Dois.

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Bernardo.

Havia uma semana desde que a amiga de Hanna chegara de viagem e eu ainda não havia a visto. Ontem fui até seu apartamento e ela se quer me deixou entrar, dando a desculpa de que a tal amiga estava ocupada dando aulas de matemática para uma criança. Quem dá aulas até nove da noite?

Além disso, Hanna também havia parado de me ajudar no restaurante, pois estava na semana de seus plantões no hospital. Então para dar conta de tudo, precisava dividir os horários entre ficar no balcão de bebidas e ajudar Joseph, o cozinheiro, a preparar alguns dos pratos. Estava a procura de alguém para substituir minha irmã, mas ninguém parecia tão qualificado até agora.

— Por favor, garçom? - ouço uma voz feminina.

Vejo pela janela todos os garçons ocupados e então corro até o balcão das bebidas, me deparando com Carolina. Havia um sorriso travesso e satisfeito estampado em seu rosto.

:— O que pensa que está fazendo aqui?

Ela revira os olhos.

— Vim comer, beber, sabe? Coisas que fazemos em um restaurante.

Respiro fundo.

:— Claro. O que deseja?

— Martini, por favor e uma porção de batata frita.

Faço careta.

:— Que combinação, hein?

— Vou esperar na minha mesa.

Enquanto Carolina caminha para a mesa número um, noto seu caminhar com o rebolado provocativo. Quando ela senta, olha para mim e lança uma piscadela. Tudo parte de seu jogo, é claro.

O barulho do sino me chamou atenção dentre todos os outros barulhos do local. Hanna ultrapassou a porta e sentou no balcão, deitando a cabeça no mesmo.

:— Você não devia estar no hospital?

Ela faz um sinal positivo com a cabeça.

:— Então por quê está aqui e não salvando vida de bebês com cara de joelho?

— Tem que prometer que não vai ficar bravo.

Posso sentir o nervoso acelerar meu coração. Quando Hanna deixava escapar as seguintes palavras, não poderia sair coisa boa dali.

:— O.k, desembucha, Hanna. O que você fez dessa vez?

— Arrumei uma substituta para você.

Arqueio as sobrancelhas.

:— E por que eu ficaria bravo com isso?

— Porque é alguém que você conhece.

:— Ainda não entendi o motivo de eu ficar bravo.

Hanna suspira, massageando sua testa. Seus olhos tinham um tom de arrependimento e culpa, sem brilho algum.

— Quando fechar o restaurante me avise, volto aqui e trago a pessoa para vocês conversarem e você passar tudo o que ela precisará fazer. Por favor, pega leve.

:— Tudo bem.

Levo o Martini com batatas fritas para a mesa de Carolina e sento no sofá acolchoado em sua frente.

— Quem era a loira falando com você?

:— Minha irmã, não que eu deva satisfações a você.

— Foi apenas curiosidade. Agora saia, minha companhia pode chegar a qualquer momento.

:— Companhia?

Carolina sorri largo.

— Quem está com ciúmes agora?

:— Não tem ciúmes, apenas te acho fissurada demais em mim para se atrair por outra pessoa.

Levanto e a deixo para lá.
Algumas horas após eu estar na cozinha ajudando Joseph a cozinhar, Carolina paga sua conta e vai embora. Definitivamente havia feito de propósito, como pensei, e mesmo assim passei horas e horas desviando meu olhar sempre que tinha oportunidade, para ver se realmente estava acompanhada de alguém.
Reviro os olhos.

Depois das sete da noite o restaurante passou a ficar menos movimentado, como esperado, muitos dos empresários preferiam jantar em casa com suas famílias e portanto tive tempo para subir para o escritório e fazer o pagamento de mais algumas contas com o lucro que havia feito pela manhã. O resto ficou dividido entre pagamento dos funcionários e meu próprio salário. Uma quantia gorda que até mesmo meu tio, que nunca fora fissurado em dinheiro, ficaria feliz em ver. Era um sinal de que o restaurante estava equilibrado novamente.

Desde que precisei sair da minha cidade, meu tio me acolheu, mesmo apesar de meu pai e ele não se falarem. Ele me ensinou a ser maduro, me tornar o homem que sou e tudo que sei sobre o restaurante e sobre Administração é graças a ele, que me deu um emprego e com isso pude pagar minha faculdade.
Acontece que depois de sua morte, as pessoas não viam mais o restaurante Roger's como o mesmo, apesar de me conhecerem a longo prazo. Finalmente estava fazendo jus ao meu nome e ao nome do restaurante pelo qual meu tio era muito apaixonado. Sinto-me satisfeito e decido encher um copo de uísque enquanto vejo algumas notícias do dia na internet.

:— Alô?

— Oi, Bernardo. - Hanna havia atendido depois de alguns minutos. — Estou saindo do hospital, me dê trinta minutos.

:— Nesse caso, me encontre em minha casa, vou pedir pizza para nós.

Ouço seu suspiro.
Estava cansada demais para discutir comigo.

Após o fechamento da loja, peço uma pizza gigante metade calabresa e metade quatro queijos, o sabor favorito de Hanna. Traço a rota de casa, ainda pensando no tom estranho de voz da minha irmã. Aliás, em seu comportamento estranho desde que a tal amiga chegou de viagem.

Pareço estar no céu quando finalmente tomo um banho longo e gelado para despertar. Visto uma roupa mais confortável, sem deixar de ser boa o suficiente para receber uma visita e recebo a pizza depois de alguns minutos esperando.
Ligo a TV e finalmente relaxo em meu sofá.

A campainha toca novamente.

:— Olha, eu sinto muito, mas eu não tenho gorjeta.

Escancaro a porta e não vejo outra pessoa a não ser ela, — definitivamente não era o entregador de pizza — atrás de Hanna, depois de tanto tempo. Estava imóvel, meu peito doía com os batidos fora do ritmo do meu coração. Ali, os três parados, percebo o seu jeito diferente de me olhar. Frio, cauteloso, parecia estar ali contra sua vontade, não era para menos, eu também odiaria se estivesse em sua posição

— Lembra quando você disse que não ia ficar bravo? - ouço a voz distante de Hanna falar.

Teorema da Paixão [REVISADO]Onde histórias criam vida. Descubra agora