Infinito

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A confusão que acontece depois que chegamos ao hospital é insana.
Tentamos conseguir algumas informações na recepção, mas sem sucesso, a enfermeira diz que Ana está em cirurgia, mas ninguém nos diz o porquê. Eu e Camila choramos sem parar.

Os pais de Ana e a mãe de Bernardo discutem na sala de espera, o que não é uma surpresa. Bernardo em um estopim de raiva sai correndo para fora, Tina a mãe de Camila tenta apaziguar a briga, e implora para uma de nós duas ir até ele. Estamos tão abaladas que ignoramos. Sem paciência para chilique de marmanjo. 

Ando de um lado para o outro esperando por notícias, penso nos sinais que Ana estava dando, era óbvio que esse acidente tinha algo a ver com o relacionamento dela, mas quem poderia imaginar que algo assim aconteceria? Me sinto culpada. Eu deveria ter feito alguma coisa... Mas que experiência eu tinha? Sinto um aperto no peito.

— Mari! Vai ficar tudo bem, respira. — Camila diz se aproximando.
— Eu vou ver como o Bernardo está ok? E ligar para o João e a Letícia, eles devem estar preocupados. Concordo sem jeito.

— Meu Deus do céu eu não aguento mais esperar! Será que alguém pode fazer algo, nos dar alguma notícia!?
— digo desesperada.

— Calma querida! Cirurgias demoram, não pode falar alto aqui dentro, por favor! — diz a mãe de Ana enquanto me puxa para um sofá. Bebo água com açúcar, envio mensagens no nosso grupo, leio as revistas que ficam no cantinho da sala. 

Não sei quantas horas passam, mas quando está anoitecendo um senhor de jaleco vem até nós na sala de espera, provavelmente o médico que estava com Ana. — Vocês são da família? Todos ficam de pé rapidamente e concordam.

— Bom a cirurgia acabou, ela está estável mas lamento informar que houve um aborto e tivemos que remover o feto. Ou ela morreria. — o médico diz seco. 

— Ah.. não.... — é só o que consigo balbuciar, fico sem palavras. Os pais de Ana choram abraçados e a Mãe de Bernardo fica com uma expressão estranha no rosto, como se estivesse satisfeita?

— E quando podemos ver a nossa filha Doutor? — pergunta Abraão, o pai de Ana com os olhos cheios de lágrimas.
— Nós nem sabíamos que ela estava grávida, isso é muito triste. — completa.
— Agora ela está medicada e dormindo, se vocês quiserem vê-la podem vim, somente vocês. — o médico diz sério.

Bernardo e Camila entram abruptamente na sala.
— Como ela está?! Como? — grita Bernardo segurando os braços do médico. — Ei ei rapaz, por favor se acalme! — Vamos! — ele diz conduzindo os pais de Ana que o seguem e ignora Bernardo.

Me sinto atordoada, minha amiga estava grávida e agora não está mais. Como a vida é cruel. Pra quê dar uma coisa se vai tirá-la antes que a pessoa possa aproveitar? Lamento por Ana, ela amaria ser mãe, mesmo sendo jovem. 

— Mariana me conta! O que o médico falou? — Camila pergunta aflita. Não consigo falar. — Ela teve um aborto complicado, precisaram retirar o bebê na cirurgia, ou ela morreria. — diz a mãe de Camila derrotada. Ela põe as mãos na boca em choque.

Bernardo chora sentado no chão enquanto a mãe o manda levantar.

— Só quero ver como ela está. — digo respirando fundo enjoada. — Mas você já sabia, não é Bernardo?! — pela primeira vez o observo com desprezo, sinto uma tristeza enorme, vendo o sorriso convencido de sua mãe.
— Não fale do que você não sabe Mariana! — ele responde frio.

— Meu filho não tem culpa de nada! Como assim? — Vera questiona. 
Não suporto essa mulher. 

— A única coisa que ela te deu foi amor! E olha como você  age...— Ana vai ficar destruída quando souber, não seja um cuzão! — digo entre os dentes olhando nos olhos de Bernardo e saio da sala.

Minha mãe me liga 30 vezes mas não atendo, não posso me dar ao luxo agora de lembrar dos meus mínimos problemas. 

Camila corre atrás de mim — Mariana espera!! — Não posso correr de salto!!! — Você veio de salto por que? — Me viro revirando os olhos. — Foi a primeira coisa que encontrei. — ela diz ofegante. Então andamos em silêncio até o estacionamento. 

— Mari, que loucura né? Até ontem éramos só adolescentes bobas e agora estamos aqui, com esses problemas de adulto. Eu quero sumir e você? Concordo em um sim enfático com a cabeça. Quem diria? 

— É por isso que tenho medo de me envolver. — Quando você está apaixonada não têm noção dos danos que pode causar a si mesma. Ana não merecia passar por isso, nenhuma de nós merece. Mas já parou para pensar que se ela nunca tivesse se apaixonado essa situação não estaria acontecendo? — pergunto a Camila que me olha com uma cara estranha.

— Isso é uma completa besteira, tudo o que acabou de dizer! Eu entendo seus motivos para estar magoada, triste e decepcionada. Mas culpar o amor é uma besteira. 

— Camila você não sabe! Ela e Bernardo estavam brigando muito, ela estava desconfiada de traição, Bernardo é o culpado! Eu tenho certeza que eles devem ter brigado antes disso acontecer. — digo nervosa. 

— Era meio evidente, né Mariana? Desde as férias... mas o que você precisa entender é que amar é a coisa mais bonita e verdadeira que podemos fazer, se apaixonar não é uma sentença, acontece e estar vulnerável com nossas emoções não é um pecado, é uma benção e uma oportunidade de viver algo lindo. — Não foi se apaixonar que fez a Ana perder esse bebê.

— Mas é claro que relacionamentos abusivos existem, situações complicadas, dependência emocional, falta de terapia, erros e acertos. Infelizmente não temos o controle das consequências. — ela completa.

— Ana vai superar isso, vamos estar aqui com ela, ela ainda vai viver muitas outras histórias e vai poder ter quantos filhos quiser no futuro. — e é claro vamos acabar com a vida do Bernardo. Mas não agora....

Olho assustada para Camila, como ela consegue? Me fazer rir num momento desses. Ela pisca e me abraça. Tento me confortar por hora. 

— Ei mocinhas! Vamos? — diz a mãe de Camila se aproximando do carro. — por hoje as visitas estão encerradas e vocês só vão poder vê-la amanhã. — ela diz calmamente. —Ah não poxa! — reclamo. — Poxa mãe, por que não me ligou? — indaga Camz ansiosa. — Eu liguei! Você que não atendeu! — Vamos! Chega de papinho, vocês precisam descansar! — Tina diz enfaticamente.

— Tia, mas como ela está? Estamos preocupadas...— pergunto triste. — Está dormindo e estável, agora ela está em observação, o pior vai ser quando acordar, não imagino a dor da coitadinha.

— Nossa mãe agora você me destruiu! — diz Camila fungando, vou chamar a Bruna para dormir lá em casa, preciso de apoio.

— Vai ficar tudo bem meninas! — ela tem vocês e os pais, é jovem e vai superar. Nada como um dia após o outro.

— Tudo bem! Amanhã cedo estou aqui! — suspiro derrotada. 

Entramos no carro e sinto o meu corpo dormente. Foram tantos choques de uma vez. Não sei em que momento existir ficou tão difícil. Sinto o peso do mundo nas minhas costas. 

Camila vai na frente e põe fones de ouvido, eu tento respeitar o seu momento. Penso em pedir para ir dormir na casa dela, mas não quero atrapalhar. 

No banco de trás ponho a cabeça na janela do carro e vejo os carros passando, as paisagens, os semáforos e prédios, como um flash, o Rio de Janeiro à noite têm uma beleza singular. 

Quando entramos no túnel fecho os olhos, tenho pavor de lugares fechados, e aí eu lembro que estou vivendo a mesma sensação fora do túnel. Estou impotente diante de situações que não posso controlar, no escuro.

O vento bagunça o meu cabelo, penso em Ana e quando abro os meus olhos já passamos pelo túnel e a luz dos postes é incandescente. Me sinto ridiculamente pequena perto da imensidão que é a vida. 

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⏰ Última atualização: Mar 25, 2022 ⏰

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