Orelha do Livro

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Marcos Peres

Qual o sentido de escrever uma ficção científica neste tempo em que a realidade é mais inverossímil que qualquer distopia? Pela definição clássica de Todorov, o fantástico nada mais que é um bêbado que se equilibra entre o estranho e o maravilhoso; em outras palavras, um escrito que se camufla nos sendeiros do que é real, possível e improvável (o estranho), e o que é impossível. Com isso, cria-se ao leitor a incerteza; com argúcia e técnica do autor, somos levados a um sítio desconhecido que, embora seja irreal, tenha sua fantasmagoria calcada exatamente na semelhança com fatos do cotidiano.

Vale dizer, a fórmula do 'romance fantástico' pode ser usada como forma para a ficção científica. Acrescenta-se um elemento temporal distante (digamos, o ano 2333) e/ou um elemento espacial longínquo (digamos, o planeta Shikasta) e voialà: uma terra fecunda para a narrativa de alegorias do Homem – não de seus picos e suas glórias, mas sim de seus vales e de suas maiores vergonhas.

Deco Sampaio sabe destas lições – não apenas pelo conhecimento de distopias ficcionais, mas por ser um cidadão fincado nos problemas de nosso tempo. Se, de um lado, é um leitor de fantasmagorias, do outro, mostra-se lastreado e consciente de nossas mazelas. E, se há uma fórmula para solucionar a confecção deste Encomenda para um Novo Mundo, talvez seja esta: o conhecimento da tradição ficcional somada com a necessidade de intervir no meio ambiente. Um pé no tecido dos sonhos das escrituras, o outro fincado em sua terra (vermelha e que pede desesperadamente por ajuda).

Nascido e criado em um ambiente que primou pela arte, Deco conheceu aventuras, deixou-se levar por tramas políticas, distopias grises, policiais intrincados, lirismos pungentes – vale dizer, o autor também é músico e possui um cancioneiro destacado pela força de sua poesia. Suas palavras são carregadas de suas influências e, de peito aberto, o autor entende que o conhecimento da Tradição romanesca está no DNA de sua voz – da polifonia de vozes de sua cabeça, o autor pede benção e edifica sua própria e potente voz. De outro lado, Deco é um ativista. Engenheiro florestal, um dos fundadores da ONG Sociedade Chauá, trabalha em diversas searas em prol da conservação da natureza, em especial com espécies ameaçadas de extinção, sabe da aspereza de nossos tempos para colocar a preservação ambiental na pauta das decisões.

Seu livro é, portanto, o resultado disso tudo: o conhecimento dos antecessores, a preocupação com o futuro, o lirismo emaranhado com previsões sombrias e iluminadas. Inscreve-se na categoria das obras que duvidam da capacidade do humano se autogerir, como Fahrenheit 451 e Admirável mundo novo. Além disso, inaugura um nicho de preocupação ambiental, um tema poucas vezes explorado com a perícia vista em Encomenda para um Novo Mundo.

Ao entrar neste romance, o leitor terá aimpressão de adentrar em concerto de uma orquestra. Sentirá a polifonia dasvozes, as influências organizadas pela batuta de um leitor experiente e autortalentoso; sentirá as notas dos grandes autores, que fizeram e fazem a cabeçade Deco Sampaio e vislumbrará o futuro, muitas vezes tenebroso. Terá nuances debom humor, de expedientes dignos de clássicos policiais e será envolvido porcompleto, de uma maneira que só a Literatura consegue. Ao sair do concerto destaorquestra, tenho certeza, o leitor terá uma só impressão: precisamos olhar parao futuro. Precisamos cuidar do planeta. Precisamos ler mais.


Marcos Peres é autor de "O evangelho segundo Hitler" (prêmios SESC 2012/2013, São Paulo de Literatura 2014 e finalista do Prêmio Jabuti 2014) e do romance policial "Que fim levou Juliana Klein".

Marcos Peres é autor de "O evangelho segundo Hitler" (prêmios SESC 2012/2013, São Paulo de Literatura 2014 e finalista do Prêmio Jabuti 2014) e do romance policial "Que fim levou Juliana Klein"

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