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A música expressa o que não pode ser dito em palavras mas não pode permanecer em silêncio. - Victor Hugo

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Acordou com o sol batendo no seu rosto, o corpo ainda dormente se negando a movimentar alguma parte do sistema. Resmungou insatisfeito, forçando-se para levantar para pelo menos sair da cama e esticar os membros. Depois de mais procrastinação, foi até a cozinha do apartamento e estranhou o fato de não ouvir um ruído sequer, sendo que Denki era um dos humanos mais agitados que conhecia. Mas quando viu um pedaço de papel em cima da mesa, suas dúvidas foram cessadas.

Olá Shinsou!

Então, vou passar o dia fora de casa por motivos pessoais, espero que não se incomode e espero que sinta saudades, porque se não sentir minha falta, vejo isso como um ataque pessoal

Deu risada do jeito que imaginou a voz de Denki falando a frase e se perguntou o que ele tanto faria para passar o dia todo fora, mas afastou o pensamento. Sua vida pessoal não lhe dizia respeito, só eram conhecidos que dividiam o apartamento. No máximo amigos.

Fez um café da manhã simples, somente um misto quente e torradas, além de seu óbvio café preto. Por um momento se sentiu solitário. Aparentemente tinha se acostumado com a companhia alegre e grudenta de Denki. Não que reclamasse, às vezes até parecia sua irmã em alguns aspectos. Sorriu com os pensamentos, que ainda estavam presos no loiro, e no interior torcia para não ser o que achava que era aquele sentimento estranho que tomava seu peito, como se revivesse o passado. Um passado triste e que não queria lembrar como terminou.

×××

Passou o resto do dia trabalhando em projetos da faculdade, organizando grupos e trabalhos - quase - esquecidos. Quando considerava que tudo estava pelo menos um pouco mais organizado, foi até a cama e tentou relaxar um pouco para dormir, o que não acontecia na maioria das vezes e agora não seria diferente.

Não importa o quanto mudasse de posição ou simplesmente olhasse para o teto pensando em literalmente nada. Seu corpo e mente cansados, mas o organismo se recusando a dormir. Ou talvez já tivesse acostumado com a quantidade de horas que dormia. Pelo menos fechou os olhos e ficou pensando em coisas aleatórias.

O primeiro mês que se passou com Kaminari tinha sido bastante tranquilo, por mais que fosse um pouco barulhento. Quase todo dia ele tocava aquele piano e fazia o arrepio correr pela sua espinha novamente e a sensação anormal o cercar. E como sempre, nunca conseguia prestar atenção no que estava fazendo no momento, somente na melodia que era distribuída ao apartamento.

Ele mesmo ainda treinava o violino vez ou outra, mas sempre quando Denki estava fora, seja em uma universidade, festa ou qualquer outra coisa.

À poucos dias, ele tinha tocado Impromptu No.3, uma composição que deveras chamou-lhe a atenção. Já tinha passado um pouco de tempo com Denki, e por mais que considerasse pouco demais para isso, às vezes achava que podia sentir algo além da melodia. Decifrou o jeito que ele a tocou como uma mistura de sentimentos. Tranquilidade, angústia e alegria. Todas juntas e misturadas. Sabia que poderia ser coisa da sua cabeça, mas sua intuição dizia outra coisa. Kaminari poderia ser facilmente considerado como bipolar, mas aquilo era diferente do habitual. Era extremamente confuso para si. Denki era confuso ao seu ver. Mas mesmo assim, queria decifra-lo de todas as formas possíveis.

Nem se deu conta de quando acabou adormecendo pensando no loiro, ainda indecifrável para si.

×××

Acordou lentamente e como de manhã, procrastinou para sair da cama. Quando pegou o celular, suspirou frustado.

21:17

Tinha certeza que não iria mais dormir essa noite, que bom não?

Suspirou mais uma vez, e foi aí que percebeu algo estranho. Aspirou mais o ar e percebeu que tinha cheiro de fumaça, não de fumaça normal e sim de cigarro. Conhecia bem pois já foi fumante na adolescência, uma fase rebelde e bem complicada de se resolver. O odor estava forte, ou seja, estariam fumando perto do apartamento. Bufou e se levantou pronto para ir ver se era alguma pessoa acima ou embaixo do seu andar.

Adentrou a sala depois de passar pelo corredor e quando virou para a varanda, viu uma silhueta magra debruçada sobre o parapeito. Denki estava de costas para si, olhando para algo que não sabia o que era, ou se ele realmente estava olhando, mas estava tão entretido que parecia que tinha viajado para outro planeta. Só ali perto dele percebeu que o cheiro de cigarro vinha dele. Bem, não dele em si, mas vocês entenderam.

Sem fazer barulho, foi chegando perto do corpo a passos lentos, sem querer assusta-lo. Parou ao lado dele, que ainda não tinha reparado em si, mas seu pigarrear o trouxe de volta a realidade. Ele olhou para o lado meio atordoado, e depois relaxou ao ver que era Hitoshi. E ele pode comprovar suas suspeitas quando viu um cigarro barato na mão direita do jovem adulto.

- Ah, olá Shinsou. - começou a falar, sua voz mais arrastada que o normal - Desculpa se te incomodei.

- Não, não incomodou. - debruçou-se sobre o parapeito assim como outro e ficou olhando a paisagem. Agora entendia o motivo de Denki ficar desligado, a vista do prédio, por mais precária que fosse, ainda assim era belíssima - Costuma fumar muito? - perguntou, curioso de verdade

- Na verdade não. - deu uma risada anasalada, soltando a fumaça pelo nariz - Faço isso quando tenho que desestressar e não toco o piano.

- E porque não tocou o piano?

- Não queria te acordar. - disse sorrindo e olhando para si pelo canto do olho - Estava tão fofo dormindo daquele jeito que tive dó. - disse lhe provocando

Hitoshi corou um pouco. Tanto porque ele o chamou de fofo indiretamente e também por causa do jeito que não tocou para não o acordar. Ele se preocupava consigo?

- Podia tocar, tenho o sono pesado mesmo.

Ele riu mais uma vez e tragou somente mais uma vez antes de jogar o cigarro fora pela varanda. Isso fez Shinsou se lembrar de sua fase onde fumava, fazia a mesma coisa, era até engraçado pensar, já que Kaminari tinha uma personalidade tão brincalhona e divertida quanto a de uma criança.

- Não, até porque é bom ficar com você. Acho que nem precisaria de cigarro se só ficasse assim. - disse e Hitoshi entendeu que era relacionado a situação que se encontravam agora, e isso o fez abrir um sorriso também

Denki se debruçou mais até ficar com os braços cruzados sobre o parapeito e enfiar da boca até a ponta do nariz entre eles, olhando para baixo por alguns minutos e logo voltando a encarar Hitoshi de soslaio, que virou o rosto para encara-lo também, abrindo um sorriso aconchegante. Ele pode ver os olhos do loiro atrairem um novo brilho entre as íris douradas com os olhos minimamente arregalados. Foi pego totalmente de surpresa quando repentinamente ele lhe abraçou.

Ficou parado feito uma estátua quando sentiu os braços cobertos pelo moletom amarelo enroscarem em seu pescoço e ele apoiar o rosto no ombro alheio, perto do pescoço e Hitoshi corou as orelhas quando sentiu a respiração dele naquele local. Depois de alguns segundos correspondeu o ato, segurando e abraçando as suas costas. Denki suspirou satisfeito e lhe apertou mais e fez o mesmo consigo.

Ficaram um bom tempo naquela posição, até cansarem e irem dormir cada um em seu correspondente quarto, mesmo que quisessem ficar naquela posição até amanhacer e terem realmente que fazer algo que tinham de se separar daquele abraço quente aconchegante que os tinha envolvido naquela noite.

Melody - ShinkamiOnde histórias criam vida. Descubra agora