Sjöunda

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— DAEMI! — escuto Loki gritar e levanto em um pulo, correndo escadaria abaixa e tropeçando nos meus próprios pés.

Alcanço a sala de leitura em tempo recorde, considerando o tamanho desse apartamento, e empurro as portas duplas, pronta para encontrar uma tragédia nórdica. Mas assim que adentro a sala, encontro Loki encolhido em cima de uma mesa fugindo de nada mais, nada menos do que... os oito gatos de estimação dos meus pais.

— O que...?

— TIRA ELES DAQUI! — berra Loki, balançando uma almofada que tem nas mãos, para afastar os gatos que rosnam e tentam pular na mesa. — Xô! Xô!
Imito o som de água sendo espirrada e os gatos se dispersam, fugindo apressados. A manada branca e felpuda se aninha em uma das estantes vazias, como urubus esperando para devorar a carniça.

Reviro os olhos e ajudo Loki a descer da mesa.

— Como você conseguiu irritar um bando de gatos adoráveis e fofinhos como esses? — pergunto, o olhando com deboche.

— Eu não fiz nada! Estava apenas procurando o banheiro quando abri aquela porta e eles me atacaram! — Loki aponta e desvio meus olhos para a porta entreaberta da sala dos gatos. Coloco as mãos na cintura.

— Bom, se aquela foi a porta que você abriu, tem muita sorte do Tarantino estar na jaula.

— Quem? — como se para responder a pergunta de Loki, o tigre de estimação dos meus pais solta um rugido, de dentro da sua sala particular. — MAS QUE PORRA...

— Não grita, ele não gosta — aviso, me aproximando da lareira e pegando o pote dos petiscos, que está no mesmo lugar de sempre.

Balanço o objeto, fazendo o conteúdo chacoalhar e atrair a atenção dos oito pares de olhos dilatados. Jogo um petisco para dentro da sala, e a enxurrada segue atrás, mordendo a isca. Jogo o resto do pote para eles e fecho a porta, ouvindo rosnados, miados e rugidos.

— Não sei quem anda cuidando deles enquanto meus pais estão fora, mas andam fazendo um péssimo trabalho — comento em voz alta.

— Gatos... — ouço Loki resmungar e volto minha atenção para ele, o vendo esfregar as mãos pelo corpo como se para afastar os pelos brancos do conjunto de dormir de seda. — Prefiro cobras.

— E cavalos, e lobos, e trair a sua esposa — conto nos dedos. — Ou seja, você é um frustrado.

— Primeiro, Sigyn não é minha esposa. Segundo, já tivemos essa conversa. Terceiro, cala a boca e vai se foder.

— Você que manda, daddy —  suspiro e coço os olhos, cansada pela noite mal dormida. — Que horas são?

— Hora de você reconhecer sua insignificância humana e me deixar livre para voltar ao meu...

— Já são duas horas! — exclamo, encurtando o texto de Loki ao ler o horário no relógio da parede.

Subo as escadas correndo. Além de ter perdido metade do dia, meus pais podem chegar a qualquer hora. E não quero os ver antes da maior mudança da minha vida. Estragaria todo o clima.

Enfio o resto das minhas roupas em uma mala roubada de Virs, recolhendo tudo que já deixei para trás um dia. Pego também a arma de choque do meu pai em seu escritório. Pode ser útil contra deuses mega poderosos que podem fazer picadinho de Daemi em um estalar de dedos. Procuro por roupas confortáveis para roubar o deus dos deuses. Talvez devesse me arrumar mais para meu próprio funeral, mas tento manter as expectativas altas.

— Loki! Vem aqui! — escuto um barulho alto e levanto o rosto da mochila, congelando ao perceber que é o som da porta da frente. Mas meu coração acalma no peito ao ver que é apenas Loki, com metade de uma maçaneta na mão. Arqueio uma sobrancelha. — O que estava fazendo?

— Nada — o deus esconde o objeto atrás das costas. Fecho a mochila e a jogo por cima do ombro, estendendo uma mão na direção dele.

— Agora você irá falar a verdade — digo com uma voz retumbante e reviro os olhos como se estivesse sendo possuída.

— Estava tentando fugir — percebo pela expressão de Loki que a verdade saiu antes mesmo que ele pudesse a conter. Rio fraco e abaixo a mão.

— Garoto mau. Como devo te punir? — tombo a cabeça divertidamente, mas mantenho a expressão séria. Loki também não esboça nada, mas vejo seu pomo de Adão subir e descer com força. Aperto os olhos na direção dele. — Vou pensar em algo depois. Agora, coloca seu terninho e vamos ao trabalho.

Já na rua, dou uma última olhada no prédio onde morei metade da minha vida, lembrando de quão bons meus pais foram para mim. Apenas não era suficiente. Suspiro ao pensar no meu pequeno apartamento no centro da cidade, mas não há tempo para despedidas longas demais. Seguro o braço de Loki e o faço me encarar.

—Existe alguma forma de irmos para Asgard sem precisarmos ir para a Noruega?

— Não.

— Agora, a verdade. Me leve até o portal. E imite um apresentador de televisão enquanto fala — Loki me encara com raiva, e eu pisco meus olhos inocentemente. — Sorrindo.

Voltamos a andar e Loki ergue as mãos, com as palmas viradas para cima e um sorriso forçado. Escuto o barulho das sirenes interromperem suas primeiras palavras, e noto alguns carros de polícia rondando o perímetro, como se soubessem que aprontávamos. Mas as viaturas apenas seguem para o próximo quarteirão em alta velocidade. Me pergunto o que pode ter acontecido, mas volto minha atenção para o discurso de Loki.

— ...e por isso, existem formas diferentes de se comunicar com o portal para Asgard, e alguns deles são até modernos e discretos — explica Loki, sem poder conter a língua. — O que eu conheço nessa cidade é esse — ele aponta uma cabine de telefone amarela, em formato de orelha.

— Viagem através de cabines telefônicas! Como o Doctor Who! — exclamo, batendo palmas. Loki me olha confuso.

— Doutor quem?

— Exatamente — entro embaixo da orelha gigante primeiro, vendo o telefone. — E agora?

— Agora eu digito o código e rezo para que ninguém atenda — rebate Loki, entrando ao meu lado, e eu reviro os olhos.

Fico o mais longe possível dele, mas é difícil com o pouco espaço que tem ali. Loki tira o telefone do gancho e começa a discar.

— Plim, plóin, plém, plóin, plim, plim — ele faz o som das teclas, e eu começo a gargalhar.

— Mas que porra...

— Dae? — escuto a voz de Aleks e sua cabeça surge junto com a de Sarah dentro do orelhão. Os encaro com os olhos arregalados.

— O que vocês dois...?

— Atenderam — Loki me interrompe. De repente, o orelhão começa a brilhar.

— O que é isso?! O que está acontecendo?! — exclama Sarah, agarrando o braço de Aleks, que abraça meus ombros e me aperta contra ele.

— Loki! O que você está fazendo?! — berra Aleks, e um vento incessante começa a nos puxar para cima. Sorrio, apesar do nervosismo. Loki apenas olha na direção da luz, inexpressivo.

— Um bom filho sempre volta para casa.

Almas Escuras {Loki}Onde histórias criam vida. Descubra agora