O homem doce

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Seus sapatos caros e brilhantes ecoavam a cada passo dado naquele corredor frio e úmido, do piso de cimento queimado e emborrachado que mais um dia ela atravessava, assim como atravessava duas vezes por semana. Aquela manhã havia começado bem, surpreendentemente diferente das manhãs anteriores. Com a sua pasta debaixo do braço ela se aproximava da sala do seu paciente do dia, o paciente 45b, mas que para ela e todo mundo ali no hospital, era conhecido como o " homem doce". Ele, ao contrário dos outros, era até agradável de se ver. Afinal, era difícil algo com doce no nome ser ruim, e como um doce ele sempre fazia bem para ela, lhe presenteando com balas e pirulitos que sabe-se lá como, ele tinha para lhe dar.
O homem doce além de ser práticamente uma quitanda, ele sempre tinha historias( e eram histórias boas por sinal) para lhe contar. Ela sempre ria quando era comparada com alguma celebridade histórica e desejo de algum sultão ou rei da antiguidade. De forma educada ele dizia que um dia, ela seria a sua donzela. Sorrindo ela agradecia lhe retribuindo com um elogio, dizendo que a cada dia ele estava mais próximo de sair dali, visto seu avanço clinico e a cada dia ele era mais e mais lúcido. E realmente era. Não fosse ele ter parado ali por tentativa de violência sexual e atentado violento ao pudor, ele ja estaria fora dali. Ela já havia trabalhado e visto muitos que tinham um sorriso encantador, olhos amendoados e um aroma de frutas, que não pensaria um segundo para lhe arrancar as tripas com os próprios dedos, seus olhos com uma colher ou seu enfiar o braço pelo seu reto. Então, mesmo ele sendo um doce com ela e todos ali no hospital psiquiátrico, ele nunca mais sairia dali, o que era bom para ele e, para todo mundo. Afinal, comida três vezes ao dia, um teto, cama quente e cobertas limpas e um chuveiro para se banhar, eram luxos para as ruas que ele iria, se não estivesse ali. A não ser, se ele um dia ele se casasse com ela. Ela sentiu um arrepio no pescoço e se sacudiu de leve.
- Bom dia Srta.Tuchel.
- Bom dia ... Hamilton.
Ele sorriu de canto de boca, e anuiu com a cabeça, enquanto levava a sua mão até a maçaneta da porta, abrindo o caminho para ela até o interior do quarto acolchoado do piso ao teto.
- Bom dia
Ele sorriu com seu sorriso largo em seu rosto marcado pelo tempo, mas com covinhas ainda vívidas em suas bochechas lustrosas. Seus olhos cansados se apertaram.
Com as mãos presas por amarras, ele estava sentado de frente a mesa plástica de cantos arredondados e totalmente transparente. Ela se aproximou e puxou a cadeira para se sentar.
- Pois então, como o senhor está, tudo bem?
Ele a acompanhou largar a pasta sobre a mesa, e quando viu o plastico repousar, seus olhos correram para os dela.
- Estou bem. Dormindo e comendo bem. Acho que não penso em sair daqui.
Tuchel estancou na mesa e o encarou com ar de surpresa, enquanto ajeitava os óculos
- Têm certeza? Seria fácil. Maaass...
- Tome - ele deslizou sua mão direita pintalgada pela idade sobre a mesa e, quando a recolheu ficou para trás uma grande bala de caramelo.
- Um dia você vai ter que me contar como faz isso.
- Um dia, um dia..
- Espero que não demore.
Ele sorriu - não, não vi demorar.
- E quando vai ser? - ela perguntou colocando a mão ao lado de sua boca, como se fosse cochichar algo em segredo para ele, se inclinando sobre a mesa.
- Quando me permitir jantar com você, e assim sermos um só novamente- ele respondeu da mesma forma, e sorriu mais uma vez. - como você esta?
- Estou bem, obrigada.
- Isso me deixa feliz. Odiaria que estivesse triste.
- Eu também. Mas me diga, como andam sua evolução? Esta tomando os seus remédios, fazendo a fisioterapia?
- Graças ao bom Deus. Se eu quiser ir para a minha casa, eu preciso me comportar. Foi você quem disse - apontou para ela e piscou.
- Isso mesmo, e todo seu progresso eu repasso para o reitor que está cada dia mais contente com ele, esperando poder lhe colocar no trem para a sua casa.
- Amém.
- Me diga, quem cuida da sua casa enquanto você tira férias aqui?
- Ah meu bem, pode ficar tranquila, eu deixei dois enormes trasgos de guarda na entrada do meu castelo. Dúvido que alguém se atreva a tentar entrar nele com dois trasgos das montanhas como cães de guarda. Fora, a vintena de elfos do sol que ficam nas ameias. Sabia que, quem me deu ele foi o grande r...
- Rei arthur? Sabia. Você sempre me conta isso. Vocês deviam ser bastante amigos, não é mesmo?
- Amigos? Nos éramos praticamente irmãos. Seus conselhos era eu quem os dava. Sem contar que todas as poções era eu quem fazia. Desde uma poção para uma simples dor de barriga, até uma transmutadora para ele poder ir em alguma festa nas vilas sem ser reconhecido. Ele presava muito pela privacidade. E as donzelas, elas morriam de paixão por ele. Você tambem morreria.
- Acho que não, ele não faz o meu tipo.
- ah faz sim - ele piscou e sorriu. Ela se endireitou na cadeira.
- Você era praticamente o mago Merlin?
- Praticamente não, eu era ele. Mas depois que ele se foi, o Arthur, eu sai a rodar o mundo. Nessas andanças eu fui muitos e muitas, provei e experimentei de tudo um pouco, eu precisava disso e queria conhecer esse mundo. Um pouco antes de vir parar aqui, eu passei um tempo com Kan e antes dele tirei uma vintena de anos prazerosos em Eldorado. Já ouviu falar? - Antes que pudesse responder ele continuou - Cidade linda, linda. Lembrar dela me deixa triste. - O olhar do velho homem de pele enrugada, cabelo branco e barba rala e igualmente branca, brilhavam como uma criança em noite de natal.
- Falando nisso, ele adoraria conhecer você. Sua beleza o encantaria.
- Grato, ó grande mago.
- Ao seu dispor milady, ao seu dispor.
Ela fez uma mesura.
- vamos recapitular, perguntas importantes para confirmar o seu avanço.
- vamos lá - seus olhos brilharam.
- como você veio parar aqui, Sr Linerm?
Ele tamborilou na mesa transparente, suspirou e ergueu os olhos na direção dela.
- Bem, eu estava na rua, com o meu carrinho e as minhas coisas, quando eu encontrei uma moça, por sinal nada bela... Em comparação a sua beleza milady, caída no chão, próximo a um container de lixo. Ela estava deitada em um ângulo estranho, de bruços, com as pernas abertas uma para cada lado. Eu..
- Mais alguém viu isso?
- Não, apenas eu ela naquele beco úmido e fedido. Então... Eu a chamei baixinho, não sabia quem podia estar ali. Ela nao falou nada. Então cheguei mais perto e chamei de novo. Nada. Pensei que ela estava morta. Me aproximei mais pouco e vi ela gemer baixo. Senti um alívio e então cheguei bem perto e toquei no seu ombro. Ela resmungou algo e eu a virei de barriga pra cima. Então eu vi que sua blusa estava rasgada e seus belos e fartos seios brancos como aveias, estavam para fora, molhados e sujos por causa do chão imundo. Me afastei com um pulo pra trás, entao ela se sentou e suas calcinhas estavam puxadas ate o joelho. Ela estava sonolenta e quando me viu, ela deu um grito, parecia um carneiro ao ver a faca antes de virar um assado. Me assustei e pedi pra ela parar de gritar. Nao adiantou nada, pelo contrário, piorou. Então logo. Seguida outras pessoas se aproximaram em seguida a polícia. O resto a senhora e eu ja sabemos. Me acusaram de tarado e furnicador. Agora estou aqui. Pelo menos tenho comida, cama e um chuveiro quente. Sabe quanto e difícil tomar um banho quando se mora na rua? Deus.. e incrivelmente difícil.
- imagino. Mas Sr Linerm, de onde você veio? Como veio parar aqui?
- ja disse, eu vim da Gran Bretanha. Rodei o mundo por muito, muito tempo, ate que vim parar aqui a una duzentos anos. Perdi tudo o que tinha jogando, em bordéis e atrás da minha amada. Eu penei tanto atras dela. Até que senti ela por aqui. Suspeito que ela esteja aqui, mas não tenho certeza.
- sua amada, sei.. ja me contou sobre ela. Mas me diga, novamente, porque vocês se separaram?
- porque mentiras e ganancias sempre fazem isso, sabia?
- imagino. O que ela fez?
- colocou-me contra a minha família. Meu coração não aguentou a traição e então sai em busca dela, para vingar a minha família.
- você nunca mais a viu?
Vi sim, muitas vezes, em muitos lugares, mas sempre que tinha a chance de ter a minha vingança, meu coração me entregava e nós recomeçavamos, até que o ciclo recomeçava. Então eu a perdi, e vim parar aqui. Com você.
Ela se endireitou na cadeira quando olhou novamente, havia um bombom enorme sobre a mesa.
- Eu poderia entregar o mundo aos seus pés, bastaria você pedir - seus olhos a encaravam brilhantes e ávidos, esperando a esperada resposta.
- Você é muito galanteador, sabia? Assim vai e me engordar.
- o quê é uma vida seca, sem caldos e ensopados. E principalmente alguem para lhe aquecer no inverno. Pernas magras não geram calor.
Ela sorriu de canto de boca.
- Aposto que teve muitas namoradas.
- Além do que realmente eu merecia, mas apenas uma realmente mereceu o meu coração. Eu a perdi e nunca mais a encontrei. Até hoje. Mas você tem algo que me faria a esquecer.
Ela pensou em responder, mas então ele pediu silêncio com um dedo diante deu seus lábios, e antes que ela pudesse falar algo novamente, ele puxou uma bela trufa de chocolate.
Ela suspirou e ficou o encarando. - assim eu vou ter que fazer regime a cada vez que vier lhe ver, Sr Linerm. Ele retribuiu com um sorriso, ela sorriu em resposta, e se ajeitou na cadeira(mais uma vez).
- Bem, acho que hoje nosso encontro já terminou.
Os olhos verdes dela, e sua pele cor de cuia, se destacavam naquele ambiente sóbrio, frio e totalmente branco. Somados a armação dourada de seu óculos e o eu vestido com estampa afro, faziam com que ela sempre fosse muito aguardada no hospital. Os guardas trocavam olhares ao longe, como e fosse um código morse de somente deles, para comentar o que achavam, pensavam e desejavam dela. Ela sabia, sabia disso tudo e se divertia com tudo aquilo, imaginando o que eles diriam se soubessem que ela era casada com antropóloga renomada Thamisa. Quando estavam juntas, o que não era frequência, ela se encantava com as história contadas pelo seu paciente, o Sr.Linerm, e das cantadas enrustidas dele em cima dela. Ela sorria e dizia desejar conhecê-lo.
Arredou a cadeira e arrumou a sua pasta. Ajeitou o seu vestido e novamente o seu óculos. Olhou no relógio e viu que ainda estava 2minutos adiantada até o seu próximo paciente. Este, muito menos interessante, embora fofo. A senhora ramirez sempre oferecia um ótimo almoço.
- Pois bem Sr. Linerm, nos vemos na próximas semana. Até lá, se comporte faça exatamente o que tem feito e seu trem para a seu castelo e seus trasgos, estará bem próximo da plataforma de embarque.
- com certeza - fez uma mesura e distribuiu mais um farto sorriso.
Ela entao sacudiu os dedos diante dele, num tchau descontraído.
Um som grave e áspero chamou a sua antenção, a fazendo se virar de novo para o Sr. Linerm.
- Sabe, senhora Tuchel, eu já lhe disse um milhão de vezes que à admiro e que sua vivência muito me interessa. Sabe...
Ela ficou parada onde estava. Um sorriso nervoso tremeu em seu rosto belamente desenhado. Segurou firme a sua pasta e documentos embaixo do sei braço e sorriu novamente, fazendo o seu batom tremer.
- Sr. Linerm, vou ter que pedir que fique onde está, pois a sua aproximação pode fazer o seu progresso regredir e sua saída atrasar.
- Fique tranquila minha querida, eu jamais tocaria em um fio do seu cabelo sem a sua autorização. E principalmente, eu jamais faria mal a você, principalmente você. Que tanto admiro.
O Sr Linerm agora estava sem as suas amarras e de pé ao lado da mesa, apoiado em sua mão enrugada e pintalgada. Embora muito idoso, sua postura era jovial, se distanciando e diferenciando de sua frágil aparência. Ele mascava algo, algo cítrico e saboroso, fazendo o seu hálito mesmo que distante, chegar até ela. Gengibre, gengibre e canela. Como ele fazia aquilo?
- Sabe, eu acho que hoje vou lhe contar como eu faço o que faço e, como eu consigo os doces.
"Que merda, que merda. Como ele fazia aquilo, como ele conseguia?"
As amarras dele, ele não teria como tê-las soltado. Suas mãos até podiam ficar de certa forma livres, mas a distância entre elas era ajustada para que nenhuma das mãos pudessem ficar próximas, se tocarem, justamente para não ter o risco de serem soltas. Como ele fazia isso? Os guardas, isso deveria ser alguma pegadinha, ou vingança dos guardas. Que merda.
- Minha querida, fique tranquila. Eu não vou fazer mal algum à você. Só desejo mostrar o que eu posso fazer - ele abriu a sua mão e dela uma nuvem de borboletas formou um um turbilhão dentro da sala, borboletas azuis, vermelhas, pretas e metálicas. Algumas transparentes como água, ou multicoloridas como um espelho refletindo o sol
- E que posso fazer por você - então as borboletas viraram Doces, doces com asas, e depois suas asas viraram chuva que molharam seu cabelo, suas roupas e toda a sala. Entao caíram no chão que os engoliu como um lago que engole gotas de chuva. Ondulações se formaram no piso branco.
- E o mais importante, mostrar a SUA verdade.Você me encanta e quando digo que ser você seria algo magnifico, é a mais pura verdade.
- Então saia daqui e faça uma faculdade e se forme em psicologia, o mercado é grande. Tem trabalho para todo mundo.
Ele sorriu. Ela se virou para a porta.
" Cadê a porta"?
O quarto estava vazio, com a excessão dos dois. Não havia porta, não havia a janelinha da porta. Não havia a maçaneta. Não havia nada." Puta merda"
- Não se preocupe com o almoço na casa da senhora ramirez, você vai chegar a tempo.
Seus olhos se arregalaram.
Então ele não era o velho homem de antes, agora ele era jovem e com olhos puxados como um asiático. Nem a voz era a mesma, mas era ele.
" O que colocaram no meu café?"
Ao lado dele havia um cavalo e estavam numa planície verde e erma, sem nada alem de uma planície verde com montanhas brancas ao fundo. Atrás dele uma turba de homens montados em cavalos, atravessava a planície. Eram tantos que se perdiam no horizonte e saindo de trás destes, filetes negros e esfumaçado subiam ao céu como troncos negros e árvores esturricadas após uma queimada causada por um raio. Eles falavam em um idioma estranho e nunca ouvido por ela. Eles vestiam armaduras de couro fervido e tinham espadas presas em bainhas que por sua vez estavam presas tanto em suas costas, quanto próximas as suas pernas. Outros tinham aljavas com flechas e arcos atravessados em seus peitos. Pareciam contentes com algo. Uns sorriam e comiam carne que parecia crua, e outros apenas comiam. Eles não a viam. Ou pareciam não vê-la. Sentiu um aperto no eu braço que a forçou a se virar. Um homem a segurava, e só soltou quando quem deveria ser o Sr Linerm se aproximou e a pegou.
- As minhas andanças pela velha Mongólia foram maravilhosas. Não acha? Você nunca vai ver algo assim em toda sua vida. Pode ser até mais belo, mas igual nunca.
Ela olhou ao seu redor e realmente era uma visa linda, linda e assustadora.
- Gêngis Khan era um homem justo, feroz, mas justo. Eu já lhe disse isso não?
Então, quando ela virava a cabeça mais uma vez, a paisagem ia mudando a medida que seus olhos acompanhavam as montanhas brancas no horizonte, e o céu acinzentado já não era tão triste assim. Agora, ele era límpido e azul sem nuvens. Ondas de calor serpenteavam diante dela, ao mesmo tempo que o som de algo estalando no ar se misturava com bramidos guturais. Olhou para baixo e viu que ela também estava diferente. Seus pés calçava sandálias douradas e encrustadas com pedras coloridas. Olhou para sus mãos e estavam igualmente enfeitadas. Anéis de ouro enfeitava seus dedos agora cor de ébano. Uma mulher de roupas velhas se aproximou e entregou para ela algo que parecia uma baixela de prata, tão reluzente que parecia um espelho. Ela quase caiu para trás. Olhos negros maquiados e delineados fortemente de preto a olhavam de volta através daquela peça de prata. Assustada deixou cair no chão árido sob o seus pés. Uma liteira vinha um pouco mais atrás, carregada por serviçais. Antes dela chegar, um home forte e de tronco largo e pele negra se aproximou. Ele sorriu quando a viu.
- minha querida, esta gostando? Diferente não é? Pelo menos não e frio e nem tem cheiro de bosta de cavalo. De camelo, mas não de cavalo.
Ele sorriu novamente. Quando prestou atenção viu que diante dela um enorme monumento estava sendo erguido. Estava em seus fundamentos, mas estava sendo erguido. Trabalhadores eram chicoteados a cada erro mínimo ou simplesmente por maldade, abrindo valetas profundas em suas carnes, fazendo sangue escorrer por elas.
Então a liteira finalmente chegou. Com escárnio de dor os serviçais a repousaram no chão quente e estenderam um tapete para quem estivesse dentro dela não pisasse na areia escaldante.
- Se ajoelhe. Agora..o faraó não é tão acessível quanto o imperador mongol. Não olhe ele nos olhos, ele é um " Deus".
Ela não exitou, apenas obedeceu.
Uma lingua estranha foi dita e uma ordem dada. Sem saber como ela entendeu e começou a se levantar e junto trazendo o seu olhar.
- Pode levantar a cabeça.
O tom de voz era outro.
E o céu também. Era sempre o céu.
Era noite. Uma noite chuvosa e pesada. Haviam homens ao redor. Usavam armaduras pesadas e metálicas. Longas espadas estavam em suas mãos, e sangue escorria carregado pela pesada chuva. Corpos mutilados estavam espalhados pelo campo antes verde, mas agora negro pela noite e enlameado e pisoteado por cascos, ferraduras e rodas, lembrava mais um campo de batalha, ao invés da bela e antiga inglaterra.
Diante deles havia uma rocha, uma enorme rocha com uma lâmina encravada nela, com todos eles ao redor apenas a observando. Ela não entendia, parecia que estavam esperando alguém.
E estavam.
Mas quem?
O som dos cascos chapinhando na lama verde se fez ser ouvido, o que fez os soldados ali de pé se ajoelharem sobre uma perna.
Imponente ele cruzou o corredor formado por corpos metálicos e estáticos ajoelhados em respeito ao recém chegado. O único de pé ali era um velho homem de túnica púrpura que empunhava um grande cajado em uma mão, e na outra uma espada. Ele a encarava sério. Olhar compenetrado. Sem mover uma única palavra ele conversava com ela.
"Está diante de um momento histórico minha querida, um momento que apenas lendas e livros de historias pitorescas nos narram hoje em dia como se fossem contos da carochinha. Contemple minha bela e amada Morgana le fay, contemple o nascimento do grande rei...
Os homens então se levantaram quando o cavaleiro desceu de sua montaria e se aproximou da rocha encravada pela lâmina brilhante. Com as suas próprias espadas eles bradavam " salve o rei arthur, salve rei arthur, salve o rei..."
Seus olhos cor púrpura brilhavam diante daquilo, ela, como ela estava vendo aquilo, vivenciando tudo aquilo. Como podia? Era um sonho, devaneio, efeito de drogas, alucinógenos?
Então a voz falou com ela
" Não minha amada, não é sonho, porem você vem fugindo a muito tempo disso, hoje essa fuga se encerra"
"Sr Linerm. Sr Linerm. O que ele fizera?"
Não, ele não fizera nada. Ele apenas estava fazendo o que havia lhe dito, ele lhe mostrando a verdade, ou seja, ele estava fazendo ela relembrar o que sua mente havia a feito esquecer, apagar de suas memórias.
Então ela abaixou o seu capuz e o jogou para trás, fazendo um arco de água jorrar, espirrar. Sua capa de veludo púrpura reluzia ao luar. Seus braços antes cruzada sobre diante de seu peito, desceram e ficaram ao lado do eu corpo belo e voluptuoso. Um brilho escapava de sua mão.
O rei então chegou até a rocha e a encarou por alguns instantes. Ele era grande, de peito largo e braços fortes, visíveis mesmo por debaixo da pesada armadura. Sua barba estava encharcada e pingava na chuva pesada que caia naquela noite. Então sua mão se ergueu e foi em direção a espada encravada no bloco acinzentado diante dele.  Com esforço ele começou a puxar a lâmina, que mesmo resistente, nao dificultou sua saida. Então ele sorriu, sorriu em silêncio, sem som, apenas com seus lábios enfezados. Ele então ergue em direção a lua e sua luz que caía sobre a lâmina, a espada de origem fantástica. Neste momento todos ali partilharam junto dele a mesma felicidade e esperança que recaia sobre seus ombros e no fio brilhante da bela arma.
Parada observando tudo, estava ela, a Sra. Tuchel. Ela encarava o Sr Linerm diante dela, ou seja, o mítico e histórico mago Merlin. E ela, ela a conhecida Sra Tuchel, mas também a grande e poderosa Morgana Lefay, a temida feiticeira Lefay.
Seus olhos miravam com pesar aquele velho homem que havia lutado para ela, e por ela, para que a aceitassem e deixassem de revirar os olhos para ela, sempre que estivesse presente.
De repente a espada caiu das mãos que fraquejaram ao segura-la, a deixando tombar na lama. Os olhos correram em todas as direções tentando entender e encontrar o que poderia ter atingido o seu rei. Então, todos a encontraram.
Sua mão estava ainda levantada e em direção ao futuro salvador, a condenando, e chamando toda a atenção e culpa para ela. Caído o rei estava com uma resfolegando seus últimos suspiros de vida que se esvaia de seu corpo, através do brilho prateado cravado em seu peito.
Ela tentou protestar, falar, apontar, mas sabia que não a ouviriam. Sem saída ela não viu outra saida, se não conjurar um portal, e dali ela sumir enquanto flechas, gritos e espadas avançavam sobre ela. Para trás ficaram os gritos de Merlin, seu tutor e amado que ainda a clamava por ela.
- Por eras, e mais eras, eu a busquei, procurei, e a odiei, a odiei com todas as forças do meu coração, as mesmas forças que a faziam amá-la.
A dor era visível no seu rosto que voltou a ser velho, e cada palavra dita tinha o peso de uma estrela morta, dentro dele. Aquilo a machucava.
- Sempre que a encontrava eu a perdia e quando aplacava a fúria que no meu peito crescia, alguém a tirava de mim. Nós vivemos, morremos e revivemos, mas sempre acontecia algo que por fim nos afastava. O tempo que empreguei em sua caça, também acabou aplacando o meu ódio e amargura que tinha por você. A dor pela perda dele foi demais, mas o meu amor o sobrepujou e passei a desejar por tudo o que fosse mais sagrado, um dia a encontrar novamente. E esse dia chegou.
- porquê nunca me disse, porque esperou tanto, porquê não tentou me ouvir?
- O que você fez me machucou e, cego de raiva eu não percebi o que estava diante dos meus olhos. Eu me negava a ver.
- A mim também, eu não consegui lidar com a sua duvida, e naquela noite eu sabia que deveria cumprir a minha sina, a minha, a nossa missão. Mas então eu percebi que ele poderia ter salvação e as escrituras poderiam ser reescritas. Eu percebi que entre nós havia um...
- Traidor
Ela o encarou. Seus olhos cruzaram o dele e um misto de confusão e raiva o miravam.
- Mas mesmo assim você estava certa. Ele precisava ser parado, Arthur precisava ser parado. E você fez isso, fez por nos dois. Eu, cego pela perda e por não aceitar o que estava diante diante dos meus olhos e hesitei. Achei que culpando você, essa dor seria diminuída quando eu finalmente a matasse. Mas todas as vezes em que eu a perdi nessa sandice que atravessou eras, eu fui aos poucos me desconvencendo de que isso estava certo. Então deixei que meus sentimentos, os verdadeiros, me guiassem.  Quando desisti de encontrá-la, eu resolvi me penitenciar a viver uma vida de humildade e expiação. Assim fiquei, até o dia em que um mal.entendido me fez parar aqui e por fim..
- Me encontrar.
Ele baixou os olhos para a mesa, mirando suas próprias mãos velhas, pintalgadas e enrugadas sobre a mesa de acrílico. Ele estava preso novamente.
A sala havia voltado ao normal, tudo estava normal. Porta, maçaneta, cadeira, mesa... Tudo no seu devido lugar.
- Sabe, me alegra saber que ainda me ama, mas me alegra ainda mais, saber que ainda te amo. Amo de uma forma e tamanho ainda maior do que antes. Obrigada.
Os olhos velhos e caídos do Sr Linerm então se ergueram sutilmente.
- Você não deve me agradecer, eu infringi tanta dor e destilei tanto ódio no silêncio do meu coração.
- Mesmo assim eu agradeço, agradeço por me permitir relembrar tudo isso, eu realmente precisava disso, minha alma agradece.
Ele sorriu. De início sutil, mas aos poucos o sorriso abandonou a timidez, para tomar conta de seu rosto.
A Sra Tuchel se aproximou repousou suas mãos sobre as pulseiras de couro e correntes que o prendiam naquela mesa e se abaixou para que sua boca ficasse proxima ao seu ouvido.
Beijou seu rosto velho e disse.
"Livre"
As amarras instantaneamente se desmancharam em mil abehas gordas e cheias de mel, que sairam em direção a fechadura e por ela atravessaram a porta e sumira pelos outros corredores e celas haviam ali. Estranhamente os guardas não viram, ou pareciam mao ver.
- Me perdoe
Ele então se encolheu em dúvida, como se aquela palavra fosse um pecado.
- exatamente pelo o que meu amor? Afinal sou eu quem deve ser...
Ele engasgou. Seus olhos saltaram e começaram a se revirar em suas orbitas, enquanto sangue começava a escorrer pelos cantos de sua boca. Ele tentava se manter olhando para ela.
- Eu sempre soube que era você, tanto que confiei a você esse segredo. Mas quando falei que o seu destino era sombrio, você se negou. Eu vi mas escrituras que, seu orgulhos, egoísmo e ganância levariam você a acabar com esse mundo. E junto você levaria ele. Eu não podia permitir.
Ela se afastou, enquanto observava o velho homem outrora doce, a sua frente, com o pedaço de sua unha longa, cravada em seu pescoço frágil e velho.
- Era pra você ter dito a ele e se entregado, ele iria entender e sentir muito. Mas, iria tratá-lo com respeito. Afinal, você era muito mais do que apenas um mago, um conselheiro. Você era o seu irmão mais velho, o seu pai ou o pai antes dele, e ele não permitiria que algo de ruim fosse feito a você.
Os olhos esbugalhados a encaravam, desesperados.
- Mas não, não mesmo. Você preferiu zelar pelo seu sucesso, achando que poderia e deveria estar fazendo o certo. Seus conselhos eram valorosos, sua fama o precedia. Guiado por você, o rei iria criar guerras que iriam por o mundo inteiro mergulhado em caos e destruição, em um caminho sem volta. O traidor era você, você me traiu, você nos traiu, traiu o seu povo, o seu rei. E tudo isso por ganância. Você me deixou sem saida.
A cada segundo, a vida podre do velho homem ia murchando e esvaindo pela sua garganta.
- Eu não poderia matar você, meu mestre e meu amor. Então tive que pensar e improvisar. Você forçou a mão com a faca. Sem saida, eu fiz o trabalho torto e sujo, mas mesmo assim, ainda eficiente.
Ela caminhou mais uma vez e se aproximou de novo do velho homem.
- Mas como eu havia lhe dito, eu agradeço para você, por você. Agradeço por ter me encontrado e poupado o meu tempo em encontrá-lo. Hoje isso termina.
Sussurrando palavras incompreensíveis, e baixa como uma mentira, ela recitava, conjurava algo. Ela se aproximou e deu um beijo na boca rachada e enrugada do homem.
A pele dele empalideceu, e seus olhos saltaram deu seu rosto. Rachaduras começaram a trincar todo o velho corpo diante dela, enquanto seus lábios permaneciam conectados, grudados, presos.
Espamos violentos começaram a sacudir a velha carcaça que murchava a cada segundo a mais que permaneciam conectados.
Fumaça sai pelos seus ouvidos e sangue escorria e fervia pelos cantos de sua boca seus braços ressecaram como galhos esturricados pelo sol do deserto, e pouco cabelo caiu da cabeça do homem como folhas seca de outono.
Alheia a tudo isso, Morgana permanecia presa ao velho homem, com lágrimas escorrendo de seu rosto.
"Era preciso, era necessário"
Ela pensava para si mesmo, tentando diminuir a sua dor.
Então ela desprendeu seus lábios do dele, e quando fez, nao havia mais nada, apenas um corpo vazio, oco.
Bateu na porta e logo o guarda se aproximou e olhou pela janela diminuta. Abriu e viu que era ela. Ele sorriu e fechou a janelinha. Logo em seguida o som do trinco sendo girado e puxado para trás, se fez ser ouvido.
- Como foi hoje, ele se comportou?
- Como sempre, afinal ele é um doce de pessoa.
Sorriu.
O guarda precavido esticou sua cabeça para dentro da sala para conferir. O que ele viu foi o velho senhor Linerm com o seu rosto deitado sobre a mesa, com uma poça de saliva, de baba, sob o rosto dele, ensopando o acrílico
- Dormiu? Esse Sr Linerm e muito engraçado.
- Muito amável. Ó - ela levou sua mão até o bolso de seu vestido e de lá tirou uma bala de caramelo.
- Um presente dele.
- Não é seu?
- Não mais, não mais.
...

Ampolas De SustosOnde histórias criam vida. Descubra agora