Amigas Para Sempre

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Quando eu era pequena, eu tinha uma vontade de ter uma boneca que eu sempre via em propagandas na televisão, chegando a sonhar com ela muitas e muitas vezes. A vontade e os sonhos seguiram até o dia das crianças, quando finalmente eu ganhei do meu pai, ela de presente, eu tinha cinco anos. Era igualzinha a que eu via na TV. A cor era branca como leite, seu cabelo era preto e bem penteado e seu rosto com olhos puxados, boca fininha e roupa de gueixa feita de seda preta e rosas vermelhas desenhadas, era perfeita, era tudo que eu sempre quis.

Vivíamos grudadas como se fossemos irmãs e não nos separávamos nem mesmo quando íamos dormir. Nosso único momento a sós era no banho e mesmo assim, era nessa hora que eu aproveitava para lavar ela quando estava muito suja devido as nossas brincadeiras. Eu cuidava dela com todo o carinho, que uma mãe poderia ter com a sua filha, chegando a vezes em que eu conversava com ela de uma forma que apenas nós nos entendiamos

Os dias, os meses e os anos passaram, e por fim eu cresci. Fui para escola, fiz amigos e por fim namorados e por ultimo meu casamento.
Mas o meu amor pela minha boneca não diminuiu em nada, mas sim, apenas o tempo que passávamos juntas, até que o meu contato com ela era apenas ao vê-la sentada no meio da minha cama, junto com as outra bonecas e ursos de pelúcia que juntei ao longo dos anos.
Assim continuo até eu engravidar da minha filha e guardá-la junto com as outras bonecas em caixas embaixo da cama. Os anos passaram e quando no aniversário da minha filha de cinco anos, eu entrei no meu quarto para pegar o presente dela, e a encontrei sentada no chão sobre o tapete, com algo em mãos. Cheguei perto e a vi brincando com a minha boneca. Confesso que na hora meu deu uma ponta de ciúmes e uma agulhada de raiva, pois nunca em todos esses anos alguém havia chegado perto, e muito menos brincado com ela. Com pressa e sem pensar eu a tirei das mãos da minha filha que sem entender ficou me olhando com um olhar confuso e assustado. Então percebi o meu erro e meu apego bobo por um brinquedo do qual não brincava e nem via á anos. Dei um beijo nela e devolvi para ela brincar. Os dias passaram e todos os dias quando ia acordar ela para ir à escola, eu encontrava a boneca deitada com ela em sua cama. De inicio eu achei normal, mas depois que comecei a guardar ela no guarda roupas, eu comecei a estranhar o apego dela pela boneca, a ponto de se levantar no meio da noite e pegá-la para dormir com ela. Aquilo me trazia as lembranças de quando pequena, fazendo a mesma coisa. As vezes eu encontrava a boneca sentada nos pés da minha cama, mesmo depois de guardá-la também no armário. Cheguei a brigar com a minha filha, dizendo pra ela guardar no armário depois de brincar, para não fazer bagunça. Mas então me dizia que não tinha pego a boneca, o que me irritava e acabava me fazendo brigar e acabar pondo ela de castigo.
Os dias que se vieram, começaram a me assustar quando mais de uma vez eu peguei ela sentada no meio do nada, como na sala, no seu quarto, ou dentro do armário de brinquedos, conversando com a boneca, onde algumas vezes ela parecia zangada a ponto de chorar enquanto dizia que não queria trocar nada de lugar, e muito menos com ela. Outra lembrança na minha cabeça que me gelou a espinha, pois eu também havia feito aquilo quando criança, muitas e muitas vezes. Lembranças nada boas, que resolvi apagar.
Uma vez de madrugada eu encontrei ela tendo mais uma dessas "conversas" com a boneca, e resolvi com muito pesar separar as duas. Expliquei que teria de levá-la para tomar banho pois estava muito suja. Então a resposta dela me fez arrepiar. Olhando sério, ela disse que podia dar banho sozinha na boneca, igual eu fazia, dava banho quando pequena e que ela, a boneca disse que sentia saudades, saudades de mim. Eu paralisei. Fiquei a olhando e pensando se algum dia eu havia contado para ela, sobre as minhas brincadeiras e conversas com a boneca, quando ela mesma me deu novamente a resposta que já havia me dito segundo atrás, a resposta gelada me paralisou. - Ela, a boneca, me disse. Disse que ... " ela disse", não consegui ouvir mas nada, aquilo ficou girando na minha cabeça e me levou para longe e para anos atrás, quando ainda era da idade da minha filha, lembranças que levadas pelo tempo ou pela vontade de não mais me lembrar, eu havia trancafiado no fundo da minha mente, tentao apagar mais de uma vez e que agoa voltavam mais uma vez.
" Ela disse".
Aquilo ficou martelando a minha cabeça,
" Ela disse".
Sorri e dei um beijo no seu rosto e, expliquei novamente que precisava levar a boneca para deixar ela bem limpa e perfumada para ela brincar. Queimei a boneca na lata de lixo na rua, nos fundos de casa.
Coloquei ela na cama para dormir, e a primeira coisa que ela me perguntou foi sobre a boneca e como estava com saudade dela. Expliquei que a boneca iria demorar um pouco mais onde foi tomar banho e que talvez não voltasse mais. Então ela enfezou o rosto, e gritou que me odiava, por quê eu estava abandonando ela de novo, me encarou com os olhos de raiva e se virou para o canto da parede com as cobertas sobre a cabeça. Eu fiquei parada apenas olhando para ela, com aquilo na cabeça a martelar com o que já me incomodava antes, " ela disse", e agora, "me abandonar de novo" ...

"Meu deus, o que está acontecendo?". Foi a primeira coisa que pensei. Pensei tanto naquilo que precisei tomar algumas gotas de dipirona para aliviar a dor e dormir sossegada.
Quando amanheceu, acordei com o barulho do caminhão do lixo passando na rua. Levantei e fui olhar na janela da cozinha. Um alívio veio em meu peito, quando vi um dos recolhedores, pegar a lata de lixo e virar com as cinzas da boneca, e as sacolas deixo cheias na caçamba e sumir embora, quando virou a esquina.
O final de semana foi uma paz que a muito não tinha. Fomos ao parque, para passar o tempo, já que o pai dela estava viajando a trabalho. Brincamos, sorrimos e nos sujamos. Uma maravilha.
A noite pedimos pizza e maratonamos Jurassic park, que ela era fã e sabia de cor o nome de cada dinossauro. Pediu pra dormir comigo, pois estava com medo. Perguntei do que e ela não disse nada, apenas abaixou os olhos, enquanto remexia os dedos dos pés. Perguntei de novo e ela começou a sorrir, e me deu um beijo. No fim adormecemos no sofá, com ela abraçada em mim.
De madrugada eu ouvi um resmungo choroso. Não dei bola, e me virei para dormir de novo, já que ela falava dormindo quase sempre. Estava frio, levantei e conferi o termostato e estava 5 graus a baixo do normal. Arrumei mas continuo frio. Fui até o quarto para pegar uma coberta para nós, quando ouvi ela resmungando algo, de maneira braba e dizendo que não, não e não. Fiquei parada ouvindo. Então ela suspirou alto, quase como um bufado irritado, para no fim dizer um sim a contra gosto. Sorri e me perguntei com quem ela discutia no sonho.
Quando cheguei na sala de novo, meu coração gelou.
A boneca. Deitada ao lado dela.
As cobertas escorregaram pelas minhas mãos, enquanto eu tremia.
Minha garganta tinha uma pedra presa, que custei a engolir.
- Filha, filha, tudo bem
Falei com dificuldade.
Ela me encarou e sorriu. Sorriu e gargalhou infantilmente.
- Mamãe, mamãe, finalmente voltou. Eu tava com frio, vem.
Me aliviei e sorri de volta. Antes de deitar, fui até a boneca e a peguei por um braço. Ela apenas me olhou sorrindo.
Desci as escadas para a cozinha e larguei no lixo. Tire o saco e dei uns três nós e coloquei na lata da rua. Por precaução, coloquei uma pedra em cima e voltei correndo pra sala. Ela estava deitada, olhando para o teto.
Dei um beijo na sua bochecha gelada e me aconcheguei no lado dela. Puxei a coberta ate o pescoço e abracei ela, que aina olhava o teto.
- então é assim uma casa de verdade? Onde eu ficava era diferente.
Me virei e fiquei olhando ela.
- quando colocou fogo em mim não doeu. Mas eu te perdoo, agora você e minha mãe.
Meu coração pesou, gelou, minha alma pareceu sair do meu corpo, quando ela disse... Finalmente.
- Agora seremos amiga para sempre... Para sempre.



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