda semana.

- Venho! – prometeu com um sorriso largo.

- E as duas irão passar as festas e feriados aqui! – bateu na mesa com o dedo indicador.

- Não é como se a gente tivesse outro lugar. – lembrei. – E mesmo que tivéssemos, eu não iria trocar essa comida deliciosa, por outra qualquer. – disse esfregando uma mão na outra e sentando à mesa, já pronta para montar meu prato.

Behind The FlashOnde histórias criam vida. Descubra agora