Annað

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Dois dias atrás

O silêncio da delegacia é interrompido pelo som ensurdecedor de metal atingindo o piso. Levanto os olhos da tela do meu computador e vejo o novato recolhendo as coisas do chão, ajeitando os óculos quadrados em seu rosto fino e sem cor. Suspiro e balanço a cabeça, vendo que todos o encaram. Péssima primeira impressão.

Levanto da cadeira e me aproximo da situação, recolhendo o que percebo serem bonecos de metal de figuras mitológicas. Franzo o cenho, mas logo volto a expressão neutra, entregando o boneco para ele.

— Obrigado — murmura, pegando o objeto das minhas mãos e percebo as dele trêmulas. Suspiro e balanço a cabeça.

— Sem problemas. Aquela ponta do tapete é um perigo — abro um sorriso amigável para abrandar a situação, me erguendo e estendendo a mão para ele. — Você deve ser o Denver.

— Isso, Sarah Denver, senhor — o garoto ajeita a postura rapidamente e bate continência, segurando tudo com o outro braço. Rio e balanço a cabeça, fazendo seu rosto ficar rubro. — É que minha mãe queria uma filha...

— Não estou rindo do seu nome. É que eu não sou o capitão — seguro seu ombro e coloco seu outro braço embaixo das coisas que poderiam cair novamente a qualquer minuto. — E Sarah é um nome legal. Vem, vou te mostrar o capitão da força policial desse distrito e aí você pode fazer toda essa saudação.

Caminhamos até o escritório do chefe Golden, de onde sua risada sonora sai como um trovão. Bato na porta com força três vezes, ouvindo uma confirmação antes de entrar, arrastando Denver comigo.

— Espera, espera... o seu nome é Sarah?! — vejo que Golden tem nas mãos a ficha de Denver, e já sinto pena do garoto. Ao meu lado, Sarah se encolhe embaixo da sombra de seu cabelo preto e espesso.

— Meus pais queriam uma menina e...

Seu discurso é interrompido pela abertura brusca da porta, que faz com que a persiana estale contra o vidro. A intrusa não é ninguém mais, ninguém menos que Daemi Munc. Golden abre seu famoso sorriso travesso.

— Minha criminosa favorita! — mesmo com o cumprimento caloroso de Golden, Munc se encolhe.

Ela está diferente da última vez que a vi, com o cabelo, antes vermelho vivo e ondulado, agora está preto como breu e liso com uma franja nova e mal cortada. Até sua pele escura sempre bem bronzeada e cuidada está cinzenta, além dos olhos verdes opacos, sem o brilho travesso de sempre e com duas covas fundas abaixo deles. Munc parece ter perdido peso também, e está com o aspecto doente. O sorriso que ela abre é tudo menos alegre.

— Oi Mark, quanto tempo.

— Bota tempo nisso. Agora toda vez que vem aqui só fala com o agente Skoringner. Assim vou ficar com ciúmes — provoca Golden, e eu o encaro seriamente antes de voltar meus olhos para Munc.

— Oi Aleks, gostei da nova camisa. É igual a todas as suas outras, mas essa te deixa menos... Idiota — o pouco da antiga Daemi volta e eu reviro os olhos com seu comentário. — Quem é o novato? — lembro pela primeira vez em algum tempo de Sarah ali.

— É o novo detetive. Sarah Denver — apresento os dois e escuto Golden soltar um chiado, como se segurasse a risada. Sarah, ao contrário do que esperava, estende a mão na direção dele, confiante.

— Você é uma criminosa então — ele diz, ameaçador, e cerra seus olhos cinzentos na direção da garota. Ela ri e aperta a mão dele, afirmando com a cabeça.

— A melhor entre todos.

— Então você deve ser presa! — Sarah arregala os olhos e aponta para Daemi. — Prendam ela!

— Relaxa, Denver. Ela é nossa aliada — explico, me sentindo cansado. Suspiro e passo a mão na nuca. — Daemi Munc é uma infiltrada da nossa agência que...

— Damei Munc, um anagrama de mendacium, que significa mentira em latim — Sarah me interrompe, falando como se fosse um robô programado. Arqueio as sobrancelhas.

— Sim? — respondo, confuso. Daemi parece não prestar atenção na conversa, analisando as unhas pretas.

— Tenho novidades do caso Sete Ruas — prossegue, imperturbada. — Erick Clarke foi visto nas avenidas Dois a Quatro, correndo de beco em beco enquanto alegava ser perseguido. Os outros usuários acharam que era apenas um surto da droga que encontraram com ele, mas uma testemunha disse ter visto o Vance pelas ruas principais, como se perseguisse Clarke por fora.

— Vance — Golden diz, com nojo carregado na voz. Sarah pisca seus olhos entre mim e Daemi.

— Espera, Vance? O líder da máfia Submundo? — ele encara Munc. — Você conhece ele?

— Eu conheço todo mundo — responde Daemi, enfiando as mãos nos bolsos do jeans surrado. — Enfim, essas foram as informações recolhidas até agora. Estou esperando relatório das ruas Seis e Sete.

— Obrigado Daemi, você está liberada — ela faz uma reverência exagerada, que faz Golden rir, e se retira. Acompanho ela com os olhos até sumir de vista.

— Não acharam que ela está meio estranha? Primeiro chega quase derrubando a porta...

— O que é completamente normal vindo dela — Golden me interrompe, balançando a mão na minha direção, como se não quisesse ouvir o resto da minha explicação. — Parece até que não conhece a Samba-Enredo.

— A... o que? — indaga Denver, franzindo o cenho.

— É como eu chamo ela. Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós — canta Golden, batucando na mesa. — Ela se livra de todas as acusações de roubo em que se mete, então eu digo que o Espirito da Liberdade ronda ela.

Sarah me olha, perdido, e eu apenas balanço a cabeça, dizendo para ele deixar isso para lá. Olho novamente na direção do elevador por onde ela saiu, me perguntando o que pode ter acontecido.

— Me dêem licença — murmuro antes de sair em disparada na direção das escadas.

Desço os lances com pressa, desviando de olhares confusos e segurando meu crachá, que bate contra a minha cara diversas vezes. Meu instinto policial diz que algo não cheira bem e eu preciso descobrir o que há. Quando alcanço o lobby da delegacia, Daemi já atravessava a porta giratória, mas com um impulso mais forte a alcanço, segurando seu braço com o máximo de delicadeza que consigo. Ela me encara assustada, de uma forma que nunca havia visto. Seu lábio inferior treme antes de sua cara amarrada voltar e ela se solta de meu aperto.

— Cacete Aleks! Tem outras formas de me mandar para o inferno que não seja me dando um puta susto! — exclama Dae. Limpo a garganta e ajeito a postura.

— Sei que você não disse tudo que sabe na sala do Mark — cruzo os braços e encaro seus olhos, mas ela não sustenta meu olhar. — Conta logo.

— Não estou escondendo nada sobre o caso, seu desconfiado.

— Mas está escondendo algo.

— O que é isso? Virou interrogatório? — agora ela me encara, com a familiar raiva-defensiva. — Você não precisa saber de tudo.

— Claro que preciso. Não é só porque você caiu nas graças do chefe do departamento de polícia que você é completamente impune. Se estiver aprontando...

— Vocês vão descobrir. Se eu for pega — arregalo os olhos e o sorriso malicioso costumeiro retorna para seus lábios rachados e pálidos.

— Você...

— Te vejo no camburão, detetive — e com isso ela gira nos calcanhares, saindo da delegacia. Na porta giratória, ela guarda um minuto apenas para me encarar com seu sorrisinho de quem aprontará, que me tira do sério, antes de desaparecer. 

Bufo e travo o maxilar, sentindo meu coração acelerado e o sangue correr quente pelo meu corpo. Meu instinto está certo. E seja lá o que ela está planejando, irei descobrir.

Almas Escuras {Loki}Onde histórias criam vida. Descubra agora