Um.

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Bernardo.

Desperto ao ouvir o celular tocar ao meu lado, porém o peso de Carolina em meu peito me impedia de levantar. Ou até mesmo a preguiça. Afasto a mulher morena de cima de mim e levanto.

— Aonde pensa que vai?

Abro a porta antes de olhar para ela, que tinha olhos desejosos para cima de mim.

:— Trabalhar, você também deveria. Tem café no balcão e comida na geladeira.

Tomo um gole de café com alguns biscoitos de sal antes de retornar para o quarto e tomar um banho demorado. Carolina, que estava encostada na porta com uma xícara de café em mãos, me observava como se fosse um show.

— Te vejo mais tarde? - finalmente fez a pergunta esperada.

:— Sabe que não funciona assim. Não somos um casal.

Em contra partida, ouço resmungos vindo de seus lábios que não sou capaz de entender enquanto a mesma deixa a xícara sobre o balcão do banheiro e vai se arrumar, eu presumo.
Carolina era bela, pouco mais baixa que eu, corpo esbelto, olhos verdes penetrantes e pele morena, dentre outras qualidades interiores. Tinha tudo para ser uma ótima companheira, mas eu havia deixado claro em nosso primeiro encontro que não procurava por compromisso. E a minha palavra se mantém.

Acontece que mesmo longe de casa por tanto tempo, ninguém parecia boa o suficiente quando pensava em minha amada, que infelizmente deixei para trás e convivo com essa culpa todos os dias de minha vida.

Dessa vez o celular toca e eu consigo o alcançar. O nome de Hanna ilustrava-se na tela.

:— Pois não, irmãzinha?

— Bernardo, onde você está? O restaurante está lotado e há um pessoal da fiscalização sanitária aqui! Eles estão chamando atenção.

:— Merda... Por favor, leve eles para o estacionamento nos fundos. Não vou deixar que sujem nossa imagem.

— Tudo bem, mas venha logo.

:— Eu sei.

Hanna é minha irmã, apesar de ser a caçula, era mandona até o último fio de cabelo e sua imagem passava mais maturidade que a minha. Brigávamos a maior parte do tempo, mas no último mês não posso me queixar da mesma, já que tem ficado no restaurante em seu único horário vago para cobrir um funcionário acidentado. Seu trabalho real, por quem Hanna era apaixonada, era no hospital. Trabalhava como médica cirurgiã na ala de Pediatria.

Enquanto atravesso as ruas com meu carro a caminho do restaurante, batuco o dedo de nervosismo no volante. Era a terceira denúncia que recebia só esse mês e a situação começava a me preocupar. Primeiro pensei que fosse, de fato, um engano, mas agora estava certo de que alguém estava tentando me sabotar.
Eu não permitiria que o restaurante que herdei de meu querido tio tivesse o nome sujo por causa de algum malandro invejoso.

Para minha sorte, depois de três meses, o restaurante finalmente havia se equilibrado financeiramente e não precisava se manter aberto aos fins de semana. O prédio onde o mesmo se encontrava era comercial e portanto só tinha movimentação durante os dias de semana, sábado e domingo era como um lucro extra para as contas que meu tio havia deixado para trás.

:— Estou aqui.

Hanna atravessa o balcão de bebidas e vai de encontro a mim.

— Eles estão onde você pediu. Disse aos clientes que os homens estavam aqui por engano.

:— Obrigado, te devo uma.

Beijo sua testa.

— Me deve mais que uma, irmãozinho. - ela pisca.

Reviro os olhos enquanto saio pelos fundos do restaurante, uma porta da cozinha que me levaria até onde os homens estavam. Meu sangue já fervia só de me aproximar da porta.
Havia três deles, altos e com cara de raivosos, como sempre.

:— Posso saber o que fazem aqui, pela terceira vez?

— Recebemos uma denúncia de que sua cozinha estava inapropriada para uso. - um dos homens falou.

:— Isso é a pior mentira que já ouvi.

Os homens dão de ombros.

— Só estamos cumprindo nosso trabalho.

Suspiro.

:— Pois bem, entrem na cozinha e olhem o que for preciso, mas peço que saiam pelos fundos e por favor, está na cara que as denúncias são falsas, vocês estão acabando com a minha clientela.

Até que fossem embora, permaneci na cozinha e os mesmos, mais uma vez, constataram que não havia nada de errado com minha cozinha.
Encontro Hanna novamente, dessa vez em meu escritório, sento em minha cadeira e finalmente relaxo.

— Então...?

:— Tem alguém tentando me sabotar.

— Isso é óbvio, mas o que falou a eles?

:— Nada além do que eles já sabem, as denúncias são falsas. Vou ligar para a empresa deles e pedir que investigue as denúncias antes de virem aqui.

— Bem, espero que resolva, mas agora preciso ir.

Olho para o relógio, que ainda não marcava treze horas.

:— Mas ainda não deu seu horário no hospital.

— Sei disso, mas uma amiga antiga veio morar aqui e eu disse que ia buscar ela no aeroporto e lhe emprestar o quarto de hóspedes até achar um emprego e uma casa.

:— Posso saber que amiga é essa?

Hanna gargalha.

— Virou meu pai agora, maninho? Beijos, até amanhã.

Desço para o balcão das bebidas, onde assumo o lugar de Hanna enquanto a vejo sair com seu carro do lugar onde sempre fica estacionado na rua.
Hanna não tinha amigas que não fosse do hospital, ou pelo menos, era o que sempre disse para mim. Deve estar saindo com algum cara e não quer admitir. Típico dela, que sempre foi uma pessoa fechada quando o assunto se tratava de relacionamentos.

— Um uísque, por favor.

Um homem nitidamente bêbado estava do outro lado do balcão. Era perceptível seu esforço para se manter sentado na cadeira ou parecer o mais normal possível.

:— Desculpe, senhor, mas você já parece bêbado o suficiente. Por favor, me acompanhe até o lado de fora onde posso te colocar em um táxi.

O homem, provavelmente de mesma idade que a minha, olhos negros furiosos, socou a mão no balcão, rosnando novamente seu pedido. Alguns clientes passaram a olhar, curiosos, ao passo que me debrucei para perto do homem, ficando cara a cara com o sujeito.

:—Se não sair por bem, sairá por mal e quando digo isso, me refiro à polícia.

Olho para um dos garçons que estavam de prontidão, Camilo, que entende meu aceno e acompanha o homem para o lado de fora do restaurante. Não demorou mais que alguns minutos para o clima se tornar agradável novamente, mas sentia que aquele seria um longo dia.

Teorema da Paixão [REVISADO]Onde histórias criam vida. Descubra agora