O cabelo branco caía sobre seus ombros, alguns dos fios macios descansando em frente ao seu rosto. Sua expressão era pacífica, exceto pelo vinco entre suas sobrancelhas, e sua respiração levemente acelerada. Por um momento pensei em acordá-la, mas quando movi minha mão, ela relaxou, respirando fundo e relaxando por completo. O pesadelo deveria ter evaporado.
Aithne Arshyen.
Essa mulher à minha frente era algo curioso e único. Uma mulher que estava me causando enxaqueca de tanto pensar. Essa situação toda na verdade estava me deixando exausto. Ter uma madeira enfiada em meu estômago não foi algo muito gratificante também.
Aithne lembrava minha mãe de certa forma. Pelo menos as coisas que minha avó me contou sobre a mulher que me deu a luz.
Hella foi a filha de uma dos vampiros originais. Vampiros originais são nada mais nada menos que os primeiros vampiros da história. A mais de mil anos atrás, um grupo de pessoas acabou irritando os deuses, e em troca, receberam uma maldição. A maldição os deixava imortais, fazendo com que eles vaguem pela terra sem ter a permissão de morrer, sedentos por sangue humano.
Essa maldição era um tanto ridícula ao meu ver. Você se torna imortal — ou quase isso —, não envelhece, não fica doente, tem a força, velocidade, agilidade e sentidos aumentados, e em troca precisa apenas beber sangue. Isso não soava muito como uma maldição para mim.
Minha mãe acabou sendo morta por meu pai, após eu ter nascido. Mas minha avó, uma original, acabou me salvando do homem e cuidando para que eu sempre tivesse tudo do melhor. E acabei matando meu pai anos depois. Ele não era o parceiro de Hella. Vampiros só conseguem procriar com seus parceiros — algo que muitos demoram a encontrar, mas minha mãe acabou engravidando do dejeto não humano.
Hella viveu algumas centenas de anos a mais que eu. Ela merecia ter vivido mais.
Engolindo em seco, afastei as memórias. Isso estava longe de ser algo que eu precisava agora.
Tendo 237 anos, essa não era a primeira vez que eu ia para a escola. Me matriculei em diversas escolas, academias, entre outros colégios. Fiz tudo isso por inúmeros motivos. Mas dessa vez era diferente. Qualquer humano ficaria surpreso com a quantidade de vezes em que eu estudei.
Eu tinha compelido reis e rainhas a me darem títulos de nobrezas, me tornando um aristocrata durante os anos. Vi reis caírem, dinastias crescerem. Fui duque, marquês, libertino na maioria das vezes, mas nunca havia me casado. Não. Me casaria apenas se encontrasse minha parceira, mas isso não havia acontecido até agora. A única mulher que teria meu coração, segredos e minha alma seria ela, aquela com quem eu compartilharia essa ligação.
Tudo isso é deprimente. E tudo isso estava me deixando nervoso pra cacete.
Grunhi internamente com toda essa ideologia. Precisava de um cigarro. Um cigarro feito por bruxas especificamente. Apertei um botão ao meu lado, que avisava para o motorista fazer uma parada. O homem encostou o carro em silêncio.
O lugar todo se encontrava em silêncio. Aithne, o motorista, a estrada.
Sai do carro, arrumando o sobretudo ao redor de meu corpo, me agasalhando mesmo sem precisar. Estávamos em uma estrada cercada por floresta. Olhando em volta, tudo o que podia se ver era mato, árvores e a cor verde predominante. Alguns pássaros faziam barulho, folhas caiam em um som mudo, e o vento balançava os galhos.
Respirei fundo, sentindo o ar gelado entrar em meu corpo, e uma fumaça branca sair de meus lábios em contato com a temperatura fria do lugar.
Me encostei no metal gelado escuro do carro, afastando um dos lados do sobretudo e tirando a pequena caixa de cigarro do bolso. Peguei um dos tubos de dentro, devolvi a caixa de volta do lugar e peguei o isqueiro, acendendo a ponta do tranquilizante mágico.
Tragando o tubo profundamente, senti o relaxamento instantâneo conforme a nicotina das bruxas entrava em meu sistema. Liberei a fumaça por uma pequena abertura entre meus lábios, observando enquanto Aithne saia pela porta do carro. Seu rosto estava cansado, o cabelo branco, assim como a neve que cobria algumas folhas à nossa volta estava um pouco bagunçado, de uma maneira sedutora que me deixava com vontade de passar os dedos pelos fios. E o nó estava de volta entre suas sobrancelhas bem desenhadas e arqueadas.
Aithne parecia perdida nos pensamentos, tanto que nem percebeu meu olhar avaliador em sua direção. O pesadelo devia ter mexido com ela.
Seus olhos encontram o cigarro em meus dedos.
— Esse é um daqueles? — Indaga, indicando com a cabeça. As orbes azuis curiosas me observando.
As íris eram de uma cor interessante. O azul gelo dominava boa parte, mas agora, na luz do dia, eu conseguia distinguir o roxo centralizado no centro dos olhos. Interessante.
Concordo com um aceno, estendendo o cigarro em sua direção. Por um momento, penso que ela não vai aceitar, mas Aithne não pensa duas vezes antes de tirá-lo de minhas mãos. Ela segura, prendendo entre dois dedos e traga o tubo, puxando a magia para dentro de si. Continuo em silêncio, observando seus lábios em volta do fino cilindro. Isso era perturbador, de uma maneira lasciva.
— Você não fica tentada?
Aithne me olha sem entender.
— A floresta. — Ergo meu queixo para a mata a nossa frente, cruzando meus braços no peito enquanto a observava. — Não fica tentada a se transformar?
Ela traga profundamente uma última vez antes de me devolver o cigarro.
— Bastante. — Responde liberando a fumaça. Seu olhar fica nostálgico enquanto observa as árvores. — Sentir o vento no pelo do lobo, poder correr sem se preocupar com mais nada, se sentir... livre. É inexplicável a sensação, não tem como colocar tudo em palavras.
Continuo a olhando, hipnotizado com a maneira de como ela fala. Colocando seus sentimentos para fora. Aithne era intrigante.
— Consigo ouvir tudo na floresta, uma gota d'água caindo na folha, um passarinho pousando no galho.
Aithne continua olhando para longe, agora em silêncio. Queria dizer para ela continuar falando. Porque tudo que eu desejava, agora, era ficar ouvindo todas suas histórias e sentimentos. Nesse momento, ansiei ouvir oque se passava por sua cabeça, qual sua história no mundo sobrenatural. Desejava saber quem realmente era Aithne Arshyen.
24/04/2021
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Stygian
VampireUm colar mágico, disfarces, um romance de vilões, inimigos em comum... Eu tenho um plano para seguir, um legado para cumprir. O colar perdido da família é o que preciso para ter o controle. Se eu precisar usar disfarces e me forçar a ter paciência...