Aceita Uma Fatia?

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Já passava das onze e meia da noite, e nesse horário costumávamos fechar nossa pizzaria. Ela era a única no bairro, então parávamos a essa hora mesmo. Não fazia nem seis meses que havíamos começado e os negócios iam muito bem. Como não existia concorrência, dinheiro nunca foi preocupação.

Éramos a Müller Pizzaria. Em pouco tempo ficamos muito conhe cidos na cidade. Tínhamos um pequeno problema em confiar em outras pessoas, por isso Tais, minha esposa, fazia as pizzas e eu mesmo entregava.

Estávamos prestes a fechar a pizzaria, mas recebemos uma ligação fora de horário. Tais não se importou em fazer mais uma pizza e, claro,eu não me importaria de entregá-la. O dinheiro era tão bom que mesmo depois das onze e meia ainda estávamos trabalhando.

Coloquei a pizza na moto e saí para entregá-la. Tais foi direto para casa, e logo depois da entrega eu faria o mesmo. O endereço era um pouco distante, mas não liguei. Ao chegar à casa, toquei a campainha e uma velhinha me atendeu. Estava toda de preto e tinha a cara mais feia que já vi. Sua voz era meio rouca, e depois de ouvi-la tudo o que eu queria era ir embora. Logo que peguei o dinheiro de sua mão enrugada e gélida, ela me ofereceu uma fatia de pizza. Claro que não aceitei - além de já estar enjoado de pizza, eu não costumava comer com meus clientes. Rejeitei sua oferta e saí o mais rápido que consegui. Não comentei nada com Tais quando voltei para casa. Ela estava tentando engravidar e esse tipo de assunto não contribuiria para o clima que queríamos para aquela noite, Passada uma semana do ocorrido, no mesmo horário, quase à meia -noite, nosso telefone tocou e a senhorinha pediu a mesma pizza da outra vez. Fiquei meio aflito em saber que eu teria que ir até lá novamente Mas, pelo dinheiro, aceitei. Da mesma forma que uma semana antes, ela pegou a pizza e com sua voz rouca me ofereceu uma fatia Como da outra vez, recusei e sai rapidamente.

- Pelo menos não é todo dia! - Era o que eu falava a cada pedido dela. A velhinha me ligava, eu entregava pizza, e ela me oferecia uma fatia. De semana em semana, um único dia, durante um mês, foi assim.

- Eu aceito, obrigado! - respondi para a velhinha, com esperanças de ser a última vez que ela me ofereceria uma fatia.

Saí de sua casa após comermos, não apenas uma, mas três fatias. Não fui embora com pressa como das outras vezes. Não senti essa necessidade, afinal ela me parecia diferente. Conversamos bastante sobre a vida. Era uma velhinha muito sorridente, e mesmo sendo tão feia desta vez não me importei.

Carlos veio me ajudar, era meu cunhado. Tais não andava se sentindo bem, tinha enjôos frequentes e vomitava muito, então assumia produção das pizzas enquanto Carlos as entregaria. E foi assim naquela noite inteira. Era quase meia-noite e o telefone tocou. Nem me dei o trabalho de atender, apenas marquei o endereço em um papel e pedi a Carlos para fazer a entrega. Ele já estava se preparando para subir na moto quando veio até mim dando risadas. - Essa foi boa, cara! Quase caí na brincadeira.

Não entendi o que ele quis dizer, então o questionei sobre qual brincadeira ele falava.

- Ah, ok! Acha mesmo que vou cair nessa? Você nem atendeu o telefone. Aposto que era a Tais ligando para ajudar com o trote.

- Mas do que é que você está falando, Carlos? Ele ficou sério, olhou para o endereço marcado no papel e me entregou tremendo.

- Não sei se você está falando sério ou não, mas eu não vou entregar nada nessa casa. Não vou me arriscar e acabar amaldiçoado. Essa é a casa da Madame Coreh.

-E dai?

-Reza a lenda que ela oferece comida amaldiçoada para os homens casados, que perdem suas esposas para as doenças mais horríveis que se pode imaginar. Não sou de acreditar em contos de fada nem em lendas, mas corri até o telefone e liguei para Tais. Precisava saber se ela estava bem. Ao atender, ela parecia chorar muito, Perguntei o que houve e ela respondeu que estava vomitando muito, mas desta vez era sangue. Larguei o telefone com muita fúria, agarrei o braço de Carlos e o puxei até a moto.

-Vamos, vou dar uma surra naquela velha louca dos infernos!

-Você até poderia tentar, mas ela morreu enforcada há muitos anos - disse Carlos, com a maior calma do mundo.

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