Naomi

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                  Eu simplesmente amo manipular o Thomas como se fosse minha marionete. É tão divertido ver ele se contorcendo de dor, foi a mesma dor que eu senti quando ele me rejeitou, só que não foi dor física e sim psicológica.
                  O que eu achei estranho no Thomas é que suas veias não estão mais tão marcantes, não está muito assustador. O que está acontecendo com ele? Ele disse que vai ser salvo da maldição, disse isso com tanta certeza que... Será que o Thomas está apaixonado? Não... Quem se apaixonaria por um monstro? Quem seria tão bondoso, não vê maldade em nada e não se importa com a aparência de seus próximos?... Ai meu Deus, a Lynn! Thomas está apaixonado por ela! Não, não pode ser! Não pode ser!
                Saio da mansão com essa dúvida martelando na minha cabeça. Lynn não seria capaz de fazer isso, eu fiz de tudo para que eles se afastassem, inventei aquela mentira e no final, os dois vão ficar juntos enquanto eu volto a ser a estranha solitária de novo... Não! Isso não vai acontecer! Eu não vou deixar!
                  Apresso o meu passo em direção ao centro de Cliverland. Preciso de um cúmplice, de um espião, de alguém que faça tudo o que eu pedir... Black. Ele mesmo, o Black. O rapaz abusado que me beijou no shopping dias atrás. Eu preciso encontrá-lo. Ele me disse que morava no meio dos becos de Cliverland. Isso é um problema porque a cidade é cheia de becos.
                   Chego no centro da cidade e olho atentamente os grandes espaços que os prédios têm um do outro. Black poderia estar em qualquer lugar. Uma gota d'água cai no meu ombro e, automaticamente, começa a chover. As pessoas começam a correr e se abrigam dentro de estabelecimentos. Decido fazer o mesmo, mas encontro uma haste metálica média, discretamente a transformo em um guarda-chuva verde. A chuva não está tão forte assim, ainda vejo as pessoas a vários metros de distância. Não posso desistir do meu objetivo; encontrar Black. Não sei o que ele tem que me deixou tão fissurada, nós nos conhecemos a apenas um dia e já nos beijamos. Black é bem diferente do Thomas, ele é envolvente, abusado... E beija bem. Ele vai ser um ótimo cúmplice para descobrir se a Lynn está se encontrando com Thomas.
               Passo por um beco estreito, a pintura dos prédios estão descascando, revelando o mofo preto. Esse beco parece com os do Brooklyn, em Nova York, obviamente esse lugar é perfeito para abrigar mendigos, traficantes e prostitutas, mas não há ninguém. Eu acho. Vejo uma silhueta masculina a alguns metros de distância e me aproximo lentamente. A pessoa está de costas e tem, aparentemente, a mesma altura de Black. Piso em uma poça de água, denunciando minha presença e a pessoa vira para trás. É o Black mesmo.
-Naomi? -ele pergunta, sua voz mostra surpresa e alegria ao mesmo tempo.
-Ah... Oi Black.
-O que você está fazendo aqui?
-Eu... Eu... Eu vim dar uma volta e acabei entrando nesse beco...
-Mas está chovendo. -Black se aproxima de mim e percebo que seu cabelo castanho e curto está parcialmente molhado.
-Eu sei... -dou um passo para trás. -Por isso estou indo para casa.
-Naomi, fala a verdade, você veio aqui para me ver, não é?
                  Eu queria responder 'Ah claro! Eu estava com muita vontade de te beijar de novo, você está tão sexy com esse cabelo pingando... Vamos transar aqui no beco e no meio da chuva?', mas isso seria muito bizarro.
-Pra falar a verdade... Sim. -respondo.
-Sentiu saudade do meu beijo?
-Preciso da sua ajuda.
-E pra que?
-Não podemos conversar aqui no meio de um beco... Você mora em uma casa de verdade?
-Mais ou menos, você quer ir para lá?
-Não, eu quero ficar aqui no meio da chuva. -respondo com um tom irônico.
-Fica calma, Naomi... Vamos, minha casa é muito perto daqui.
               O que Black disse é verdade. A casa dele é bem perto do beco. Atravessamos o beco e no final dele, paramos em frente à um cubículo. As paredes do beco parecem bem limpas perto da casa do Black. Não sei distinguir do que a casa é feita; pode ser de madeira, de tijolo ou dos dois. Não sei distinguir a cor da casa, o mofo está dificultando isso. Depois de alguns segundos, Black abre a porta, fecho o guarda-chuva e entramos no cubículo. É praticamente um quarto misturado com uma sala e uma cozinha, as roupas estão jogadas em tudo que é lugar, a cama de casal está desarrumada, o raque, em que há uma TV pequena e um mini rádio, está com farelos de alimentos misturando com pó. Eu não me surpreenderia se visse uma barata ou um rato passeando por debaixo da cama. O cheiro não é dos melhores, mas é suportável. Perto do cômodo, vejo outro, só que bem mais pequeno, com certeza é o banheiro. Nem quero me aproximar, um guaxinim morto pode estar dentro do vaso sanitário.
-É aqui que eu moro. -ele diz.
-Hum... Você precisa de alguém para arrumar essa bagunça.
-Você se voluntaria?
-Claro que não.
-Pode se sentar na minha cama.
-Se eu soubesse onde ficava... -falo novamente  com um tom irônico.
                  Black dá uma leve risada, tira algumas roupas que estão em cima da cama, as joga em cima de uma cômoda e eu me sento na cama.
-E então? Por que quer a minha ajuda? -ele pergunta para mim e fica na minha frente.
-É uma longa história.
-Não tem problema, eu quero ouvir.
                 Ele pega uma cadeira, se senta na minha frente e me encara. Isso me deixa nervosa.
-Bom... Você me perguntou se eu tinha poderes.
-Sim.
-Eu tenho poderes, posso mudar a aparência de alguma coisa... Esse guarda-chuva, por exemplo, foi uma haste que encontrei no meio da rua quando começou a chover.
-É meio difícil acreditar que uma gata como você tenha poderes assim...
-Eu nunca fui uma gata, mudei de visual a pouco tempo.
-E por que você fez isso?
-Por causa de um rapaz, Thomas Clark, eu era apaixonada por ele, mudei de visual por ele e no fim... Ele me rejeitou, me chamou de ridícula. -fecho os olhos por alguns segundos e respiro fundo para não começar a chorar. -Eu não aceitei essa rejeição e lancei uma maldição nele.
-Uma maldição?! Que tipo de maldição?!
-O que ele é por dentro, vai ser por fora, Thomas era um galanteador, usava as garotas e as descartava como se fossem lixo, então eu o transformei em uma criatura horrível, um monstro que ninguém teria pena, ele se isolou na mansão dele, faço uma visitinha às vezes...
-O que você fez foi... Intenso, mas me fala a parte em que eu entro nessa história.
-Parece minha grande "amiga" Lynn está fazendo algumas visitas para o Thomas, quero que você investigue isso. -faço um sinal de aspas quando falo a palavra 'amiga'.
-Por que ela é uma ameaça?
-Lynn é uma garota que encanta todo mundo, não vê maldade em nada, eu não quero que ela e o Thomas se apaixonem um pelo outro porque se ele se apaixonar verdadeiramente por alguém, a maldição será desfeita e a minha vingança também.
-Então você quer que eu fique vigiando a mansão do Thomas para ver se a Lynn visita ele?
-Exatamente.
-E se essas suposições estiverem certas? E se a Lynn visita o Thomas e eles estão apaixonados um pelo outro?
-A história vai ser outra, eu já afastei os dois e não deu certo, mas eu não posso falhar dessa vez.
-O que você fez para eles se afastarem?
-Inventei uma mentira, eu disse para Lynn que Thomas falou que queria levá-la pra cama, ela ficou com muita raiva dele e viramos amigas.
-Você não presta, Naomi.
-Está do meu lado ou não?
-Preciso pensar... -Black se levanta e fica andando na minha frente. -O que você vai me dar em troca?
                  Também me levanto, me aproximo de Black e pergunto.
-E o que você quer?
                 Black pega meu pulso e me puxa para perto dele. Sinto sua mão passar pela minha coxa, ele beija calorosamente meu pescoço e, quando sinto seus dedos massageando meu sexo, dou um alto gemido e o empurro.
-Isso responde a sua pergunta? -ele fala com um tom malicioso.
-Eu sou o seu prêmio?
-Sim, eu não paro de pensar no seu beijo, Naomi, se você é assim beijando, imagina transando comigo...
-Eu não vou transar com você toda vez que você fizer algo que eu pedir.
-Porque assim eu seria uma pessoa extremamente eficiente.
-Você vai participar do meu plano ou não?
-Vou.
-Ótimo.
-Mas preciso saber onde o Thomas mora.
-Não se preocupe, eu te levo lá, mas não hoje.
-Tá, vamos no meu carro.
-Você tem carro?!
-Tenho, mas não é um possante.
-Cadê ele?
                  Black vai em direção à uma janela transparente média e vou atrás dele. Do lado de fora, as gotas de chuva caem forte e vejo um carro velho e enferrujado parado à dez passos do cubículo. Esse carro deve ser dos anos 70, é preto e com certeza já bateu várias vezes, já que os retrovisores estão tortos.
-Isso não é um carro, é uma carroça. -comento.
-Hey! Não precisa falar desse jeito, tá bom?
-É a verdade, eu não vou andar nisso, é humilhante.
-Então faz alguma coisa.
                 Olho fixamente para o carro e as gotas de chuva caem ainda mais forte, tanto que não conseguimos enxergar o carro. Instantes depois, a chuva acalma e aquela carroça velha desaparece, dando lugar a um Mustang preto. Essa transformação fantástica surpreende Black.
-O... O... O que fez com o meu carro?
-Mudei ele, não gostou?
-Eu adorei, Naomi! Cara, eu tenho um Mustang! Um Mustang!
-Isso sim é um carro decente.
-É meio incomum eu dizer isso, mas... Obrigado, não sei como te agradecer.
-Faça o que eu pedir, isso será meu presente de agradecimento.
-Tá, quando vou te ver de novo?
-Você tem celular?
-Óbvio que eu tenho.
-Então me passa o seu número.
                    Pego meu celular, Black fala seu número de telefone e salvo na minha agenda.
-Mantenha ele sempre ligado, posso ligar a qualquer momento. -falo.
-Tá bom.
-Ótimo, agora tenho que ir, a chuva já parou e já resolvi meu assunto com você.
                    Pego minha bolsa, Black me acompanha até a porta e fala.
-Gostei da sua visita, cúmplice, espero que volte mais vezes.
-Quando você arrumar esse cubículo, cúmplice, aí eu posso pensar no seu caso.
-Tchau, cúmplice.
-Até mais, cúmplice.
                    Black fecha a porta e eu passeio pelas ruas úmidas de Cliverland. Poças de água tomam conta do lugar, o sol volta a brilhar de novo e as pessoas andam pelas ruas novamente. Pego um táxi e, enquanto volto para casa, arquiteto o meu plano. Eu e Black temos que ir para a casa do Thomas para ver se Lynn o visita. Preciso fazer alguma coisa para os dois novamente. O pior é que ambos vão descobrir a mentira que eu contei e a maldição que eu lancei. Ai meu Deus... Estou ferrada!... Espera, não... Não, eu ainda tenho uma última carta na manga... Eu vou provocar vários acidentes para Lynn, se ela tiver sequelas, ótimo, se ela morrer... Será melhor ainda.

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