Missa da meia noite.

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- Que merda de lugar é esse Bruno?
- Sei lá. Esse GPS tá louco.
- Se tivesse entrada onde disse, a duas horas atrás, a gente não tava perdido agora.
- Se não tivesse dito em cima do laço, eu tinha entrado certo. Mas fica vendo essa porcaria de twitter. Caralho hein, Pri? Puta merda hein.
Cruzou os braços e ficou encarando a estrada escura como breu diante do para-brisa. Não havia postes, não havia estrela, não havia lua. Apenas a dos faróis do Corvette. O casamento era em duas horas.
- O bom é que vamos chegar pra bodas de prata.
- Ou pro velório. O mina feia da porra, eu disse pra ele. Não se casa com ela. Tem...
- Cuida a estrada, se não a gente para na jamaica.
- Bem que eu preferia. Bem que eu preferia. Ó, entrar a proxima a direita. Agora vai.
- Caralho, até que em fim.
Ligou a seta e entrou.
- Será que a cuca mora aqui?
- talvez o It
Gargalharam alto.
- Não disse, olha o balão vermelho ai na frente.
- puta merda, é verdade.
Logo adiante, os farois iluminaram e avistaram mais ao longe uma velha igreja de madeira, afundada na escuridão
- Porquê um casamento no meio do mato? Olha, vou te contar.
- É aqui? Parece um filme barato do exorcista. Olha essa igreja, feia pra caralho. E aina tiraram a cruz, que doidos. Nem pra passar uma tinta por cima da marca.
- Não chora. Arruma essa grunha de cabelo e vambora.
- Perai, não desce. Não é aqui. Não tem nenhum carro parado.
Sua mão o segurou pelo ombro, enquanto ele tirava o cinto de segurança - olha isso. Aqui não é o casamento.
- Aqui no GPS mostra que é.
- E qual igreja você colocou?
- E, eu não sei escrever então?
- Cala a boca. Não tô dizendo isso criatura, só olha se colocou certo. A igreja é Sagrada oração de Deus.
- Puta merda Pri, tá me testando, aqui ta escrito sacro cora.... Puta que pariu. Teclado filho da puta. Olha o que tá escrito.
- Sacro coração Ateu.
Ela revirou os olhos enquanto passava a mão nos cabelos.
- Porra, e tem uma igreja com esse nome? Pra quem eles rezam? Pro Dabura?
Ele gargalhou alto, enquanto ela encarava ele, sem entender a referência ao Dragon ball.
- Azar, vou ali perguntar se eles conhecem outra igreja aqui perto.
- Não, não vai. Entra no carro e vambora. Não deve ter ninguém ai.
- Tem sim, tem uma luz acesa no último pavilhão. Olha lá ó - apontou ele para a parte mais para trás da igreja, mostrando uma luz vermelha, parecida com aquelas salas de revelar filme fotográfico - e ficar mais 3, 4 horas nesse cú de mundo? Mas nem fodendo. Ou vou pro casamento ou pelo menos encontro o caminho pra casa.
- Bruno, por favor, vamo...
A porta atrás dele bateu enquanto o som dos cascalhos sendo pisados ficavam para trás a cada passo dele até a igreja.
Era um prédio velho de um andar só que lembrava um enorme galpão de madeira. Com uma torre ao leste, conectado ao galpão principal. Era tão velho que dava pra ver o mofo nos cantos altos, próximos as cumeeiras e na base de pedras de basalto, onde madeira já havia apodrecido de tal maneira, que só em estar de pé já era um milagre. Pra deixar tudo pior, toda ela era pintada de vermelho. Parecia que haviam pintado ela um pouco antes de chegarem, por que dava para ver a tinta escorrendo e pingando no chão. Porém era uma tinta diferente, pois o seu cheiro era mais metálico, lembrando o cheiro de cobre, enjoativo. Seu estômago embrulhou. Lembrou que ainda não havia contado, que estava grávida de duas semanas. Sorriu em silêncio. Ele sempre quis ser pai, e agora ele ia poder ser. Pensou em contar no casamento e pedir ele, em casamento. Eles sempre foram diferentes, buscando fugir do tradicional. Era isso que fortalecia a união deles, e, era isso que iria fazer eles ficarem juntos para sempre, deus querendo ou não.
De repente ela deu um pulo no banco, e o seu coração quase saltou pela sua boca. Sentiu uma fisgada na lateral da pequena barriga que recém estava se formando. Olhou para o lado e viu ele, de olhos arregalados.
- Abre, abre a porta - era o que dava pra ler nos lábios dele, enquanto liberava as portas.
O clic da tranca subindo fez ele parar e levar a mão até a maçaneta e, entrar no carro e se sentar em frente ao volante. Os primeiros pingos de chuva começaram, tímidos, mas ja davam as caras.
- Puta que pariu, puta que pariu.
Ela encarou ele com olhos arregalados, assustados, o coração ainda pulava em sua garganta.
- O que foi porra, o que foi?
Então ele riu. Olhou e riu. Ela deu um soco de leve no braço dele, zangada com aquilo.
- Vai se foder Bruno. Que o pariu. Achei que tinha acontecido algo - ela respirou fundo e sentiu novamente a dor na lateral do estômago. Levou a mão nela e fez uma careta de dor. Bruno ficou só olhando Vai se foder.
- Calma preta, calma - ele ainda sorria - não aconteceu nada. Más, lá dentro é uma piração. Acho que a igreja é temática.
- Como assim?
- Só tem boneco lá dentro. Mais nada. Mas é muito louco. Desce e olha comigo. A gente filma e bota no insta, no Tik Tok, no orkut, sei lá. Só desce e olha comigo. Você vai gostar.
- E o casamento?
- Que casamento? Olha que horas são. Meia noite?
- 11 e quarenta e cinco da noite.
Ele a abriu os braços.
-Já era, foi pra banha, fudeu, "perdemo".
- Bru... A gente disse que ia ir, nós somos padrinhos... Ele...
- Que se foda. Ele só nos convidou pra se aparecer. Ele foi promovido e quer mostrar pra todo mundo. Ele nem gosta da feiosa.
- Caralho Bru, não fala assim.
- Mas é verdade. No serviço ninguém gosta dele. Acho que nem a feiosa cabeça de galhada gosta. Mas ele tem ó..
Fez um sinal esfregando o polegar contra o indicador, como se contasse notas de dinheiro.
- sério? Ele...
- Sim. Agora, vamos lá. Vamos, desce e vamos. O celular tem bateria?
Ela revirou os olhos.
- Sim.
- Então partiu. Abriram as portas do carro e desceram.
Olhando para baixo ele foi reparando que o chão de cascalhos estava manchado com a mesma tinta fresca que haviam pintado o galpão, e como nas paredes, ela ainda estava molhada e grudando nos calçados.
- que nojo isso
- o quê?
- essa tinta.
Abriram a porta. Entraram.
La dentro, assim como por fora, tudo estava banhado no tom escarlate. Paredes, chão, teto, tudo e também como o lado de fora, a tinta estava fresca. Com a ponta do dedo, ela tocou no encosto do banco, e quando puxou, um fio pegajoso veio junto. Com cara de nojo ela limpou sua mão no seu vestido.
- Quê nojo, isso. Vambora Bru?
- Calma, a gente recém entrou, espera só mais um pouquinho.
Nos bancos, haviam muitos, muitos bonecos sentados. Eram dezenas deles, chegando quase a uma centena de bonecos rígidos e de semblantes monótonos. Estavam vestindo roupas de coroinhas, como se esperassem uma missa de domingo, e a julgar pela quantia deles, uma convenção de coroinhas. Suas roupas estavam reluzentes como se tivessem passado goma laca. Mais adiante, um outro boneco, aparentemente maior, bem maior, e muito mais bizarro, estava de pé. Ele usava vestes iguais a de um padre, um pastor, com uma estola por debaixo da gola milimetricamente dobrada. Porém, ao contrário da cor branca como era comum a estola era vermelha carmesim. Como um deboche, o boneco tinha o rosto feito de osso branco como o sorriso de uma criança. A cabeça era enorme, de um carneiro descarnado e com os seus chifres longos retorcidos para trás. Sua roupa e os seus sapatos, assim como a dos coroinhas brilhava como se linóleo negro. Ele estava com os braços estendidos para a frente, como que saldando alguém, orando ou abençoando o grupo de fiéis de plástico a sua frente. Atrás dele um púlpito havia sido montado sobre um pequeno palco. Sobre o púlpito havia um livro, ou Bíblia, grande e grossa, aberta sobre ele. Três cadeiras de metal, estavam vazias, um pouco mais atrás, e montada em uma meia lua, aguardando por alguém.
Enquanto isso, o cheiro de ferro, de cobre, inundava o ar.
De repente a chuva acelerou e engrossou, batendo com força sobre o telhado velho de zinco, fazendo uma cacofonia ensurdecedora.
De repente um sino badalou, reverberando por toda "igreja", causando tremor nos anfitriões que continuavam em suas posições nos bancos.
- Está filmando? Isso é muito doido. Vai bombar na internet.
- Eu quero ir embora, vamo bruno.
- Espera, tá ficando cada vez mais doido, isso vai bombar.
Ele sorriu e pegou o celular da mão dela, ligou a câmera e começou a andar por entre os bancos, filmando e tocando em tudo, até tomar outro susto quando a segunda badalada do sino retumbou, o fazendo quase derrubar o celular.
- Puta merda
- Jáa foram duas, vamos. Em. bora.
- E vamos pra onde? Rodar até acabar a gasolina? Se o sino tá tocando deve ter alguém cuidade desse circo de horrores aqui. Olha esses bonecos, parecem de verdade.
Ele se aproximou e puxou o cabelo de um, tocou na sobrancelha de uma outra e depois cutucou o olho de uma criança. Todos eles estavam estáticos, pareciam os bonecos de cera do Madame Tussauds, tamanha a perfeição de cada um deles. Todos vestiam roupas vermelhas, que pareciam estar molhadas, úmidas. Sem aguentar mais ficar ali e ninguém aparecer, ele se aproximou ainda mais dos bonecos e viu que um deles tinha um tipo de costura, remendo, em seu pescoço, próximo a clavícula.
- Esse daqui não está finalizado. A tinta, a cera, ainda está fresca... Que estranho?
- Tudo isso é estranho, quem iria montar algo assim, no meio do nada, pra ninguem ver? Não tem lógica.
Ele franziu a testa e seguiu olhando em sua volta, quando notou outro boneco com o mesmo defeito. Estranhou e olhou mais atentamente aos demais e viu que todos tinha as mesmas costuras, nos mesmos lugares.
- Pri, olha aqui.. olha esses...
A terceira badalada pegou os dois de surpresa, o que fez ela gritar de susto e cobrir os ouvidos com as mãos.
- Amor, amor, tá tudo bem, tá tudo bem, e só o sino.
- Minha barriga dói, tá doendo muito.
- É cólica?
Ela nada disse, apenas Grunhiu e caiu no chão vermelho e grudento.
Se revirando de um lado para o outro, ela segurava a barriga com os dois braços, encolhida na posição fetal. Seus dentes rangiam, enquanto gritava abafado por entre eles.
- Pri, amor, o quê foi?
De repente uma trombeta gutural foi soada, ecoando por todos os cantos, entrando em seus ouvidos, inundando suas cabeças de medo, de um modo ensurdecedor, forçando ele também a cobrir os ouvidos com as mãos e se ajoelhar ao lado dela.
Então assim como ela começou, a trombeta também parou.
Assustado, Bruno se levantou e correu até a porta para sair dali. Mas antes que pudesse completar sua fuga, ela sozinha se fechou em um estrondo que balançou o galpão velho de madeira. Atrás dele, sons de madeira estalando se fizeram ouvir. Virou-se e notou que o anfitrião diante do altar, já não estava mais na mesma posição. Agora estava com as mãos erguidas sobre a cabeça, como se segurasse ou, esperasse algo pousar sobre as suas mãos de palmas limpas e abertas. Acompanhando a estranha figura, os manequins de cera também começaram a estalar, em um coral macabro e singular. Apavorado, Bruno se virou para a porta e a forçou, tentando abri-la à todo custo.
No chão, priscila urrava de dor, segurando a lateral de sua barriga. A dor era tanta que chegou a se urinar enquanto se contorcia, se lambuzando na tinta pegajosa do chão escarlate. Lutando contra a dor, ela se ajoelhou e apoiada num dos bancos, ela conseguiu se levantar e se sentar ao lado de um dos bonecos, que agora estavam em uma posição diferente, virados e olhando para eles. Assustada ela procura Bruno pelo salão, mas em meio aquela bagunça, não o viu. Desesperada saiu do banco e se pôs de pé. Quando olhou para a porta, ela o encontrou desesperado na maçaneta da porta.
- Bru? Onde você vai? Bru, Bruno?
A trombeta soou novamente, soando uma terceira vez.
Com as mãos nos ouvidos, ambos se viram para a frente, em direção ao altar, olhando o que parecia mentira.
A estátua de vestes negras, face longa e chifres retorcidos, orava. Orava em alto e bom som, em uma lingua indecifrável, enquanto ainda erguia as mãos para o alto, na espera de algo cair sobre elas.
De joelhos, os manequins estralavam suas juntas ao dobrar seus joelhos de plástico, diante dos bancos velhos de madeira, em sinal de reverencia ao seu líder macabro.
- É chegada a hora, grande senhor do sheol, senhor dos andarilhos das penumbras, moradores das profundas. O senhor de casco fendido, amante das meretrizes, pai dos desajustados...
Em desespero, ela se levantou segurando a sua barriga que espetava de tanta dor, como se o se algo forçasse para sair, tentando rasgar suas entranhas. Então seus olhos resvalaram para o seu pulso e ela viu o seu relógio. Marcava 00:00.
- Que seja chegado o momento ao nosso senhor caído da luz, que retorna até nós no dia e hora onde o fim e o começo São um só.
Então os bonecos viraram suas cabeças como uma horda de corujas, na direção dela, enquanto alongaram suas pernas com dobradiças rangendo, se colocando de pé. Era possível ver que pregos enormes de ferros estavam cravados atravessado nas juntas das pernas e braços, o que dava o som metálico a cada movimento deles. Com sorrisos rasgados eles se moviam na direção dela, que em desespero gritava pelo seu namorado que nada fazia, a não ser lutar para abrir a porta.
Acuada ela tentou se defender, mas nada tinha o que fazer contra dezenas de mãos duras como aço negro, que a agarravam, a puxando na direção deles e a forçando a se levantar.
- Bruno, brunoo, bruuunoooo..
Mas o seu lamento era em vão, pois nada mais importava para ele, além de sair dali.
- Bruno, me ajuda....me ajuda..
- Me deixa sair, me deixa sair, eu cumpri com o combinado, agora me deixa sair e concede o meu desejo.
Os olhos dela arregalaram. E o medo foi substituído pela dúvida e uma raiva repentina
- Desejo, combinado? Que porra é essa Bruno? Fala de uma vez, caralho.
Antes dela ter a resposta dele, que estava estático e apavorado, a criatura de estola vermelha virou sua cabeça lentamente, estalando a cada movimento lento e robótico. Com a sua voz metálica lhe respondeu.
- O que todo mundo quer desse mundo imundo e falsamente criado por um falso criador, progenitora. Mas o nosso senhor é generoso e verdadeiro.
Sem abrir sua boca descarnada de cabra, o ser a encarou com olhos profundos e vazios, enquanto continuava com a resposta.
- Ele enxerga em seu âmago aquilo que realmente está destinado à ter. Então, que assim seja, receba o seu prêmio.
Sem esperar a sua ordem, os bonecos se largaram ela e se viraram na direção dele. Com passos duros e lentos e barulhentos, eles marcharam em direção a porta.
- Porra, porra, me deixa sair caralho, eu cumpri com o combinado, seu mentiroso filho de uma puta, eu cumpri.
Em agonia ele esmurrou a porta com suas mãos nuas e fechadas, abrindo feridas profundas nelas, de tanto golpear a madeira pintada de vermelha. Quando viu que não ia conseguir, ele começou a chutar, e quando a ponta do seu pé estralou, levando uma dor lancinante até a sua nuca, ele gritou de dor e raiva. Sem saida só restava lutar.
Afastada, Pri nao tinha mais nada a fazer, a nao ser olhar. Confusa, com dor,machucada e assustada, ela viu quando as criaturas, bonecos, seja lá o que fossem aquelas coisas pegaram bruno. Desesperado ele atingiu os primeiros com socos e pontapés desordenados e desesperados. Quando ele derrubou o primeiro, o segundo e o terceiro, seu coração chegou a imaginar que ele conseguiria se salvar, e depois... Salvar ela. Ele iria, ele amava ela, ele iria ser pai, eles e amavam.. ele iria salvar ela...
Então ele gritou, de raiva, medo, de dor. Sorrindo os bonecos o agarraram. Como se brincando, eles pareciam um bando de formigas carnívoras sobre um louva a deus valente. Com um movimento seco, o boneco mais a frente virou o braço dele para trás em um ângulo estranho, o partindo ao meio. O grito de dor de bruno foi de gelar a alma. Lágrimas escorreram do rosto dela que assistia impotente. Então o outro braço foi agarrado e da mesma forma mutilado. Atordoado e em choque, ele não reagiu quando o mesmo foi feito com as suas pernas. Seus olhos estavam brancos e revirados para trás, quando outros quatro manequins macabros chegaram com marretas de ferro e com pregos incandescentes e pontas em brasa. O estampido de cada martelar fazia Priscila dar um pulo sentada no banco molhado de vermelho. Em frente ao púlpito, o pastor infernal rezava e boca fechada, sua prece mórbida no seu idioma desconhecido.
Quando terminaram de pregar, eles o ergueram. Parado no ar, sem ninguém segura-lo, ele ficou como que suspenso por cordas, por amarras invisíveis. Abrindo caminho lentamente surgiram então mais dois bonecos de vestes religiosas. Um portava uma navalha, e outro um carretel de linha negra e uma agulha dourada.
Foi rápido.
Num piscar de olhos o pescoço de bruno foi aberto de uma orelha a outra. O sangue quente jorrou pela ferida como um cano estourado. Estranhamente o liquido vermelho não foi recolhido e nem escorreu para o chão, mas sim para cima e para os lados, em direção ao teto e s paredes. Aos poucos as laterais e acima dela começaram a ficar mais e mais vermelho, como se enxugassem, bebessem o sangue dele. Então ela entendeu o porque de tudo ser de um vermelho vivo e sempre fresco. O que transbordava caia se esparramava pelo chão.
O próximo passo foi rasgarem suas roupas que assim que sairam de eu corpo, incendiaram sozinhas, virando cinzas em pleno ar. No lugar dela, os bonecos vestiram vestes idênticas as que ele usavam. Por fim, o rasgo na sua garganta foi finalmente costurado.
Quando os coroinhas diabólicos sairam da volta dele, um sorriso desengonçado estava formado no seu rosto e ele se juntava ao coral de sombrios servos.
- ele está recebendo o que pediu. Sucesso e vida longa. Sucesso nos lhe damos, a vida longa ele acabou de receber. Para sempre ele servira ao nosso grande pai do breu, do umbral.
Com lágrimas molhando seu rosto cor de café, Priscila agora cercada pelos manequins que antes havia cercado seu namorado, ela encarava o ser de face ossuda e sorriso seco.
- O que ele fez, um pacto com o diabo?
O ser nada disse. Apenas a encarou.
- fale, ou vai me dizer que comeram a sua língua?
Nada mais uma vez, mas ao contrário de antes, algo ele fez. Abaixou sua mão antes erguida para os seus e apontou para ela. Sem esperar, os seres plastificados diminuíram o cerco e a tomaram em suas mãos. Dentre eles, o mais novo membro, seu antes amado Bruno.
Desesperada e tentando lutar, ela esperneou, gritou, tentou bater com suas mãos, mas nada fazia efeito nos bonecos de cera. Com ela erguida no ar, suspensa por varios braços e mãos, ela foi levada até o anfitrião, o macabro cerimonialista. Largada sobre o palco, já sem suas roupas, nua como nasceu, ela ficou encarando o ser de chifres de carneiro. Logo quatro coroinhas se aproximaram e prenderam correntes em seus pulsos e tornozelos, que foram estendidas a longo do piso alto de madeira. Sua boca abriu para gritar por socorro mas nada saiu além de uma lágrima marcada no canto de seu olho.
Suas mãos frias e grudentas então tocaram sua pele 3 começaram a apalpar sua barriga ainda pequena e sem sinal de gravidez. Com medo ela o encarou paralisada, e sem forças para sair dali. Então como se fosse um obstetra, o ser de face ossuda, resvalou suas mãos mortas para sua virilha e depois para sus coxas. Apavorada, ela teve um rompante de coragem e esperneou para tentar se livrar dali, mas presa como estava, nada acontece. Então ela gritou quando a mão se enfiou entre as suas coxas a penetrando. Desesperada e sem ter como sair, sua saida era gritar, e assim ela fez. Em resposta, apenas o silêncio, as faces sorridentes a olhando e o som da chuva batendo no telhado de zinco.
Enquanto ele a deflorava com punhos, dedos e unhas de plastico, ela sentiu algo mover em suas entranhas, forçando, se revirando em seu ... Útero.
"Não pode ser" pensou para si. " Não pode".
A reza recomeçou.
Enquanto seus dedos dançavam dentro dela, o padre mórbido recitava algo que seus ouvidos e a sua mente não conseguiam identificar, mas estranhamente entender. Ao seu redor, a plateia de plástico e sorriso artificial acompanhava atentos a tudo.
Dor. Dor e mais Dor.
Parecia que seu interior estava pegando fogo, como se a marcassem com ferro quente e brasas, de dentro para fora, enquanto algo, lutava para sair.
Suando frio e agonizando e dor ela se contorcia como se estivesse deitada em uma chapa quente.
- Ó grande pai das sombrias terras sem sombras. Senhor de todo sheol. Pai dos agouros. Senhor dos desesperados. Pai dos descaminhados. Senhor da égua descorada. Pai do cão das trevas. Venha ate nós, marche mais uma vez na luz da amanhã, assim como o seu nome diz. Seja belo, seja sorriso, seja dor, seja a fenda no casco e a marca na lama negra. Hoje você retorna ao que lhe foi condenado, para onde foi relegado. Venha. Tome o seu lugar.
Sem acreditar, ela olhou para baixo e viu a sua barriga ser empurrada para cima por dedos. Dedos longos e ossudos tentavam rasgar sua pele, abrir caminho para fora dela. Sua garganta doeu quando em um ultimo desespero gritou por ajuda, por clemência, por favor. Mas alheio àquilo, ninguem a ouviu, a não ser os seus sinistros espectadores. Então a barriga sossegou e parou de ondular por dedos curiosos e tudo ficou calmo. Silêncioso.
Quieta, quietos e com cansada e dolorida, sua mente lutava para entender. O quê estava acontecendo, porquê estava acontecendo. De repente como se ouvisse seus pensamentos, o padre de cabeça de carneiro descarnado a olhou.
- O seu amado, a sua alma gêmea sombria, é alguém de grandes ambições. Ele sabe o preço a se pagar e apostou na mesa. Ele venera o nosso pai em busca daquilo que todo mundo deseja. Sucesso e vida longa. Hoje ele ganhou o que pediu.
- Porquê eu, porquê eu fui escolhida, qual a minha culpa.
Seus olhos brotaram água, enquanto rouca e quase sem garganta e voz ela buscava respostas.
O ser a encarou com um olhar perdido, vazio e interrogativo.
- Culpada? Você não tem culpa de nada, agraciada. Você e deveras agraciada.
- Pelo o quê - sua voz era apenas um fiapo.
- O seu amado plantou a semente em você, uma terra pura e não deflorada. Ele regou essa semente para que da flor que dela nascesse, o nosso grande pai pudesse brotar nessa terra que dele foi tirada. E hoje é o dia da colheita, meu pequeno vazo de terra pura e jamais lavrada.
Como que cronometrado, combinado, a dor lhe atingiu, apertando o ventre e correndo por entre suas costelas e por fim, pelo meio das suas pernas. Urrando ela se contorceu na mesa, mas as correntes a impediram dela cair. Seus olhos reviraram e sua boca abriu em um ângulo estranho, como se fosse uma cobra engolindo a sua presa. Os dedos que forçavam sua barriga para cima, de dentro para fora, sossegaram. Um alívio, um momento de alívio e toda aquela agonia e terror.
Atordoada, ela estava encharcada em suor, que esvaia e levava cada vez mais as suas forças, suas últimas gotas de força.
- Por favor, me deixa ir, por favor, me dei.... - Sua voz era um sopro, um fio fino e tênue. Seus olhos nao conseguiam se abrir. Seu corpo estava na última - ...xe.. deixe sa...sai..sair...
O padre cara de carneiro descarnado apenas a encarou. Ao seu redor, a horda de bonecos a olhavam com olhos vazios e sorrisos rasgados e falsos.
De repente o padre se posicionou diante dela, e abriu as suas pernas e estendeu as mãos, saudando e esperando algo chegar. Ela ainda tentou falar, protestar, brigar. Mas não havia mais nada para ela fazer, mais nada com o que pudesse lutar. Entregue, ela olhou para o teto, seus olhos reviraram e uma prece silenciosa e vazia preencheu sua mente. Chorou, ninguém a ouviu.. ninguém a atendeu..a acolheu.
- Seja bem vindo - recepcionou o padre descarnado.
Então uma sombra escorreu do seu interior, molhando suas pernas, rastejando para a cama e depois para as mãos frias e pegajosas que o esperavam. Imediatamente os bonecos se ajoelharam e juntaram as mãos em uma reza gutural.
- Enfim.. que seja feita vossa vontade.
A gosma preta se revirou, enrroscou, guinchou no colo macabro. Enrolado feito um gato no sofá, o verme negro de boca afiada, e inúmeras patas pequenas e pontiagudas, se espreguiçou e se estendeu para cima, se pondo a encarar todos ao seu redor.
- venham a mim meus filhos. Venham a mim...
Então os corpos de cera, plástico, de mentiras, desajoelharam e começaram a ir até o padre e o recém chegado verme negro. Caída, derrotada, deitada na mesa e acorrentada, Pri continuava com a sua reza, a sua prece, sua oração. Em silêncio, ela rogava que o seu fim chegasse de uma vez, implorava que aquele sofrimento terminasse de uma vez.. mas nada, nem ao menos isso seu deus, sua fé a escutavam.
Como uma torneira mal fechada, ela sentia sua vida agonizar e se esvair gota após gota.

Ampolas De SustosOnde histórias criam vida. Descubra agora