A garota de outro mundo

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ALERTA!
Este capítulo em específico fala sobre suicídio, depressão, ansiedade e mutilação. Se você for sensível a esses assuntos eu recomendo não ler.
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(P.O.V. Lia) 5 de março de 2020
Quinta - feira - 08h40 p.m.
Localização: Terra 5044, Nova York

- Tem certeza que não quer jantar com a gente Lia? Sabe, comemorar que sobrevivemos a esse primeiro ano de facul.

- Eu queria muito Ju, mas a Max ainda tá muito abalada com a morte da mamãe. Elas eram super próximas. Ela confidencializava coisas a mamãe que nunca contou nem pra mim nem pro Victor. Eu fico por perto porque estou muito preocupada. - Julia parece ficar irritada com o que eu disse.

- Eu achei que ela já tinha superado, sabe.., já faz 3 meses. - Olho indignada pra ela. - O que? Você superou!

- Meu deus Julia, que insensibilidade, fala isso como se ela não fosse minha mãe também. - Ela me olha arrependida percebendo a besteira que acabou de falar. - Eu não superei, eu estou sabendo conviver melhor com isso do que ela. - Continuo olhando feio pra ela.

- Desculpa! - Ela olha para o converse que usava. - É que a gente sente sua falta. - Sedo e vou até ela e abraço.

- Eu só estou tentando cuidar bem da minha irmã. Deixar ela saber que eu sempre vou estar lá quando ela precisar. - Digo segurando ela pelos ombros. - Mas se não for pedir demais esperar mais um pouquinho. Semana que vem o Victor volta e ela vai voltar pro apartamento deles e a gente vai fazer o que vocês quiserem.

- Tá. - Pega a bolsa da carteira dela. - Nós vamos no show da Taylor Swift. - Olha pra ela sem acreditar e com um sorriso gigantesco. - Comprei os ingressos ontem, mas esqueci de te contar. É sexta que vem às 09h00 da noite.

Quando ela diz isso quase dou um beijo na boca dela. Já queria ir nesse show há meses, mas como a Max venho passar um tempo aqui depois que a mamãe morreu, as contas de luz e água aumentaram. E ela parou de trabalhar também. A Max é artista plástica, tinha até ganhado reconhecimento no Instagram. Estava com uns 100k de seguidores e todo dia postava alguma foto sobre um desenho, pintura ou escultura que tinha feito, mas depois do que aconteceu ela simplesmente parou. Eu já tentei conversar e aconselhei a ir atrás de um psicólogo ou psiquiatra, estava começando a ficar preocupada de verdade com essa condição dela. Tinha medo que ela acabasse... não quero nem pensar nisso. Abraço a Ju novamente e ela me pergunta:

- Você vai ir não é?

- Claro que vou. Cê é louca que eu vou perder o show da Taylor. - Saio da sala de aula e me encaminho a recepção da faculdade.

Eu volto caminhando toda noite porque meu apartamento fica só alguns blocos de distância da NYU. Passei num restaurante tailandês, a Max ama mesmo que ultimamente ela não tenha comido muito. Eu tento às vezes alimentá-la, mas quero que ela queira fazer as coisas, não que ela seja forçada.

Subo de escada, já que não consigo me exercitar durante o dia porque também trabalho, pra ver se faz alguma mínima diferença na minha saúde e no meu peso. É ilusão mas faço mesmo assim.
Quando estou prestes a por a mão na maçaneta e direciono a chave ao miolo para abrir a porta percebo que ela está encostada ao invés de chaveada. Isso já me deixa um pouco aflita. Como a Max nunca sai sempre chaveio a porta para evitar possíveis invasores, claro que eles podem arrombar igual e parece que foi isso que aconteceu. Será que a Max tinha saído?

Vou ao quarto dela e não encontro ninguém, vou ao meu e a mesma coisa. Aonde será que ela poderia ter ido?! Ligo para o portaria e pergunto ao James se ele tinha visto ela, ele logo fala que ficou ali o dia todo e não viu nem uma ruiva passar pela porta do prédio. Isso já me deixa mais aliviada, o que quer dizer que em qualquer lugar que ela esteja é aqui dentro.

Estava pronta pra sair e ir procurar ela pelos 10 andares quando vejo colado na geladeira com um imã com um papel. Pego o papel e começo a ler imediatamente. Nele dizia o seguinte:

Oi maninha, resolvi escrever essa micro carta pra te dizer como tenho me sentindo e explicar o porquê do que eu vou fazer.
Eu sempre fui a mais frágil de nós 3. Você era durona e sempre parecia não se importar muito quando coisas como o seu pai ter seguindo e frente sem você e a mamãe aconteciam. Sabia que era pra não magoar a dona Bárbara e também porque você não queria que essas coisas te atrapalhassem no caminho para se tornar a artista talentosa que eu sei que você é. E apesar dessa afirmação da minha parte, eu nunca tive que lidar com esses sentimentos 100% do tempo na vida porque ela sempre se esforçou ao máximo para nós dar tudo e ainda sim sempre estar presente. E mesmo sendo uma adulta com meus 33 anos, quando ela se foi eu me senti com 10 anos de novo quando o meu pai morreu e ela estava grávida de você. E parecia que aquele sentimento nunca morreria e eu viveria na miséria psicológica que foi criada pela falta dele.
Mas você veio, e eu finalmente consegui respirar direito de novo. Pode não parecer mas você me ajudava desde antes disso tudo a superar e crescer, e me apoiou tanto quando eu mandei a real pra mamãe e disse que queria ser artista plástica ao invés de advogada que é o que ela queria pra mim.
E inevitável e tráfico fim, que chega pra todos, chegou pra ela e mesmo com você e o Victor do meu lado eu não consegui seguir em frente, acho que perder uma pessoa a gente até aguenta mas duas? Eu tentei e quando vi você deixando de se divertir por minha causa, eu não pude fazer nada a não ser me sentir um fardo, que você não tem obrigação de carregar e nem o Victor. Mas se eu te avisasse você ia tentar de tudo pra me empedir de fazer o que eu já penso há um tempo. E ia contar pro Vic e ele ficaria louco e largaria o emprego só pra ficar comigo o máximo de tempo. Eu não quero isso pra vocês dois e também não quero isso pra mim. Eu espero que você me perdoe um dia.
Te amo, Max.

Saio correndo subindo as escadarias do prédio em direção ao terraço. Depois de chutar várias vezes a porta eu finalmente consigo abrir. Olho para todos os lados e vejo 3 caixas d'águas enormes que abasteciam o prédio. Como eu já estava desesperada ao invés de fazer o que seria lógico que era chamar a polícia e os bombeiros, eu só comecei a escalar uma delas. Era perigoso, eu poderia cair e me machucar feio, mas naquele momento eu só me importava com ela.

Abri facilmente a caixa um e liguei o flash do celular, quase o derrubei lá dentro. Em nem uma das duas primeiras ela estava mas quem procura acha não é mesmo?! E boiando toda pálida, com o pijama de unicórnio que eu dei de presente de aniversário pra ela ano passado, a encontrei. O que eu poderia fazer a não ser esbravejar vários não's e me tentar não cair lá de cima?! Eu sabia que não iria conseguir tirá-la de lá e ainda conseguir descer a segurando então fiz o que deveria ser feito. Liguei para os bombeiros que chegaram em 15 minutos, mais rápido que o normal, deve ser porque eu estava berrando e chorando com eles ao telefone. Sei que eles não tem a culpa, mas eu só queria gritar e mais nada.

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