Alma branca

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Quando o solavanco do passo em falso de sua montaria o pegou desprevenido, sua cabeça chicoteou e os seus olhos conseguiram finalmente se abrir. O último trabalho fora pesado e cansativo. Caçar aquele servo de deus filho da puta foi demorado demais. Além do mais, a noite na taberna da "velha dente amarelo" tirara suas ultimas forças. Tanto que quando arrebentou os cornos daqueles quatro filhos da puta que quiseram passar a perna nele no poker, enquanto esperava seu serviço chegar. Piedoso, ele resolveu não matar todos, mas apenas os deixar bastante machucados. O que já fez valer à pena.
Quando encontrou finalmente o padre pilantra, do qual o haviam contratado para levar, vivo ou morto (ele sempre preferia a última opção) por não ter pago pelas meninas que havia comprado do maldito "ticano", para serem suas "ajudantes do senhor", ele não pensou muito e foi logo pulando as preliminares. Sem paciência, depois de ter certeza que o velho gordo como um lagarto teiu, era o seu alvo, puxou e descarregou seu revólver naquele  desgraçado que fedia a mijo e banha de porco. Para o seu azar, o filho da puta aguentou todo o tambor do seu colt 45 descarregado em sua carcaça redonda e rosada. Só então, depois de arrebentar um barril de cerveja na cabeça dele, é que o infeliz foi finalmente encontrar o diabo. Pensando  naquilo, ele riu enquanto se aproximava balançava no lombo de sua montaria teimosa como uma mula, no meio daquele inferno sobre a terra . "Como seria a recepção de um padre no inferno?" Se pôs a perguntar em silêncio. "". Seu sorriso se alargou no seu rosto marcado pelo tempo, ainda mais escuro pelo sol, do que de nascença, e com uma barba a um mês por se fazer. Ele queria estar bebendo uma cerveja e fumando um longo cigarro quando isso acontecesse. Então ele avistou ao longe e com as vistas embaçadas pela serpenteantes ondas de calor que dançavam nas areias quentes da beira mar, uma sombra enorme.
Resfolegando, a sua égua castanha pintalgada de preto, se arrastava esgotada pelo o solo escaldante e fofo a queimarem seus cascos.
Sem querer perder mais tempo ali, com as esporas de suas botas ele cutucou a barriga dela, tentando a convencer a seguir avançando um pouco mais rápido, pois logo ali a frente o vulto turvo poderia ser um bom abrigo. Contrariada ela relinchou alto em protesto, como que se dizendo preferir ficar fritando ali debaixo do sol, e no meio do nada, a ter que seguir em frente. Mas com mais dois fortes estímulos perto das suas virilhas cansadas, e a contra gosto ela foi.
Quando se aproximaram um pouco mais ele percebeu onde estava, era a baía dos sortudos". Ali era um cemitério naval.
Vários barcos que eram pegos pelas correntes das águas calmas, porém traiçoeiras, eram arrastados para a baía e acabavam encalhando nas pedras, deixando os afortunados presos em ondas que eram verdadeiros moedores de carne, e os que escapavam ficavam a mercê de um mar de areias escaldantes e a própria sorte( ou falta dela),  que dava então o seu nome.
Rodeado de carcaças de barcos, canoas, e uma infinidade de embarcações, uma em especial se destacava das outras ressecadas e retorcidas pelos ventos e pelo tempo. Uma enorme carranca em formato de Dragão ornamentava onde era a proa, com a sua bocarra escancarada ameaçando quem viesse a sua frente. As cores dourado e vermelho do navio que antes poderia ter sido uma visão bela e magnifica, agora era um borrado opaco de grená e amarelo ovo. Embora parecendo estar mais viva do que as demais, o aroma que saia dela parecia dizer exatamente o contrário.

O navio estava inclinado em um ângulo estranho, atolado em uma duna enorme, deixando a mostra um enorme rombo no seu casco e que por ele dava para ver o seu interior, e um pouco do que estava lá dentro esperando a curiosidade dele ser saciada.
Receosa a égua castanha relinchou e estancou onde estava, cravando os cascos e ferraduras, decidida a não mover se quer um centímetro a mais. Ele poderia gastar suas esporas, ou abrir sua barriga com ela, que nao avançaria nem um centímetro a mais.
Sem saída, ele apeou da cela e se dirigiu sozinho até o navio inclinado. Não precisou muito e suas ventas foram inundadas pelo odor pútrido e açucarado que saia do buraco a sua frente, fazendo os seus olhos lacrimejarem quase que imediatamente. Puxou a gola da sua camisa por sobre boca e nariz e com cautela ele retirou o seu Colt 45 do coldre.  Por precaução deixou o cão para engatilhado para trás, preparado para o que de pior viesse, e a surpresa não o pegasse. Nas suas costas ainda havja o seu bom e velho Winchester 73.
Ao longe sua égua relinchou como um aviso funesto. Ele sentiu um arrepio em sua nuca.

Ampolas De SustosOnde histórias criam vida. Descubra agora