Corro o mais rápido que minhas pernas permitem, sempre olhando para o pavimento molhado sob meus pés. Merda, não podia deixar meu cabelo molhar. Com esse pensamento, sinto a chuva atingir minhas mechas com mais intensidade, como se para me irritar. Tiro a franja ensopada da testa e avisto meu destino na próxima quadra. Acelero o passo e atravesso a rua sem olhar para os lados. Que se foda. Se me atropelarem, estou em cima da faixa, recebo indenização.
Alcanço a boate com o letreiro verde mais luminoso da rua escura, empurrando a porta com o ombro e logo sendo atingida pelo cheiro do local. Pessoas suadas, outros fluidos corporais, álcool, drogas e algo muito doce invadem meu nariz e reviram meu estômago. Preferia estar em casa, assistindo uma série ou só dormindo.
Foca no seu objetivo, Dae.
Inspiro profundamente, e me arrependo logo em seguida. Boate dos infernos. Abro caminho pela multidão, mantendo a cabeça baixa. O ar condicionado não devia fazer nem cócegas, considerando a lotação do lugar, mas o frio atinge em cheio minhas roupas e cabelo molhados. Droga, o dono desse lugar não pode me ver assim. Preciso estar a altura dele. Ajeito meu cabelo o máximo possível e torço para que minha roupa seque a tempo de ir encontrar ele.
Ergo meus olhos para reconhecer meus arredores, tendo a vista embaçada momentaneamente pelas luzes e pela fumaça fétida que sai de vários aparelhos espalhados pelos cantos do salão. Sério, qual a graça em ficar completamente desorientado? Engulo a bile e continuo a procurar meu alvo com o olhos. É claro que ele não está na multidão, sua idiota. Ergo a cabeça. Acima de todos, está o camarote, revestido de espelhos para enganar as pessoas e fazer o lugar parecer maior do que é.
Ele está lá. Ele tem que estar lá.
Encontro a escada que leva para o andar de cima. Vim nessa mesma boate por dias, para vigiar e analisar suas entradas e saídas, lugares secretos e segurança. Tudo memorizado na minha mente. Uma corda de veludo e um segurança estão entre mim e meu objetivo. E no topo das escadas, sei que há mais dois. Fácil até demais. Tiro um dos meus saltos e deslizo uma das alças do meu vestido até abaixo do meu peito, revelando o sutiã rendado. Esses seguranças são treinados para não se distraírem com nada que não seja trabalho. Então preciso arranjar uma desculpa que faça parte de seu treinamento.
Vou andando na direção dele, pensando na coisa mais idiota a se dizer.
— Você viu que chuvarada? Tomei um caldo! — solto uma risada esganiçada. — Entendeu? Caldo! Tipo do mar! — coloco o indicador na boca, deixando meus olhos divagarem pela muralha de carne na minha frente. Sua pele clara está com algumas marcas da barba recém-feita e o cabelo loiro bem aparado me lembra o irmão adotivo dele. O que é irônico. — Você me ajuda a pegar uma canoa pra casa? — rio novamente.
— Não tem ninguém pra levar você? — sua voz é ríspida e mais fina do que eu esperava, o que me faz ter dificuldade em segurar a língua. Faço uma cara triste e nego com a cabeça.
— Mas tem você! E meu cachorro! — ergo meu salto e me jogo nos braços do brutamontes, que tem a delicadeza de me segurar. — Vamos Troy!
Agradeço mentalmente os trabalhadores civilizados que seguem as normas. Assim facilita eu quebrá-las. O segurança revira os olhos, mas deixa eu me apoiar em seu braço — que mais parece uma tora — e segue em direção a saída.
Entramos no meio da multidão e ele usa seu braço livre para afastar os corpos, mas são pessoas demais para o gosto dele. Rapidamente, puxo uma garota que aparece em meu caminho, deslizando ela para o braço dele — que ela agarra de bom grado enquanto eu me livro. O homem com quem ela dançava faz uma cara feia e vejo que ele está colocando para dentro da calça o pinto mais feio que já fui obrigada a ver. Será que, sem querer, eu salvei a garota de um abusador? Faço cara de nojo para ele e saio andando, de volta para o camarote, imperturbada. Foco, foco!
Enquanto subo as escadas, ajeito minha roupa novamente e prendo o cabelo em um rabo firme, tirando de dentro do sutiã o relógio e o crachá que consegui roubar do segurança antes de fugir. Coloco o relógio e o crachá, finalmente parando no último lance. No topo da escadaria, estão as maiores portas duplas de vidro que já vi, guardadas por outras duas portas de músculos. Gêmeos, idênticos, de pele acobreada e olhos amendoados como os meus. Ambos usam o mesmo terno do segurança do térreo, crachá e o relógio padrão.
Conforme me aproximo deles, tento espiar o interior da sala guardada, mas tenho a visão bloqueada pelas muralhas de músculos.
— O que faz aqui? — perguntam os dois em uníssono e eu franzo o cenho, olhando entre os dois.
— Não estão vendo? — digo em um tom irritado, mostrando o relógio largo em meu pulso. — Fui chamada, estão me esperando lá dentro.
— Por quem? — questionam, novamente ao mesmo tempo. Bizarro.
— Pelo seu chefe. Vai, deixa eu passar. O segurança lá embaixo me deixou subir, ou eu não estaria com isso — jogo o crachá para cima, e os dois brutamontes se adiantam e batem a cabeça um no outro ao tentarem pegar o objeto.
Sem esperar que se recomponham, passo por eles e atravesso as portas duplas, adentrando o camarote, que está mergulhado em um completo breu. Tateio as paredes, sentindo que são de veludo, e caminho depressa pelo corredor. Ao encontrar um vão a minha esquerda, viro na direção e sou surpreendida por um clarão vermelho, que se divide em feixes que vão mudando de cor aos poucos, dando formas às sombras que há por ali. Pessoas em sofás de couro e postes de pole dance grudados em pequenos palcos redondos com dançarinas em cima estão espalhados pelo espaço, que é bem maior por dentro do que parecia por fora. Minha visão ganha foco e eu percebo que nem todas as pessoas são realmente pessoas.
Estou na presença de deuses e criaturas da mitologia nórdica, vestindo fantasias humanas ou revelando suas verdadeiras formas. E no meio de todos está meu objetivo. O deus da trapaça e da mentira. O maior pilantra dos países baixos e minha única alternativa para conseguir o que eu quero. Loki.
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Almas Escuras {Loki}
FanfictionDaemi Munc é uma ladra compulsória que tem um trato com a polícia. Ela delata criminosos e eles livram ela dos pequenos roubos que comete. Sua vida de crime começa a perder a graça, até que Dae tem um sonho. No sonho, ela caminha pelo salão de Odin...