Nem tudo é o que parece ser

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Eu pisco algumas vezes para ter certeza do que os meus olhos estavam vendo.
Não pode ser, tento me convencer....
Eu imaginei esse encontro milhares de vezes antes de dormir, mas, jamais pensei que fosse ser assim. Do nada? Num lugar como esse?
Sinto vontade de correr, de novo. Mas os meus pés não saem do lugar. Como uma noite com amigos em uma balada virou essa confusão?
Levanto o olhar e o encaro. 

Meu pai mudou, fisicamente está mais forte, tem uma nova cicatriz fininha perto da boca e cortou o cabelo, são os detalhes que consigo perceber depois de tanto tempo.
Ele me olha com um olhar incompreensível. Eu sinto meu coração bater forte no peito.

— Porque voltou? — pergunto direta, minha voz sai áspera. Não quero chorar. 

— O que uma menor de idade está fazendo em uma boate sozinha? — ele pergunta sério. 

Eu fico abismada com a prepotência, quem ele pensa que é para me dar algum tipo de sermão?
— Ah não, agora você vai querer fazer o seu papel de pai? — eu falo enquanto passo a mão numa lágrima que insiste em cair. 

— Espera Mariana, não quis ser grosso, só estou preocupado. — ele respira fundo. — Podemos conversar? 
— Eu não sei se estou pronta para conversar com você, não hoje, não agora. — digo derrotada. 

— Você está sozinha? Posso te levar em casa? — ele questiona se aproximando. Lembro de Victor, mas não quero pensar nele agora. Pego meu celular e mando uma mensagem apressada para Camila avisando que estou indo para casa. Não espero uma resposta. — Sim estou sozinha...... — Você ainda lembra o endereço? — pergunto com sinceridade e ressentimento. 

— Nunca pude esquecer — ele diz e abaixa a cabeça sem jeito.
— Vamos? — ele pergunta incerto. 
— Vamos. — respondo com os olhos fechados.

Eu não sei se estou atordoada ou hipnotizada, meu corpo está mole, foram tantas emoções uma atrás da outra, eu tenho tantas perguntas, me sinto exausta e esgotada. 
Meu pai me guia em direção a saída, e eu aceito. Não tenho muitas escolhas no momento. Entramos no carro, eu respiro fundo repetidamente, estou enjoada, sinto vontade de vomitar. 

— Pai? — chamo sem jeito.
— Oi?— ele responde. 
— Porque você voltou? — questiono. 
Ele inspira fundo olhando para frente.

— Por você. 

E então eu caio no choro, lembro da menininha que ele abandonou, lembro dos aniversários em que ele não foi, lembro das cartas inúteis que recebia, me sinto patética. Não consigo dizer nada. 
— Calma querida, já estamos chegando, está tudo bem, vai ficar tudo bem. — ele diz sereno.
Mas é como se a voz dele tivesse mudado também, não sinto conforto, sinto um vazio enorme. 

Encosto a cabeça no vidro da janela, penso na minha mãe, no choque que ela vai ter, ou será que ela já sabe? Não, não quero nem pensar nisso. Lembro daquela música da Fergie e sim grandes garotas choram, sim e muito. 
Meu pai dirige rápido, como se também estivesse aflito. 

— Como me encontrou? Na boate? — questiono perturbada, são muitas perguntas.
— Alguém que conheço me contou onde você estava, não sabia se era momento certo, mas fiquei preocupado. 
— Então você estava me seguindo? — Quanto tempo está aqui no Rio? — indago ansiosa. 
— Alguns dias. — ele responde seco. Começa a chover fininho e as gotas escorrem no vidro do carro, me sinto na cena de um filme, por sinal um drama muito ruim.

Minha vida virou de ponta a cabeça, a partir desse momento já não tenho certeza sobre nada e o meu coração parece ter diminuído de tamanho. 
Ele estaciona no portão da minha casa, ainda dentro do carro não sei muito bem o que fazer. Desço do carro e finjo que esse momento nunca aconteceu? Grito pela minha mãe e faço um show? Agradeço pela carona? Mas lembro que nem isso meu pai merece, não depois de tanto tempo. Então decido ser sincera.

— Olha, se você pensa que aparecer assim do nada, dizer que me ama, me dar presentes vai mudar tudo, não vai. — digo sussurrando. — eu aprendi a viver sem você e a minha mãe também. 

Não dou tempo dele responder, desço do carro batendo a porta e entro correndo em casa. Não olho para trás, não quero saber. 
Quando subo as escadas subitamente minha mãe abre a porta do seu quarto e fica me olhando sem dizer nada, vejo em seu olhar, 
— ela sabia. — ela sabia que ele tinha voltado e não me contou.
— Mariana.. por favor.
— NÃO! Não fala comigo. — digo derrotada.
— Eu ia te contar! 
— Eu já fui decepcionada o suficiente por uma noite, não preciso ouvir, não quero ouvir! 

— Deixa eu explicar! — ela suplica vindo até mim com os braços esticados. Mas não dou ouvidos.
Eu tranco a porta do meu quarto e choro, retiro os saltos e me jogo na cama, fechando os olhos na intenção de apagar. 

Um avião. Exceto que não é realmente um avião. Parece mais uma casa. E está voando. Eu tenho que correr para entrar, mas meus pés estão pesados e não consigo me mover. Pessoas me empurram, e uma delas é Victor Alencar. Ele segura nos meus ombros e me puxa para trás. E debocha:
— Você nunca vai superar, vai ficar sozinha para sempre. Nenhum homem nunca vai te amar..
Não. Nãaaaaaaaaaaaaaaao.

Acordo. Eu me sinto um lixo. Lembro do que aconteceu na noite passada. Pode ter sido um sonho. 
Nego que foi verdade.
Sei que não foi um sonho.

Sento na cama, penso no que fazer. Surtar e gritar com a minha mãe, ligar para o meu pai e xingar ele? Ou fugir de casa com uma mochila e ligar para Camila me abrigar (mas não tenho um centavo), ou fingir que estou morrendo (porque é como me sinto), ou fingir que nada aconteceu, absolutamente nada.
Dez minutos se passam. Penso em coisas absurdas.

Como: na vida existem famílias:
A família que deu certo para a sociedade.
A família moderna.
A família que deu errado (no caso a minha se encaixa aqui)
Não isso é completamente ridículo. Jogo o travesseiro longe, tento rasgar as minhas roupas de ontem, grito abafado, meu rosto com maquiagem suja o lençol. Fico olhando para o teto enquanto me dou conta de uma coisa terrível: 

Victor conhece o meu pai. 

Tropeço para fora da cama, desço as escadas correndo e pego o telefone.
Com as mãos tremendo disco o número de Victor.
Uma mulher atende.
— Victor está?
— Quem deseja — ela pergunta simpática.
— Diga que é a Mariana por favor. — respondo aflita.
Escuto passos e uma respiração diferente.
— Oi?
— Por favor, me diga que o que estou pensando é mentira.
— Hum. Não. É verdade.
— Por quê não me contou? choro agonizante.
Silêncio. E depois.

— Eu não queria te contar porque sabia que isso iria atrapalhar. — Mas não é desse jeito, você não entendeu nada. 
Isso não pode estar acontecendo.

— Eu não acredito mais em nada que você diz. — silêncio —
Clique, seguido por um sinal de ocupado. Sento no chão, perplexa ainda com o telefone na mão. 

De alguma forma meu pai e Victor Alencar se conhecem, ele foi a pessoa que avisou ao meu pai onde eu estava, mas por quê?
Esse tempo todo ele se aproximou de mim, sabendo toda a minha história? Como pude me apaixonar? Para ele isso tudo significou alguma coisa?

Estrelas Me Guiam - EM REVISÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora