O4 - meus pássaros de uma espécie (estão cada vez mais parecendo centuriões)

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! ! ATENÇÃO ! !

O capítulo a seguir tem os seguintes possíveis gatilhos, você foi avisado.

— Violência.
— Agressão.
— Morte.

capa feita por @/Wekiou no twitter

Três homens estavam em uma varanda que, um dia, havia dois. Um rei mortal, um príncipe mortal, e seu professor de olhos vermelhos. Nos jardins abaixo, viajantes estavam se reunindo, mais cansados ​​de sua jornada de todos os cantos do vasto reino. Até agora, mais ainda estavam chegando à capital, olhando em confusão de olhos arregalados, uma nota de recrutamento dentro de seus bolsos ou amassada entre dedos nervosos.

Todos os cidadãos do reino fisicamente aptos são chamados ao castelo do rei, todas as cartas diziam, transportadas de cidades agitadas para aldeias tranquilas por mensageiros nos cavalos de cascos mais velozes do reino e pássaros mensageiros que seguem suas rotas conhecidas por o vento. Guerra está chegando, e está na hora de defender sua terra-mãe.

A carta de recrutamento passava a especificar que apenas aqueles com mais de dezoito anos deveriam ser incluídos no exército do rei. Muitos escolheram ignorar aquilo. Entre a horda que chegava lentamente ao coração do reino estava um menino de cabelos castanhos um ano antes da idade estipulada. Ele manteve o capuz de seu surrado manto, para que ninguém pudesse ver os traços de infância ainda gravados em sua pele como uma marca.

Alguém notou. Era uma menina com os cabelos tão rosas quanto os hibiscos que cultivava em seu jardim. Ela morou na cidade por toda a sua vida. Uma vez, um homem com os mesmos cabelos cor de hibisco entrou em sua loja de flores, seus olhos desolados e sem foco. Ele a perguntou se ela tinha algumas rosas amarelas à venda, e comprou todas elas. Só mais tarde ela percebeu quem era o homem, mas até aí ele já havia saído, indo em direção as florestas que delimitavam a cidade. Agora, ela marchava por as ruas da cidade que haviam se tornado desconhecidas ao longo de uma semana. Ela deixou seu jardim nos cuidados de um vizinho de idade. Uma placa foi deixada na porta de sua loja de flores, contando a esperançosos clientes que estava fechada indefinidamente. Não havia mais nada a fazer a não ser seguir o curso da multidão, mantendo o seu olhar em um estranho que era definitivamente mais novo que ela, se perguntando se ele viveria mais que ela.

Eles passaram por baixo dos portões do castelo, onde uma mulher que chamavam de Capitã manteve seus olhos atentos. Ela estava sob ordens de rejeitas qualquer um jovem demais, doente demais, velho demais—mas toda vez que ela olhava em seus olhos, ela só via a si mesma. Ela agarrou seu caminho para sua posição, fez certeza de manter sua reputação, e manteve guarda sobre a família real por mais de uma década. Era a sua teimosia que fez ela chegar aonde está agora, adornada com medalhões do rei—velhos e novos. Era teimosia que ela via nessas pessoas agora. Então, enquanto ela cumpria seu dever, barrando o caminho para os mais jovens, os mais doentes e os mais velhos, se ela hesitava por um momento quando uma envelhecida guerreira fazia seu melhor para esconder suas rugas nas suas mãos com cicatrizes, ou quando um garoto de dezessete anos colocava seu capuz acima de seu rosto, ou quando um ferreiro de mandíbula forte da cidade passou mancando por ela com um pé quebrado que ainda não estava totalmente curado... bem, ela iria considerar isso seu dever, também.

Quando o menino e a florista chegaram ao jardim, ele estava lotado. As pessoas ficaram ombro a ombro, empurrando e puxando como uma maré sobre os restos pisoteados das flores da rainha morta. A lojista fazia careta enquanto suas botas pisoteavam pétalas e caules, violentamente os retornando para o solo. O garoto nem notou as flores. Ele estava encarando a varanda, olhando para o homem cuja chamada foi atendida por milhares.

A maioria deles nunca tinham visto o rei antes, mas todos eles ouviram as histórias de um garoto coroado na véspera de seu décimo sexto aniversário, após o misterioso desaparecimento de seu pai—ou morte, ou assassinato, dependendo em quais rumores você acreditava—e guiados por um estranho conselheiro. Um reino de paz nunca teria qualquer motivo de conhecer o nome Technoblade, mas aqueles cujo escutaram a história folclórica de um imperador de olhos vermelhos de uma fria e distante terra sussurrada entre si mesmos com a semelhança, ou com a coincidência, ou qualquer palavra que pudessem usar para explicar a inquietação fermentando em suas entranhas.

As histórias também contavam que o rei era gentil e generoso, com a ambição de olhos estrelados que veio com sua juventude, e que o príncipe mais novo conseguia encantar mil detratores com sua inteligência e humor. Parados juntos, eles pareciam ser diferentes como noite e dia: um escuro, um claro. Mas ninguém conseguia negar a fraternidade compartilhada gravada em seus portes reais, ambos produtos de uma infância quase afogada em etiqueta e decoro.

O príncipe chegou mais perto de seu irmão. "É muita gente, Wil," ele murmurou.

Os olhos do rei estavam ilegíveis na luz nebulosa da nublada tarde. "Não é o suficiente," ele respondeu.

Seu tutor cruzou seus braços enquanto examinava a multidão reunida, já calculando posições de batalha e estratégias de elaboração. Essa não era, afinal, a sua primeira guerra, e nem pensou que seria sua última. "Irei supervisionar o treinamento tanto quanto eu poder, enquanto tivermos tempo. Eu identifiquei alguns líderes de batalhão em potencial dos guardas e das pessoas que vieram antes. Irei delegar a responsabilidade de treinar os recrutas mais novos."

"Que é a maioria," Wilbur apontou. "Eles nunca tiveram um motivo de aprender como lutar, antes disso."

"Você subestima seu povo, Wilbur," Technoblade pacientemente respondeu. "Tem outros motivos além de guerra. Olhe, ali. Vê aquela pessoa com um arco? Ela é uma caçadora—costumava atirar em alvos se movendo rapidamente, o que faz dela um trunfo para a nossa linha de tiro com arco. Pessoas das regiões montanhosas estão acostumados a andar a cavalo, então já é nossa cavalaria estabelecida. Mineradores e ferreiros estão acostumados em balançar afiados e pesados objetos. Dê a eles longas espadas ao invés de picaretas e martelos, e estaremos prontos."

Wilbur o deu um olhar confuso. "Você quase soa otimista. Você bateu sua cabeça em uma parede esta manhã?"

"Eu já vi chances piores."

Tommy zombou. "Isso é diferente de todos os seus livros de guerra, Techno. Essa é a vida real."

Ele não percebeu o olhar de conhecimento compartilhado entre seu irmão e seu tutor.

"Enfim," Technoblade continuou, "procurei guildas de mercenários para complementar nossa ofensiva. Nossos cofres aguentam o golpe. Afinal, este reino só está ocupado com comércio há décadas."

"E se tudo for para a merda de qualquer jeito?" Tommy quietamente perguntou.

A expressão de Technoblade enrijeceu. "Não irá."

"Como você pode ter tanta certeza?" demandou o jovem príncipe. "Por o que tenho escutado, não somos nada mais do que um bando de pobres idiotas armados com gravetos contra esse—esse—como eles se chamam?"

"O Exército Verde," Wilbur respondeu, não tirando os olhos das pessoas abaixo deles.

"Ridículo nome, na minha opinião," Technoblade disse.

Tommy não riu, como normalmente faz. "A mensagem que você recebeu disse que eles massacraram uma cidade inteira, Wilbur," ele engasgou. "Uma cidade inteira, limpada em uma só noite como formigas."

As mãos de Wilbur apertaram em volta do parapeito da varanda, suas juntas ficando brancas enquanto apertava. "Eles foram pegos de surpresa. Não seremos tão infelizes."

Nenhum deles disse o óbvio, que era o fato de que, se Wilbur não tivesse mantido seus segredos tão perto de seu peito, a cidade que um dia estava na fronteira do Norte podia ter sobrevivido. Eles podiam ter sido avisados. Eles podiam ter sido salvos de sua condenação impiedosa. Hipotéticos, Technoblade os disse antes, eram inúteis, e apenas impediram seu caminho. Mas ainda permanecia no silêncio desconfortável entre eles, somente quebrado por o tutor dizendo, "Outras cidades na rota do Exército Verde foram evacuadas. Nós devemos esperar refugiados chegando na cidade em três dias, mas os acampamentos temporários já estarão finalizados e prontos até lá."

"E qual é a posição do Exército em si?"

"Baseado nas notícias dos espiões, nós temos a metade de um mês, no máximo, antes de chegarem no Vale, o que nos dá mais uma semana para preparar as tropas antes de irmos. O arsenal deve terminar de contabilizar e dividir as armas até amanhã, e as caravanas estarão carregadas com outros suprimentos."

"E a outra coisa que nós planejamos...?"

"Juntando os materiais enquanto conversamos. Os alquimistas estão trabalhando o mais rápido que podem, visto que é um trabalho delicado. Mas deve estar pronto antes de irmos."

"Ótimo." Wilbur levantou sua cabeça em direção ao Sol, respirando nos últimos doces ventos da primavera. Enquanto fazia, Tommy e Technoblade foram os únicos a notar os arranhões frescos passando por a pálida coluna de sua garganta. Tommy abriu sua boca para dizer, mas foi silenciado por um quieto balanço de cabeça de Techno. "Eu acho que está na hora."

Em um movimento suave, Technoblade pulou no parapeito da varanda, equilibrando-se precariamente como um acrobata em uma corda bamba, seu amado tridente em sua mão. Ele dirigiu o cabo do tridente contra o parapeito, produzindo um som como um sino tocando, de novo e de novo até a multidão estar quase silenciosa, sua atenção chamada.

"Seu rei," ele gritou, "irá falar agora. Eu sugiro que escutem."

Ele voltou para o lado de Tommy e Wilbur, cujo o deu um sorriso agradecido antes de se virar de volta para seu povo. Seu exército.

"Amigos," Wilbur começou, sua voz soando sobre a quieta multidão, agora escutando cada palavra sua. "Eu vejo todos vocês de onde estou. Eu entendo que estão com medo. Estão confusos. Anos atrás, eu os prometi paz na coroa de meu pai, e agora eu os chamo para guerra. Isso não é nada menos do que traição. Fiquem tranquilos, estarei enfrentando consequências por isso."

A multidão se exaltou. Até Tommy olhou para seu irmão surpreso, uma questão rapidamente morrendo em seus lábios enquanto Wilbur continuava.

"Mas isso será depois," o rei continuou. "Agora, nós encaramos um inimigo que impiedosamente massacrou nossos irmãos na fronteira do Norte. Isso é o que devemos ter em mente quando estivermos prontos para enfrentá-los. Mais do que uma batalha para nos defender, essa é uma guerra de vingança. Nós devemos lembrar dos inocentes perdidos por a ganância sem sentido de nossos invasores, e eu juro os entregarem sua vingança em uma bandeja de prata."

Os olhos de Techno escureceram, mas ele não interrompeu. Seu olhar foi levado para o pavilhão de mármore sentado à distância, exatamente onde a multidão acabava. Seus baús foram furtados, as armas de treinamento embotadas derretidas para formar lanças mais afiadas e mortais. A hera caindo de seu telhado minimamente balançava, o oferecendo uma breve vista ao seu vazio, empoeirado chão.

Ele se perguntou se um dia irá colocar os pés ali de novo.

A lojista era a única não assistindo o rei enquanto falava de bravura e manter a esperança. Invés disso, ela seguiu o olhar distante do tutor, mas tudo que conseguia ver era uma pequena construção branca coberta de ervas daninhas.

"Esse não será o fim de nossa nação," o rei disse com uma nota de finalidade, seus escuros olhos passando por a multidão reunida, mas não vendo seus rostos. Ele abriu seus braços, como se recebesse um abraço de alguém que ninguém mais conseguia ver. "Ela esteve de pé por séculos, e ficará em pé por mais ainda. Nós iremos ver nossos inimigos queimar, meus amigos, e eu irei espalhar suas cinzas nos túmulos das pessoas que tiraram de nós. E quem sobreviver o fogo irá desejar ter morrido nas chamas, e não nas minhas mãos. Minha única esperança é que vocês talvez sintam o mesmo, e confiem que estão nas mãos mais capazes que consegui encontrar." Ele virou para o tutor. "Vocês estarão sob custódia e orientação do General Technoblade. Juntos, nós iremos defender este reino—ou morrer tentando."

O silêncio da multidão deu caminho para aplausos estrondosos, o exultante choro de milhares de pessoas que não sabiam, verdadeiramente, o que as esperava no campo de batalha. A envelhecida guerreira com as mãos com cicatrizes estava intimamente familiarizada com a violência, e se virou amargamente da agitação. Ela já foi como eles, uma vez, mas não mais. Eles iriam aprender, mais cedo ou mais tarde, mas não seria uma lição gentil.

No entanto, eles estavam unidos em algumas coisas. Eles confiavam em seu jovem rei e seu príncipe. Eles confiavam em seu general. E eles desejavam ver seus inimigos queimarem.

O garoto na multidão sentiu aquela união em seus ossos. É isso, ele pensou, é isso que significava ser parte de algo. De pertencer. Ele sentiu um sorriso se acomodar em seu rosto, e logo se juntou ao barulho, gritando até que seus pulmões começassem a doer, juntando-se à alegria furiosa do povo. Ele iria segurar a linha. Ele iria dirigir o inimigo para longe, e proteger a terra que o cresceu. E ele iria ser um herói. Aos dezessete anos de idade, Tubbo era o mais velho que já esteve, mas ele nunca se sentiu tão jovem.

Somente uma pessoa não parecia impressionada por as palavras do rei. O tutor que virou general estava encarando o rei, sua boca uma fina linha de desaprovação.

"Desde quando eu ganhei a promoção?" Technoblade lentamente perguntou.

Wilbur encolheu os ombros, desdenhoso. "Você já está agindo como um general, de qualquer jeito."

"Mas eu—"

"Technoblade." A voz do rei ficou fria enquanto ele encarava o seu velho tutor. "Você prometeu me ajudar. Você estava mentindo?"

Os olhos da Technoblade brilharam perigosamente. "Cuidado, Wilbur," ele disse quietamente. "Você está se esquecendo com quem está falando."

Wilbur piscou, seus olhos de repente limpando. Ele abriu sua boca para um tipo de réplica, talvez um pedido de desculpas, mas ai estava Tommy—brilhante, barulhento Tommy—se encostando tão longe sobre o parapeito, Technoblade teve que o puxar para trás por sua camisa. Quando ele virou para eles, estava radiante, seus olhos brilhantes na escuridão da tarde.

"Nós vamos vencer," Tommy disse, seus ouvidos ainda zumbindo com a aprovação da multidão. "Nós realmente vamos vencer, não vamos?"

Wilbur e Techno trocaram um olhar—um olhar, e tudo foi esquecido, a conversa arquivada para outro dia. O general ainda olhava para o rei com algo parecido com preocupação, e os círculos escuros embaixo dos olhos do rei estavam ficando mais e mais difíceis de ignorar, mas nada disso importava mais. Se Tommy disse que eles iriam vencer, então pelos deuses, nenhum deles diria o contrário, não quando ele estava o mais feliz que já esteve em um mês.

"Por esta altura no próximo mês, voltaremos a nos preocupar com rotas de troca e sicofantas aborrecidos," Wilbur o assegurou.

"O que caralhos é um sicofanta?"

"Deuses." O rei deu a seu irmão um olhar que era em partes igualmente irritado e adorador. "Me lembre de contratar um tutor de linguística melhor para você quando chegarmos em casa."

Tommy revirou seus olhos. "Boa sorte em achar alguém que me aguente. Eu vou perseguir todos em três dias, no máximo. Aposta toda a sua vida nisso."

Wilbur sorriu para Technoblade. "Eu posso pensar em uma pessoa. Techno, você poderia—"

"Termine essa frase," Technoblade arrastou em sua comum maneira monótona, "e eu vou acabar com sua linhagem aqui nessa varanda. Eu vou lhe jogar para longe, testemunhas que se fodam."

Enquanto o rei e o príncipe caíam na gargalhada—por um brilhante momento, crianças novamente—Technoblade achou a si mesmo sorrindo. O céu estava escuro e desolador, mas ali, naquela varanda, havia luz do Sol.

"É você e eu," disse Technoblade, colocando uma mão no topo da cabeça de Tommy, a outra no ombro de Wilbur. "Mais uma vez."

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀________________

O Vale Azul se esticou atrás de Tommy, desaparecendo no nebuloso horizonte. As duas montanhas que delimitavam o vale ameaçadoramente cresceram em sua frente, pontos finais gêmeos das serras das montanhas imponentes que serviam como fronteiras naturais do reino. Um rio corria por o meio do vale, iluminado em ouro líquido por o Sol surgindo lentamente sobre as colinas distantes.

Em suma, Tommy pensou enquanto respirava o ar frio do amanhecer, esse não seria o pior lugar para morrer.

O vale foi nomeado após as íris azuis que floresciam nele, alinhando-se nas encostas dos penhascos e florescendo ao longo das margens do rio. Mas não eram as flores que Tommy procurava.

Ele se aventurou a descer a encosta, mantendo os olhos fixos no chão. Ele arregaçou as barras de sua calça para mantê-las secas do orvalho da manhã que fica na vegetação, mas deixou tudo abaixo de seus joelhos vulnerável às armadilhas que haviam sido colocadas ao redor do acampamento. Um movimento errado e ele perderia um pé por causa de seus problemas. Mas estava determinado a fazer a viagem valer a pena.

Fazia uma semana que eles chegaram ao vale, e enquanto isso significava que a maioria de seus preparativos estavam concluídos, mas também significava que o outro sapato cairia a qualquer momento. Tommy conseguia senti-lo respirando em seu pescoço. O único jeito que combatê-lo era implacável distração—mantendo suas mãos ocupadas. Então ele viajou por a colina, um passo cuidadoso de cada vez, até que uma coisa amarela em sua periferia chamou sua atenção.

"Te achei," ele disse, caminhando até as flores aglomeradas sob uma rocha, quase indistinguíveis de seus vizinhas íris azuis, se não fosse por seu centro dourado que lhes valeu o nome.

Quando Tommy voltou para o acampamento, ele havia um punhado de glórias-da-manhã em suas mãos e um sorriso em seu rosto. Todos já estavam acordados—agrupados em torno de fogueiras, fazendo exercícios matinais, ou apenas caminhando. Alguém tinha levado seu violão, e a sua suave música ecoava acima dos sons de conversas e risadas. Pessoas levantaram suas cabeças quando Tommy passou, chamando seu nome ou acenando para ele se juntar a eles para o café da manhã. Ele alegremente recusou, mas não antes de trocar piadas e brincadeiras com algumas das pessoas mais conhecidas.

Era fácil perder as sombras desta forma. Com a luz certa, ele poderia não perceber os cabelos despenteados dos que não dormem há dias, ou a aparência desoladora no rosto da Capitã rapidamente escondida por um tenso sorriso, ou o cheiro de enxofre que se acomodava em suas roupas como um nojento, impiedoso parasita.

"É bem trágico, não é?"

A pergunta parou Tommy em seu caminho. Ele virou para a pessoa que perguntou, e achou a si mesmo na frente de uma garota sentada em um rebolo, lentamente afiando uma pequena lança. "Perdão?"

A garota sorriu enquanto acenava a cabeça para as flores nas mãos dele. "Glórias-da-manhã. Elas murcham no mesmo dia que desabrocham, durando até o pôr do Sol." Ela pausou. "Talvez menos, agora que você as colheu."

Tommy ruborizado de vergonha, de repente com vontade de esconder o buquê atrás de si, como se isso fosse de algum jeito apagar o que ele fez. "Me desculpe, eu não pensei sobre—"

A garota simplesmente riu. "Não, não se desculpe. Eu seria a maior hipócrita do mundo se lhe repreendesse por colher flores." Com o olhar confuso de Tommy, ela explicou, "eu tenho uma loja de flores, lá na cidade."

"Oh." Tommy olhou para as flores em suas mãos, suas sobrancelhas franzindo enquanto pensava. "É triste, suponho, que elas morrem tão rápido. Mas elas não são lindas enquanto duram?"

O rebolo lentamente parou enquanto a garota simplesmente ficava sentada ali, olhando para Tommy com uma inexplicável expressão em seu rosto.

Bem, pensou Tommy, isso é embaraçoso.

"Sabe, Sua Alteza," a garota longamente disse, "você me lembra alguém. Ele é um soldado nesse acampamento, com mais ou menos a sua idade, também. Ele está em algum lugar treinando agora, mas eu tenho esse sentimento de que vocês se conhecerem, vocês seriam bons amigos."

Tommy abriu sua boca para responder, mas descobriu que só conseguia acenar com a cabeça em concordância. A garota lhe deu um pequeno, triste sorriso, como se pudesse entender seu silêncio ainda mais do que se ele tivesse falado, e voltou ao seu trabalho. Tommy ergueu os pés do chão e começou a caminhar em direção ao coração do acampamento, mas as palavras da garota seguiu seus saltos. Essa foi a verdadeira tragédia, não era? Mais do que as flores que floresciam por um dia, a mais amarga devastação estava nos e se. Tommy não entendia porque, mas se viu pensando em um cenário: uma vida diferente onde ele conheceu aquela pessoa que lembrava a garota, onde nenhum deles eram jovens soldados. Vocês seriam bons amigos, ela disse, mas isso não estava certo. Tommy sentiu, inexplicavelmente, em seus ossos, de que se ele conhecesse aquele garoto, eles seriam irmãos.

Foi só até a tenda real estar à vista que Tommy percebeu que nem mesmo perguntou à garota o nome do menino.

"—se nós movermos esse batalhão aqui, eles conseguiriam providenciar cobertura. Mas nós também correríamos o risco de—Tommy?"

Tommy olhou para cima. Ele nem tinha percebido que entrou na tenda. Ele achou Wilbur parado em uma enorme escrivaninha que ocupava quase todo o espaço, inclinado sobre um mapa repleto de pequenas peças esculpidas que representavam várias posições de tropas. Ao seu lado, seu cabelo solto, estava Technoblade. Ambos estavam encarando Tommy com preocupação.

"O que?" ele demandou.

"Você está—Você está chorando, Tommy," Wilbur disse suavemente.

Tommy tocou com sua mão livre sua bochecha, e estava surpreso ao encontrá-la molhada. Ele esfregou furiosamente seus olhos até estarem livres de lágrimas. Essa não era a hora. Essa não era a porra da hora.

Ele caminhou mais fundo na tenda, ignorando o olhar preocupado que Wilbur jogou para Techno, e o encolher de ombros em resposta do Techno. Tommy parou em um canto do mapa e apontou para um grupo de arqueiros esculpidos agrupados no que seria a colina em que estavam.

"Nós não precisamos de tantos," ele disse determinado. "Só um. Só você, Wilbur."

Wilbur pareceu frustrado com a mudança de assunto, mas não tinha escolha a não ser seguir o exemplo de seu irmão mais novo. "Você está superestimando a minha mira, Tommy."

Tommy desviou do mapa, se jogando em uma cadeira vazia no canto. Ele gesticulou para Techno, e o general silenciosamente obedeceu.

"Você sempre consegue quando é importante," Tommy disse enquanto Techno se sentava no chão em sua frente, de costas para Tommy. Enquanto Tommy colocava o cabelo de Technoblade em seu colo, ele adicionou, "Exceto as muitas, muitas vezes que você perdeu um duelo com o Techno."

Normalmente, isso justificaria uma risada ou, pelo menos, um olhar indignado, mas Wilbur simplesmente se inclinou sobre o mapa novamente, sua expressão fechada mais uma vez.

Techno virou para Tommy e sussurrou, "Não devemos quebrar seu intenso, bestial foco."

Tommy bufou. "A única coisa bestial sobre ele é aquela juba de leão emaranhada que ele chama de cabelo."

A cabeça de Wilbur se ergueu para fitar os dois. "Eu ouvi isso."

"É claro que ouviu," Techno disse, se virando. "Leões têm uma audição incomparável."Tommy quietamente riu para si mesmo enquanto começava a trançar o cabelo de Techno, seus dedos fazendo nós com a facilidade que veio dos anos de prática. Essa foi a sua rotina na última semana: Wilbur se debruçaria sobre os planos de batalha com uma obsessão que ficava mais e mais frenética a cada dia, Techno iria apontar cada falha nas mudanças propostas por Wilbur até que encontrarem uma que parecesse realmente útil, e Tommy iria trançar. Isso mantinha suas mãos ocupadas. Se não fosse por a distração do cabelo de Techno entre seus dedos, Tommy provavelmente se juntaria à florista no rebolo, polindo sua lança sem pensar até o dia do juízo final.

Às vezes, Tommy acordava no meio da noite e achava seu irmão ainda acordado, revisando seus planos e murmurando para si mesmo—ou, não para si mesmo. As vozes. As misteriosas, oniscientes, assustadoras como o inferno que atormentaram seu irmão por anos.

Tommy começou a tecer as glórias-da-manhã que achou no cabelo de Techno, para esconder o fato de que suas mãos começaram a tremer. Duas noites antes tinha sido o pior de tudo. Tommy foi acordado por o barulho de vidro quebrando. Abrindo seus olhos, ele achou Wilbur em pé sobre sua cama, um caco de vidro agarrado em sua mão e levantado sobre sua cabeça, pronto para acertar o peito de Tommy.

Tommy parou de respirar completamente. "Wil?" ele disse, sua voz saindo mansa e trêmula."Estamos destinados a te matar," Wilbur coaxou, sangue escorrendo por seu braço com a força com que ele segurava o vidro quebrado. "Nós vamos o matar, Tommy. É o destino, é para acontecer—"

"Wilbur." Tommy alcançou para segurar a blusa de seu irmão. "Wilby, por favor, não me machuca."

Wilbur piscou rapidamente, seus cílios brilhando com lágrimas não derramadas. "Você não me chama assim há tanto tempo." E o caco de vidro caiu, mas não na carne de Tommy—no chão ao lado de sua cama, cravado na terra macia. Wilbur se ajoelhou ao seu lado por o resto da noite, sussurrando pedidos de desculpa que perseguiram Tommy em seu inquieto sono. Pela manhã, Wilbur parecia ter esquecido completamente o incidente, ou escolheu o ignorar completamente, e Tommy já estava colhendo flores da encosta com dedos trêmulos.

Tommy olhou para cima agora para encontrar um pano branco amarrado na mão esquerda de Wilbur, onde o vidro havia cortado sua pele. Era a única evidência de que aquela noite não tinha sido um sonho, e que as vozes de Wilbur estavam lentamente o consumindo.

Deve ser o estresse, Tommy pensou enquanto trançava o resto de glórias-da-manhã no cabelo de Techno. Quando a guerra acabar, Wilbur irá voltar ao normal novamente, e Tommy poderá voltar a não ter medo do irmão mais velho.

"Pronto," Tommy finalmente disse, sacudindo a trança finalizada de Techno sobre seu ombro.

"Finalmente." Techno se pôs de pé e tirou uma das glórias-da-manhã de seu cabelo. Ele a colocou atrás da orelha de Tommy antes de caminhar até um dos baús entocados embaixo da mesa. "Considere isso um sinal de minha gratidão."

Ele abriu o baú e tirou algo escuro e dobrado. Quando ele o desdobrou, Tommy ficou em pé, seus olhos se arregalando para o casaco azul e vermelho que Techno segurava, seus botões dourados brilhando, o brasão real costurado onde o coração de Tommy estaria.

"Eles terminaram." Tommy não pôde evitar a risada que borbulhou dele. "Eles realmente terminaram."

"Deuses, Tommy," Techno disse com um pequeno sorriso. "É só um uniforme."

Mas não era isso, e Techno sabia. Ele e Wilbur receberam seus próprios uniformes semanas atrás, o general e o rei em suas fortes cores. No caos da preparação, ninguém tinha notado o príncipe seguindo seus rastros em uma simples túnica branca até o último minuto. E agora os alfaiates conseguiram. Eles realmente terminaram.

Tommy saltou até Techno, sorrindo tão forte que pensou que suas bochechas fossem explodir de pura alegria. Techno revirou seus olhos, mas estendeu o casaco para Tommy vestir. Serviu. Perfeitamente.

Tommy girou em um pequeno círculo antes de fazer uma reverência zombeteira para Techno. "Senhor General."

Techno retribuiu o gesto. "Sua Alteza."

"Vocês dois," Wilbur disse, e Tommy pôde ouvir o sorriso em sua voz, embora fraco, "são tão idiotas."

Tommy valsou até seu irmão, derrubando a peça esculpida que Wilbur estava prestes a colocar no mapa. Acima dos sons dos protestos de Wilbur, Tommy segurou suas mãos e o puxou, cantarolando uma melodia vagamente familiar, o girando em lentos círculos que poderiam ser chamados de dança sob a mais vaga das definições. Wilbur relaxou enquanto Tommy continuava a cantarolar a música, permitindo que Tommy o girasse mais e mais.

"Eu não acredito que você ainda lembra disso," Wilbur disse suavemente, sua expressão insondável.

"Lembrar do que?"

"Essa música—"

E então eles ouviram. O som que deixou o sangue de Tommy frio. O som que fez Tommy e Wilbur congelarem. O som que fez Techno os alcançar instintivamente.

Os tambores de guerra, ecoando por o acampamento, eclipsando a música de um violão, as conversas de amigos, o chiado de uma lança contra um rebolo, o tum tum tum de um soldado de 17 anos praticando arco e flecha em uma árvore de carvalho escuro, o tum tum tum do batimento cardíaco coletivo do exército, o tum tum tum de mil pés marchando cada vez mais perto.

O inimigo havia chegado ao Vale Azul.

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀________________

Eles emergiram da névoa como espectros, a nebulosa luz do Sol refletindo em suas lâminas polidas. No alto da colina, Techno podia vê-los se movendo por o vale em um constante fluxo, os soldados indistinguíveis em sua formação compacta. Na frente, alguém carregava sua bandeira: duas espadas em um simples fundo verde. A sua visão fez Techno cerrar os punhos com uma repentina, não identificável raiva.

Era isso. Parecia que todo o Exército Verde estava aqui, como esperado; enquanto o vale serviria como um ponto de estrangulamento a favor do Exército Real, era também o único caminho direto para o coração do reino. Então agora ambos os lados irão jogar todas as suas peças no tabuleiro. Uma decisiva batalha, um breve fim. Apenas um exército irá emergir deste vale intacto—e Techno estaria fodido se não fosse o de Wilbur.

Techno virou para o rei ao seu lado. "Você está pronto?"

Os olhos de Wilbur estavam fitando as montanhas. "Pronto como sempre estarei."

O acampamento atrás deles estava vazio. Todos estavam em posição, movendo-se como um relógio sob ordens que vinham praticando há dias. Os únicos que faltavam na colina eram Wilbur, Tommy, e Techno.

E os arqueiros.

Tommy finalmente chegou até eles, seu peito arfando com o esforço. "Eles enviaram o sinalizador," ele anunciou sem fôlego. "É hora de ir."

Wilbur virou para o grupo de arqueiros atrás de si. Entre eles estava uma fogueira violenta, enviando bruxuleantes sombras sobre o rosto de Wilbur enquanto ele pegava uma flecha de sua aljava e mergulhou sua ponta coberta de pano nas chamas. A dúzia de arqueiros—os melhores dos melhores, escolhidos a dedo por Wilbur—o copiaram sem nenhuma palavra. O pano, sufocado com um combustível incendiário especial, queimaria fielmente até atingir seu alvo.

Wilbur virou para o Vale, encaixando a flecha em seu arco. Com uma respiração profunda, ele puxou o arco para trás e mirou para o céu. Atrás de si, os arqueiros fizeram o mesmo.

"Segurem," ele ordenou.

O Exército Verde marchou mais perto.

"Segurem!"

Techno sentiu uma mão em volta da sua, unhas cravando em sua palma, e olhou para achar Tommy olhando fixamente para as forças invasoras, seus olhos sem piscar. Eles estavam perto o suficiente agora para que o Techno pudesse ver o brilho do sol nascente refletindo em suas placas peitorais.

Sem nenhuma palavra, Techno apertou a mão de Tommy.

Agora, Techno pensou. Tem que ser agora. Ao mesmo tempo, Wilbur chamou, "Fogo!"

Uma dúzia e uma de flechas flamejantes se arquearam sobre o vale como cometas vermelhos e dourados. O Exército Verde pausou, talvez em confusão com a patética exibição de força—só treze flechas voando por o ar. Nem chegaria à sua linha de frente.

Mas isso não importava. Eles não eram o alvo pretendido.

Era uma vez, a mira de Wilbur tinha sido tão pobre que não seria necessária nada além de uma intervenção divina para corrigi-la.

Então Techno a corrigiu. Agora, Wilbur atirou verdadeiramente. Sua flecha atingiu as ervas daninhas, e então havia fogo.

Parecia como todo o vale havia sido colocado em chamas, o calor queimando a pele de Techno, mesmo onde ele estava. As flechas flamejantes acenderam uma linha de fogo que corria horizontalmente por o vale, cortando totalmente o Exército Verde. Soldados do Exército Real encharcaram aquela área com o combustível que sempre dura no momento em que viram o inimigo chegando, e então prontamente recuaram para as montanhas, procurando abrigo para a próxima fase. O fogo não os deteria para sempre.

Wilbur deu um sinal, e os arqueiros correram para suas próximas posições, deixando os três verdadeiramente sozinhos, assistindo a parede de fogo para os primeiros sinais de vida. Veio na forma de um homem em uma capa branca, passando por as chamas como se fosse apenas uma inconveniência. Ele afastou o calor, sacudindo uma brasa de seu ombro antes que seus olhos os encontrassem na colina. Ele apontou sua espada, diretamente para Wilbur.

"Aquela não é uma bandeira branca de rendição, Techno," Wilbur disse quietamente.

"Não, não é," Techno respondeu, finalmente soltando a mão de Tommy e alcançando seu tridente. "Foi um tiro no escuro, de qualquer maneira. Um pequeno calor não é nada para assassinos em massa."

Você deveria saber, suas vozes ronronaram.

Essa não é a hora para sua insolência, Techno pensou de volta, como se isso pudesse interromper a melodia milenar que estava começando a tocar em sua cabeça.

O resto do exército inimigo seguiu o homem de branco, menos graciosamente, mas teimosamente—como malditas baratas rastejando sobre o vale. E então houve um grito de guerra, tocando por todas as direções enquanto o Exército Real apareceu de seus esconderijos—de árvores ou de ervas daninhas, do rio e das montanhas—e pegando o seu inimigo de surpresa. Mas o Exército Verde estava bem treinado. Eles se recuperaram rapidamente, e mesmo que a maioria de seu exército estava preso atrás do fogo, eles estavam mordendo de volta. Não demorou muito até corpos começarem a cair—e não apenas dos inimigos.

A mão de Techno apertou em volta de seu tridente enquanto o vale enchia de sons de guerra, mas não eram de medo. Techno nunca iria admitir em voz alta, mas ele conseguia sentir algo quase como entusiasmo pulsando em suas veias. Isso era familiar. Isso era algo que ele sabia, dentro de seus ossos, que podia fazer sem falhas. Ser o professor de Wilbur, e então de Tommy—aquilo foi aterrorizante. Mas isso? Isso não era nada. Isso era apenas mais outra batalha para lutar, apenas mais outra batalha para vencer.

"Nós precisamos ajudar," Tommy disse, seus pés já descendo da colina.

A mão de Wilbur disparou, arrastando Tommy para trás. Ambos Techno e Tommy olharam para ele em surpresa, mas Wilbur estava olhando além deles, para a carnificina acontecendo embaixo de seus pés, seus olhos escuros como a terra de uma sepultura recém cavada.

"Wilbur?" Tommy perguntou em espanto.

Wilbur rapidamente piscou, como se estivesse saindo de um sonho. "Ainda não," ele quietamente disse.

"Como assim ainda não?" Tommy demandou, escapando do segurar de Wilbur. "Nosso povo está morrendo lá embaixo!"

"Wilbur." Techno girou Wilbur por os ombros para ele. "Nós temos que ir. Agora."

Wilbur respirou fundo. "Eu sei. Malditos deuses, eu sei." Ele olhou para Tommy, ao seu lado com a face desenhada em confusão. "Mas eu não posso deixar Tommy—"

"Não fale sobre mim como se eu não estivesse aqui, porra!" Tommy cuspiu as palavras com raiva. "Wilbur, essa não é a hora nem o lugar para me subestimar. Porra, nós precisamos ir!"

"Tommy," Wilbur disse, fitando Tommy chocado, "eu nunca lhe subestimei—"

"Então prove! Vamos ir."

"Você está certo." Resignação cansada coloriu as palavras de Wilbur. "Mas fique perto de mim." Ele olhou severamente para Techno. "Não se perca por aí."

Techno pôde ouvir o alarme em sua voz.

"Siga seu próprio conselho, Sua Majestade," Techno respondeu amargamente, observando os olhos arregalados de Wilbur e as suas mãos trêmulas.

"Estou sendo sério, Techno." A expressão de Wilbur enrijeceu enquanto abaixava sua voz, falando para Techno e somente Techno enquanto Tommy estava distraído por a luta abaixo. "Essa é uma ordem direta de seu rei. Mantenha-os sob controle."

Ele acha que pode lhe controlar, as vozes sussurraram. Ele acha que é o seu mestre. Você irá provar que ele está certo, com o leal cachorrinho que você é?

"Eu prometo, Wilbur," Techno disse.

Afinal, cachorros domesticados, alguém disse uma vez, ainda mordem.

"Certo," Wilbur disse, carregando seu arco com um olhar de determinação. "Vamos para a guerra, meninos."

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A primeira vez que a Capitã matou alguém, ela tinha quinze anos de idade. Ele teria a matado. Ela viu em seus olhos, perdido em um bêbado frenesi em uma taverna pequena e solitária longe daqui. Ele chegou até ela com mãos pesadas, e então ela pegou uma garrafa de uma das mesas e a quebrou na cabeça dele. E quando isso não foi o suficiente para impedi-lo, ela fincou os afiados pedaços em sua garganta.

Ela fugiu da taverna logo depois, fugiu da cidade e não parou de correr até alcançar a capital do reino, onde um rei com compaixão costurada em seu sorriso a ofereceu um trabalho, um lar, e uma vida que assegurava que nenhum homem ousasse cruzar com ela novamente.

Mas mesmo depois de todos esses anos, a Capitã ainda se lembrava da sensação de pele cedendo sob a nitidez de sua arma. Ela ainda via o rosto do homem, contorcendo com dor e incredulidade, mal capaz de processar o que estava acontecendo antes dos estertores de morte o levarem. Ela ainda conseguia ouvir ele engasgando em seu próprio sangue, gorgolejando antes de finalmente, finalmente ficar quieto. Mas houve um momento, entre matar e correr, onde ela simplesmente se sentou ao lado do cadáver feito por suas próprias ações, entorpecida e vazia e fria.

Os soldados desta vez não seriam tão sortudos.

Ela conseguia ver em seus rostos: os que nunca viram um dia de violência em suas vidas, fazendo suas primeiras mortes na frente dela. Ela conseguia ver alguns deles hesitar, entrar em pânico, cair no mesmo abismo que ela caiu antes. A maioria se livrou disso, seus cérebros arquivando os danos para outro dia. Mas outros permaneceram congelados, presos em seus próprios pensamentos, até seus companheiros os acharem—ou seus inimigos.

A Capitã não pôde ajudar. Ela queria, mais do que qualquer coisa, porque aquele não era seu trabalho? Ela não deveria protegê-los?

E então outro inimigo viria voando em sua direção, e tudo que ela conseguia pensar era continuar viva e sobreviver até a próxima hora, o próximo minuto, a próxima respiração. O Exército Verde já havia achado caminho através da parede de fogo, e não demoraria muito até que o resto deles chegassem com uma vingança.

A Capitã balançou seu gládio, desviando o golpe que se aproximou de um inimigo antes de enfiar a sua lâmina profundamente em seu peito. Ela não olhou para o ver cair; ela já estava se movendo por o campo de batalha, licando seu caminho em direção a um grupo de soldados reais presos entre uma inclinação rochosa e meia dúzia de inimigos. Ela derrubou dois antes que o resto a notasse, e a Capitã achou a si mesma encarando quatro pessoas de uma vez.

Com um escudo em uma mão e sua espada na outra, havia pouco que a Capitã pudesse fazer a não ser enfrentá-los.

É esta, ela pensou, esta é minha posição final.

"Sua merdinha," um deles cuspiu para ela. "Você se acha tão corajosa, sozinha?"

Eles avançaram em direção a ela, e a Capitã levantou seu escudo por instinto por um ataque que nunca veio. Quando ela olhou novamente, achou todos os quatro soldados mortos no chão, com um homem em um casaco vermelho e azul e flores em seu cabelo parado acima dos seus corpos ainda se contorcendo. Sangue escorria nas pontas de seu tridente, muito para ter vindo apenas dos quatro corpos. Quatro facas de arremesso já estavam faltando na bandoleira atravessando seu peito, e a expressão em seu rosto estava fria o suficiente para congelar o inferno.

"Pare de encarar e volte ao trabalho, soldada," Technoblade disse—o mesmo Technoblade que a Capitã viu carregando o pequeno príncipe em seus ombros por o castelo, o mesmo Technoblade que se mexia desconfortavelmente em ternos muito apertados em funções formais que, no entanto, ele sempre ficou até o fim, o mesmo Technoblade que o rei anterior, o salvador da Capitã, confiou a seus filhos.

A Capitã quase não conseguia o reconhecer.

Mas então novamente, algo no fundo de sua mente a contava que ela estava o vendo verdadeiramente por a primeira vez. Ela ouviu os rumores, os sussurros, as perguntas sobre como ele nunca parecia mudar ao longo dos anos. Ela desconsiderou tudo isso agora. Ele era o homem que acabou de salvar sua vida. Nada mais importava na guerra.

Ela fez continência. "Senhor, sim, senhor!"

Com um curto aceno de cabeça, Technoblade foi, quase um borrão de cor cortando um caminho violento através do vale, seu tridente brilhando na luz do Sol. Um choramingo chamou a atenção da Capitã, e ela virou para os soldados reais que ela estava tentando resgatar.

"Vocês estão bem?" ela os perguntou.

Um deles—um novo recruta que ela não reconhecia—chorou, "Quem diabos era aquele?"

"Aquele foi seu maldito General," ela estourou. "Então vocês podem parar de se encolher no canto agora. A Lâmina acabou de se juntar à luta."

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀________________

As risadas eram o pior de tudo. Wilbur conseguia sentir ficando mais altas em sua cabeça, o som de milhares de vozes diferentes rindo de uma piada que ele não reconhecia—uma piada com ele sendo a graça. Mas então a ferida ainda em cura em sua mão doía, o recordando do que ele fez e onde ele estava. Ele estava em uma rocha, pés apoiados no musgo, derrubando inimigos distantes com flechas. Ele era Rei Wilbur, Protetor e Governante do Reino, Líder do Exército Real, e ele trouxe todas essas pessoas até aqui.

E ele não iria decepcioná-las.

Ele podia ver a cabeça dourada de Tommy abaixo dele, limpando os inimigos que escorregaram dos tiros de Wilbur. Ele era bom. Assustadoramente bom. Era fácil de esquecer o quão capaz Tommy era em destruição. Ele estava tão acostumado em ver Tommy perder contra Techno que ele esqueceu que contra qualquer outra pessoa, Tommy era uma força a ser reconhecida por conta própria.

Mas isso não ajudou muito a dissipar a preocupação no estômago de Wilbur. Ele era, afinal, também um irmão mais velho.

Tommy se lançou contra um inimigo, lança fora. O inimigo atacou com sua espada, mas Tommy se abaixou bem a tempo para esticar a perna para derrubar o homem. Wilbur viu a lança perfurar completamente, e o corpo ainda estava se contorcendo no chão antes que Tommy se virou para enfrentar outro. Esse nem chegou um metro perto de Tommy antes de Wilbur atirar uma flecha por sua garganta.

Tommy se virou e sorriu para Wilbur. "Nada mal, menino arqueiro!"

Apesar de tudo, Wilbur conseguiu dar um pequeno sorriso. Um sorriso que sumiu de seu rosto quando um movimento repentino apareceu no canto de sua visão.

"Tommy, cuidado!" Wilbur gritou, no momento em que o soldado inimigo se lançou contra Tommy. Os dois caíram na terra, um emaranhado de pernas e lâminas.

Wilbur procurou por uma flecha e encontrou sua aljava vazia.

Merda! ele pensou.

Merda, as vozes concordaram felizmente.

Wilbur apressadamente pendurou seu arco em seu ombro, e no mesmo respiro, desembainhou seus espadins gêmeos de suas bainhas. Ele caiu de seu poleiro, seus dentes batendo com o impacto, a dor não registrada pois Tommy está em apuros.

O soldado inimigo tinha Tommy preso ao chão, uma espada levantada acima de sua cabeça e pronta para cair. Tommy estava se debatendo, desesperadamente alcançando por a lança que foi jogada de sua mão, mas Wilbur já estava chutando o inimigo violentamente. O inimigo rolou por o chão, permitindo que Wilbur ficasse entre ele e Tommy, as espadas gêmeas ameaçadoramente brilhando à luz bruxuleante do fogo.

"Fique longe do meu irmão," ele sibilou.

"Quão emocionante," o soldado disse zombeteiramente. Ela era diferente dos outros, Wilbur percebeu. Ele não sabia como, exatamente, mas ele só era. Seus olhos e cabelo eram pretos como carvão, em nítido contraste com a capa branca manchada de sangue que ele usava em volta de seus ombros.

"Você..." Wilbur disse, sobrancelhas franzidas. "Eu lhe vi andar por o fogo. Como?"

O homem zombou. "Você acha que aquela pequena façanha poderia me machucar?" Ele levantou sua lâmina—examinando mais de perto, parecia ser feito de obsidiana pura, preto como breu até o punho. "Eu nasci no fogo."

"Você é o líder deste exército?" Wilbur demandou.

Ele deu uma risada curta. "Eu? Não, não, sou um mero peão neste jogo. Um peão com um rancor para resolver, mas ainda assim um peão." Ele riu. "Agora, me mostre o que ele lhe ensinou, rei."

Wilbur não precisou ouvir duas vezes. Ele se lançou sobre o homem, as íris azuis esmagando abaixo de seus pés. Suas espadas se encontraram, e a partir daí foi uma dança. As lâminas brilharam quando Wilbur começou a empurrar o homem para trás, mas ele estava igualando Wilbur golpe por golpe. Wilbur avançou com sua espada esquerda, mas o homem se esquivou com fluidez antes de girar sua espada em um arco cruel que teria arrancado a cabeça de Wilbur se ele não tivesse dado um passo para trás. A partir daí, o homem lançou sua ofensiva, atacando de cima, mas Wilbur conseguiu cruzar seus espadins juntos e bloqueou o golpe bem a tempo. O golpe reverberou até os ossos de Wilbur, mas o homem não lhe deu tempo para se recuperar, empurrando sua lâmina com mais força contra a de Wilbur. Wilbur cravou os calcanhares no chão e se defendeu, usando o peso do homem contra ele. Ele esperava que isso fizesse o homem tropeçar e encerrar este assunto de uma vez por todas, mas em vez disso, o homem golpeou novamente, fingindo outro golpe na cabeça antes de mudar para um golpe lateral no último momento.

Wilbur bloqueou o golpe, mas a força dele o jogou no chão. O soldado de capa branca parou sobre ele, um pequeno sorriso brincando em seus lábios.

"Isso foi decepcionante," ele disse, girando sua espada preguiçosamente entre seus dedos. Como se tivesse todo o tempo no mundo. "No mínimo, eu esperava que um homem treinado sob um deus de sangue pudesse, bem, realmente derramar um pouco."

Wilbur congelou. Ele olhou para o homem parado em sua frente, repentinamente entendendo.

"Você está aqui por Techno."

O homem parou de girar sua espada. "Estou surpreso que ele lhe contou o que ele é. Você deve significar muito para ele." Seu sorriso estava lento e frio. "Isso faz tudo isso muito mais divertido."

Ele ergueu sua espada e a levou para baixo.

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀________________

Podem ter se passado horas. Podem ter se passado dias. Pode até ter sido entre o espaço de uma respiração e outra. Technoblade não pôde mais saber.

Mais e mais dos inimigos estavam achando caminhos para quebrar a parede de fogo. Os arqueiros do Exército Real estavam fazendo o seu melhor para os atirar antes que eles pudessem entrar na briga, mas sua terrível falta de experiência estava começando a aparecer. Rachaduras estavam se formando. Eles estavam se aproximando de um ponto de ruptura.

Não, Techno pensou, tridente em uma mão, um chicote de corrente com cabo de osso na outra. Não se eu puder evitar.

Ele se encontrou no meio disso, atraído não por a violência, mas por os sons do povo de Wilbur—seu povo—chamando por ajuda. A ajuda de um deus.

Sangue, as vozes demandaram. Sangue para o deus do sangue.

Mas Techno não queria sangue, não hoje. Ele queria justiça.

"Se abaixem," ele disse aos soldados do Exército Real que se reuniram em volta dele. Techno percebeu com um choque que eles não tinham vindo até ele para pedir sua proteção, mas para dar a ele a deles. Como se seus frágeis corpos mortais pudessem fazer uma diferença quando se tratasse dele. Tolos, ele quis dizer, mas tudo que saiu foi, "No chão, todos vocês, agora."

Eles foram rápidos em obedecer. Eles mergulharam nas ervas daninhas no momento em que Techno atacou com seu chicote. A pesada corrente esculpiu um arco no ar antes de encontrar seu alvo, enrolando-se no pescoço de um soldado inimigo. Techno bruscamente puxou, derrubando o soldado. Ele sacudiu o chicote e o girou para acertar um inimigo direto na cabeça. Houve um estalo nauseante quando a força do chicote esmagou o osso. Antes do corpo bater no chão, Techno girou o chicote em direção a outros alvos—mirando para gargantas, têmporas, tornozelos, qualquer coisa para puxar ou esmagar. Ele estava parado no olho da tempestade, seu chicote estalando no ar como trovões.

Quando o chicote de corrente voltou para suas mãos, estava molhado de sangue."Vocês podem se levantar agora," ele contou aos soldados que o encaravam atordoados do chão. "Cuidem dos vagabundos."

"Quais vagabundos?" um deles chamou incrédulo, mas Techno já estava se movendo novamente.

Ele se lançou no ar, por um breve momento voando sem peso sobre a carnificina, e então ele caiu com seu tridente, empalando um homem ao chão. Ele puxou o tridente com um ruído nauseante e então jogou uma faca de arremesso bem no olho de um soldado que se aproximava. Outro veio correndo em sua direção, mas ele fez um breve trabalho com eles, também.

Este era o seu elemento. Este era o lugar onde pertencia.

Mais, as vozes demandaram, mais mais mais—

Este não era o seu elemento.

Este não era o lugar onde pertencia.

Ele estava sob ordens estritas do rei para se manter sob controle, e não vacilaria agora.E então ele ouviu. Techno não pôde explicar como ele ouviu acima dos sons de espadas se chocando, pessoas morrendo e incêndios queimando. Era como se sua própria alma estivesse apenas ouvindo aquele som, e nada mais.

Ao longe, um grito.

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀________________

Quando era uma criança, Tommy havia tentado escalar a lateral do castelo. Ele não lembra da queda, mas lembrava do choque. Ele lembrava da sensação de seus ossos se partindo embaixo de si, a dor tão cegante que quase o fez desmaiar. Ele não sabia quem eventualmente o achou, mas ele eventualmente acordou em seu quarto, seu braço esquerdo em uma tipoia e Wilbur adormecido ao lado de sua cama. Techno estava encostado contra a distante parede, o olhando.

"Ele esteve aqui por dias," Techno disse. "Você realmente assustou ele para caralho, Tommy."

Foi o mais irritado que Techno ficou com ele, e aquele foi o momento que Tommy entendeu que o que ele realmente quis dizer é que Tommy assustou para caralho os dois.

Quando a espada do homem de capa branca rompeu a haste da lança de Tommy e atingiu seu ombro, ele lembrou daquela dor, e sentiu ela mil vezes mais. Ele sentiu a lâmina romper a pele e cravar em sua clavícula, e havia somente fogo em suas veias.

"Tommy!" Ele sentiu a mão de Wilbur o puxando, e ambos caíram para trás, Tommy ainda segurando a ponta quebrada da lança com a qual tentou proteger Wilbur.

Tommy caiu de joelhos, a dor fazendo tudo ficar branco. Eu vou desmaiar, ele pensou, Eu vou morrer—

"Pequeno herói," o homem resmungou enquanto se aproximava deles mais uma vez, a ponta de sua espada pingando com o sangue de Tommy. "Você está apenas atrasando o inevitável. Agora fique quieto enquanto eu lhe mato."

"Tommy." As mãos de Wilbur nele, pressionando seu ferimento. "Tommy, Tommy, venha cá, eu irei lhe consertar, eu irei lhe consertar—"

"Wilbur," Tommy coaxou enquanto o homem de capa branca avançava. "Wilbur, o inimigo—"

"Diga adeus, principezinho," o homem gargalhou, erguendo sua espada uma última vez.

Tommy segurou Wilbur, mesmo enquanto seu corpo inteiro tremia com o movimento, cobrindo o corpo de seu irmão mais velho com o seu. Ele fechou seus olhos, esperando o golpe de misericórdia.

Nunca veio.

Quando Tommy olhou novamente, ele achou Technoblade acima deles, bloqueando a espada do homem com seu tridente.

"Finalmente," o homem rosnou, empurrando contra a haste do tridente de Techno. "Eu estive o esperando, seu maldito idiota."

Techno inclinou a cabeça para o lado, ponderando o homem. "Eu," ele disse monótono, "não te conheço, porra."

Os olhos do homem enrijeceram. "Você os matou. Você tirou os dois de mim, e você nem se lembra." Ele saltou para trás, cortando o ar entre eles com sua espada, respingando no chão aos pés de Techno o sangue de Tommy. "Tudo bem. Eu irei fazê-lo lembrar."

Techno virou para olhar para Tommy e Wilbur, sua expressão cuidadosamente neutra. Ele notou o ferimento de Tommy, Wilbur ainda tentando freneticamente suprimir o fluxo de sangue.

"Techno," Tommy respirou.

O maxilar de Techno cerrou. "Vá." Ele virou para o seu inimigo, sua trança balançando no vento. A maioria das glórias-da-manhã se foram. "Cuide do seu irmão, Wilbur."

"O que—"

"Tommy, vamos," Wilbur disse rispidamente. Ele começou a puxar Tommy para a rocha musgosa onde estava. Ele encostou Tommy contra ela e começou a tarefa de proteger o corte no ombro de Tommy. Wilbur rasgou o final de seu casaco vermelho e azul e começou a enrolá-lo em volta do ombro de Tommy.

"Eu não consigo ver, Wilbur," Tommy protestou, esforçando-se para olhar além da cabeça de Wilbur.

"Você não precisa ver aquilo," Wilbur sombriamente insistiu, apertando o tecido em volta do ferimento. "Você não quer ver aquilo."

"Ver o quê?" Tommy demandou, sua garganta doendo. Quando eles começaram a gritar? "Wilbur, nós precisamos ajudar ele!"

Antes que Wilbur pudesse respondê-lo, houve um estalo alto, como um trovão, fazendo os dois estremecerem. Wilbur virou para o som, só o suficiente para Tommy ver uma parte da luta por cima de seu ombro, só o suficiente para ver Technoblade erguer o homem por seu colarinho e o dirigir direito ao chão, quebrando a terra mais uma vez.

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Ele deveria estar morto. Enquanto Technoblade o empurrava contra a terra com força suficiente para quebrá-la, ele sabia que o homem deveria ter morrido na primeira vez. Mas ele não morreu. Invés disso, ele meramente sorriu para Technoblade com dentes ensanguentados, seu rosto contraído de frio e—para grande desgosto de Techno—arrogância completamente merecida.

"Ah, eu vejo," Techno disse com sua mão em volta do pescoço do homem. "O que um deus da guerra estaria fazendo em um lugar como este?"

"Eu diria o óbvio," o homem disse calmamente, gesticulando para o banho de sangue em sua volta. "Mas este é um assunto puramente pessoal."

Ele chutou, acertando o estômago de Techno que o lançou para trás. Techno se apoiou contra a terra, não querendo dar mais terreno ao deus da guerra. Tommy e Wilbur estavam em algum lugar atrás dele, e esse era o motivo por qual Techno precisava pegar seu tridente de novo.

O deus da guerra levantou-se vacilante, então pareceu apenas sacudir-se da experiência de ter sua cabeça batida contra o chão com a força de vinte furiosos touros. Ele quebrou a tensão em seu pescoço e simplesmente pegou sua espada novamente.

"Agora que nos conhecemos adequadamente," o deus da guerra disse, "vamos levar isso mais a sério, certo?"

Ele moveu rapidamente, mais rápido do que Techno esperava. Techno mal conseguiu aparar um golpe direcionado diretamente para seu coração. Techno avançou com seu tridente em retaliação, mas o deus da guerra simplesmente saiu do caminho antes de retornar com força total. Techno tirou uma das facas de sua bandoleira e esfaqueou, conseguindo cortar o outro deus—por pouco—antes que se atacassem novamente.

Golpe por golpe. Eles poderiam ter continuado assim para sempre. Um deus da guerra e um deus do sangue. Em outra vida, eles poderiam ter sido aliados.

Techno tentou em vão lembrar qual das muitas pessoas que ele derrubou ao longo dos séculos pertencia a este homem, mas havia muitos—uma longa linha de fantasmas cujos ele passaria o resto de sua vida imortal expiando.

Expiando? as vozes riram. O que há para expiar? Um leão expia por matar a gazela? O fogo expia por queimar?

Techno saltou para trás e jogou sua faca, cuja o deus da guerra desviou facilmente com sua espada. Ele jogou outra, cuja o deus da guerra desviou. Outra, cuja ficou inofensivamente presa ao solo. Techno alcançou para outra, e achou sua bandoleira vazia.

"Isso é fútil," o deus da guerra disse. "Só solte suas armas, e talvez—talvez—eu lhe darei a misericordiosa morte que você nunca deu a eles. Você luta e você tenta, mas nós dois sabemos como isso termina. Mortais e seus malditos jogos... só pode haver um resultado, certo?"

"A guerra ainda não acabou," Technoblade respondeu.

O deus da guerra sorriu, seus olhos desviando para algo acima do ombro de Techno. "Tem certeza sobre isso?"

Techno olhou atrás de si, seus olhos encontrando Tommy e Wilbur primeiro, sentados embaixo de uma rocha. Techno não conseguiu olhar para a expressão de medo no rosto de Tommy enquanto ele o olhava de volta, e então ele continuou procurando no horizonte por o que havia chamado a atenção do deus da guerra.

Seu coração—o que restava dele—afundou, enquanto percebia os milhares de reforços inimigos inundando o Vale Azul.

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Tubbo estava nas águas do rio que cortava o vale, na profundidade dos joelhos. Uma vez limpa, agora corria vermelha com sangue. Amigo ou inimigo, não parecia importar—todos eles sangravam do mesmo jeito.

A corrente do rio o estava puxando. Está tudo bem, parecia dizer, você pode deixar ir agora.

E Tubbo queria. Por deuses, ele queria, mais do que tudo. Sua aljava estava vazia. Ele perdeu seu arco e espada no caos. Tudo que ele tinha agora era uma adaga, sua lâmina não maior que suas mãos e tão frágil quanto. Seu corpo se sentia como estava lutando por anos, mas um olhar para o Sol alto acima de sua cabeça o dizia que só se passaram horas.

Horas sem sentido massacrando seu caminho através da briga. Era melhor quando ele ainda havia flechas—quando ele podia ficar em pé e atirar em distantes inimigos sem pensar neles como pessoas. Quando ele recorreu ao uso de uma espada, quando ele chegou perto o suficiente para ver o medo em seus olhos enquanto sua lâmina perfurava tecido e pele, quando o sangue havia o colorido vermelho, foi repentinamente, assustadoramente real.

Uma vez, ele queria ver seus inimigos queimar. Agora, ele só queria que acabasse.

Tubbo olhou para cima com o som de gritos. Na frente de si, inimigos estavam atravessando a parede de chamas, cortando o fogo um após o outro como uma maré interminável. As palavras reforços e muitos e recuar ecoavam nos ouvidos de Tubbo quando ele perdeu o fôlego.

Ele apertou seu segurar em sua adaga enquanto os reforços inimigos avançaram, cortando pessoas que eram muito fracas, muito inexperientes, muito cansadas, para lutar. Pessoas como Tubbo.

Eles chegaram mais perto. Um infinito exército.

Tubbo sentiu a bile subir por a garganta. Muitos, muitos, muitos. Ele sentiu quentes lágrimas escorregarem por suas bochechas. Muitos, muitos. Ele sentiu seu medo e pavor como um peso físico, quase o deixando de joelhos. Muitos.

No final, Tubbo não era um herói. Mas ele ergueu sua adaga do mesmo jeito.

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"Acabou," Tommy sussurrou. Ele se encostou em seu irmão enquanto os dois olhavam para o vale, para os inimigos descendo sobre seu exército como um enxame de falcões. A dor em seu ombro agora era uma preocupação distante. Não iria o matar—mas ele sabia que a morte estava vindo para ele de qualquer maneira. "Nós estamos fodidos."

Wilbur estava muito parado.

"Wilbur." Tommy virou para seu irmão. "Você sabe que eu te amo, certo?"

O rei o deu um olhar afiado. "O que caralhos você está falando?"

Tommy engoliu em seco, tentando—e falhando—conter as lágrimas de caírem. "Eu—eu te amo. Acho que eu nunca lhe disse isso, mas é verdade. Eu imaginei, se é minha última chance—"

"Esta não é a sua última chance," Wilbur explodiu, seus olhos escurecendo. Ele virou, fitando Technoblade, que ainda estava entre eles e o misterioso soldado. "Techno!"

Techno olhou de volta para Wilbur, sua expressão fechada. Ele não olhou para Tommy.

"Está na hora," Wilbur chamou.

Por um momento, Techno somente encarou. E então, lentamente, deliberadamente, ele acenou com a cabeça. "Sinto muito, Wilbur."

"O que?" Tommy demandou. "O que vocês dois estão falando?"

Wilbur não respondeu. Ele não estava nem escutando.

Tommy só pôde olhar enquanto Wilbur desenganchou uma trompa de seu lado. Ele colocou ela em seus lábios mecanicamente, seus olhos vazios e olhando para nada.

"Wilbur?" Tommy implorou. "Wilbur, o que 'tá acontecendo—"

Wilbur tocou a trompa.

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Ela escutou. Todos escutaram. Cabeças viraram para cima com o som de uma trompa de guerra ecoando por o vale—um baixo, triste som como o início de um canto fúnebre, ou o choro de um solitário passado separado de seu bando.

A florista encontrou os olhos de uma mulher através do campo. Uma estranha, apenas familiarizada de breves, inconsequentes encontros no acampamento. Mas naquele momento, elas eram almas gêmeas, unidas em sua determinação. A lojista acenou com a cabeça. A mulher lhe deu uma solene continência. Era agora ou nunca.

A lojista olhou para a horda de inimigos que se aproximava, massacrando tudo o que estava em seu caminho. Mas o Exército Real não estava mais lutando. Não, eles estavam correndo. Eles soltaram suas armas e correram de volta para a colina, tropeçando em ervas daninhas e íris e videiras de glórias-da-manhã. O Exército Verde—os superando de dez para um—os perseguiram, sem saber o que estava por vir.

A lojista fugiu, a rocha em seu bolso parecendo ficar mais pesada com cada passo. Mas ao contrário dos outros, ela estava indo para o Norte, subindo uma das montanhas escarpadas que delimitavam o vale.

Ela sabia que os outros—pelo menos os que ainda não estavam mortos—estariam indo para a outra montanha, batendo em árvores e arbustos como ela estava. Haviam cinquenta deles no total, mas apenas dois deles eram realmente necessários para o trabalho.

"Se perderem a coragem," o rei havia dito durante a reunião da meia-noite, onde expôs seus planos aos voluntários, "apenas certifique-se de que outra pessoa ainda tenha a sua. Este é um último recurso, mas também pode ser nossa única escolha."

Ele os disse que todos estavam livres para sair. Nenhum deles saíram.

O resto do acampamento foram todos ditos duas coisas: "Quando ouvir a trompa, corra por sua vida," e "Não conte ao Príncipe Tommy."

A lojista saltou sobre pedras e exagerada vegetação, seu batimento cardíaco trovejando em seus ouvidos.

"Ei!"

Ela arriscou um olhar para trás, e achou três soldados do Exército Verde correndo atrás dela. Eles estavam menos acostumados com o terreno que estava—ela caminhou este caminho um milhão de vezes na semana passada—mas eles estavam a alcançando rapidamente, suas espadas erguidas e prontas.

A lojista continuou correndo. Mas seus joelhos estavam gritando, seus pulmões à beira do colapso. Ela estava cansada. Tão, tão cansada—

Um grito veio atrás dela. Ela tentou o ignorar, até vir novamente. Ela olhou para trás de si mais uma vez, congelando quando ela percebeu o que estava acontecendo. Um dos soldados inimigos estava no chão, uma pequena adaga fincada em sua nuca. Os outros dois estavam dobrando de volta, enfrentando o invasor que deve tê-los seguido até a floresta.

Ela avistou cabelo castanho, uma pequena figura. Oh, deuses.

Era o garoto que mentiu para entrar no exército, e lutou bravamente nele até o fim. A lojista olhou para trás de si, para a caverna onde seu principal objetivo estava. Ela estava tão perto.

Mas o garoto, ela viu, estava desarmado.

A decisão já foi feita. Ela correu de volta montanha abaixo, seu machado em sua mão. Os soldados encurralaram o garoto contra uma árvore, suas lâminas prontas para cortar sua vida aos dezessete anos. Mas isso significava que suas costas estavam para ela, e eles nunca viram ela chegando.

"Só finja que está cortando uma árvore," o general os ensinou durante suas fases de treinamento no castelo. "O machado fará o trabalho, mas levará alguns golpes."

Só precisou de dois: um no pescoço, o outro no crânio. Os dois soldados caíram mortos em seus pés. O garoto a fitou, respirando profundamente, seu rosto manchado de sangue e terra. Parecia como se ele houvesse envelhecido cinquenta anos em um dia. A lojista não reconhecia mais o jovem, imprudente garoto que corria por o acampamento fazendo as tarefas mais servis, sorrindo de orelha a orelha, tendo orgulho de fazer parte de algo maior que ele. Ele estava maltratado e machucado e sangrando, com olhos tão assombrados que a lojista não pôde deixar de se perguntar sobre todas as coisas que ele tinha visto desde o nascer do sol sobre o campo de batalha.

O que o mundo fez com você? ela pensou. Mas tudo que disse foi, "Você está bem?"

O garoto só pôde acenar com a cabeça sem nenhuma palavra.

"Você precisa sair daqui," ela disse apressadamente, já escutando mais soldados subindo a montanha. "Aqui. Pegue isto."

Ela colocou seu machado nas mãos dele. O garoto balançou sua cabeça vigorosamente. "Não posso," ele coaxou. "Você precisa se proteger—"

Ela o deu um amargo sorriso. "Confie em mim, criança, você o precisa mais do que eu. Agora, vá. Você sabe suas ordens. De volta para o acampamento. Siga o Sol." Antes que pudesse pensar melhor sobre, ela puxou o garoto para seus braços, o abraçando apertadamente. Por um momento, ele só podia ficar parado em uma apática surpresa. E então ela sentiu seus braços em volta de si. Ele enterrou sua cabeça no ombro dela e deixou um único angustiante soluço.

Quando a lojista o soltou, havia uma nova faísca nos olhos do garoto, fraca, mas melhor do que nada.

O garoto se virou para ir, mas permaneceu na linha das árvores. "Qual é o seu nome?" ele perguntou.

"Niki," ela disse. "Meu nome é Niki."

"Lhe vejo depois, Niki," o garoto disse, e se foi.

Ela o encarou por um tempo, seu coração se sentindo mais leve de maneiras que não conseguia explicar. Mas então um galho quebrou na distância, anunciando a chegada de tropas inimigas. A lojista se preparou uma última vez, e se dirigiu para a caverna.

Dentro, empilhados de uma extremidade à outra da caverna, conectado a cavernas subterrâneas naturais que percorriam toda a extensão da montanha, era o último recurso do rei. A única coisa que se interpunha entre seu reino e a condenação certa.

Nós iremos ver nossos inimigos queimando, o rei os prometeu naquele primeiro dia, vidas atrás.

Não era exatamente queimando, mas explodi-los para o futuro reino era um compromisso aceitável.

A pederneira estava em sua mão. Tudo que podia cheirar era enxofre, e o distante perfume de íris. Seus perseguidores estavam na entrada da caverna, gritando ao perceber o que ela estava prestes a fazer. Eles talvez imploravam. Ela nunca iria saber.

"Eu vejo todos vocês no inferno," ela disse amargamente, e acendeu a pederneira em chamas.

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No topo da montanha oposta, em uma caverna quase idêntica, a Capitã fez o mesmo.

"Por meu reino," ela sussurrou para a vazia caverna, e deixou o fogo cair.

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Niki esperava, no mínimo, que plantassem as flores mais bonitas em seu túmulo.

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As explosões abalaram o mundo. Elas sacudiram o próprio Sol de sua leal órbita. Wilbur se apoiou contra a rocha em que uma vez esteve sem medo e observou a queda das montanhas.

Sim, as vozes cantaram em coro, isso sempre foi feito para ser.

Wilbur já esteve aqui antes. Ele sonhou isto. Ele viveu isto. Enquanto uma avalanche de rochas e terra caíram em cascata por o vale—esmagando qualquer um que teve a infelicidade de ser deixado para trás, amigo ou inimigo—Wilbur sentiu uma pontada de familiaridade em seu interior. Seus ouvidos zumbiram com a violência de tudo isso—as vozes, a gritaria, as explosões que continuavam e continuavam.

Bandos de pássaros voaram alto no céu, perturbados de seus poleiros. Eles foram os únicos sobreviventes.

Quando a poeira abaixou, tudo que Wilbur conseguia ver era uma pilha de devastação onde o Vale Azul costumava estar. Seus inimigos, esmagados por os milhares ou enterrados vivos por ordens de Wilbur. E seus aliados...

Wilbur curvou-se no chão e vomitou.

"Wilbur."

Os ouvidos de Wilbur ainda estavam zumbindo. Ele despejou o resto do conteúdo em seu estômago, tossindo sangue e saliva. Não acabava.

"Wilbur."

Wilbur virou, quase com medo do que encontraria atrás dele.

Tommy, seu rosto pálido, seus olhos arregalados e encarando, como se nunca tivesse visto Wilbur antes.

"Tommy," Wilbur coaxou. Pare de olhar para mim assim. Desvie o olhar. Desvie o olhar. Desvie o olhar.

"Que..." A voz de Tommy estava tão pequena. "'Que porra você acabou de fazer?"

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"'Que porra ele fez?" o deus da guerra demandou. Ele tentou se mover em direção ao rei e o príncipe, mas Techno estava lá, sempre bloqueando seu caminho.

"Não dê mais um passo," Techno ergueu seu tridente, seus dentes apontados para o peito do deus da guerra. "Seu exército se foi. Não há mais nada por o que lutar."

"Seu idiota," o rei rosnou, sua espada de obsidiana tremendo em seu segurar. "Você acha que isso me machuca? Eu morri anos atrás."

Techno respirou fundo. Suas mãos ainda cheiravam a enxofre.

"Venha, então," ele disse, exaustivamente. Sangue para o deus do sangue. "Eu irei lhe matar novamente."

O deus da guerra pulou em sua direção, começando o ciclo novamente.

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"Você disse 'sem mais nenhum segredo.'" As unhas de Tommy cravaram crescentes ensanguentados em sua palma. "Você prometeu, Wilbur."

Eles estavam todos mortos. Eles estavam todos mortos, por causa do homem que Tommy não suportava chamar de irmão. Ele queria cavar sua pele e arrancar cada parte que era de Wilbur. Ele queria se destruir, rasgar tudo de dentro para fora, se isso fosse o necessário para se livrar da gritaria em sua cabeça.

Wilbur não estava encontrando seus olhos. Tommy marchou até ele e agarrou-o com força por o colarinho.

"Porra, olha para mim, seu pedaço de merda!" Tommy gritou. O chão ainda estava tremendo, ou talvez só era ele. Lágrimas quentes derramavam em suas bochechas, lágrimas de uma raiva muito grande para o seu corpo. "Por quanto tempo você esteve planejando isso? Foi desde o começo? Você olhou para nosso povo nos olhos e nunca se preocupou em dizer a eles que você estava os levando para o matadouro?"

"Alguns deles devem ter sobrevivido," Wilbur sussurrou, suas palavras quase perdidas com os ventos. "Eu os avisei."

Tommy o balançou violentamente. "Essa não é a porra do ponto!" ele soluçou.

Wilbur finalmente o fitou, mas não havia nada atrás de seus escuros olhos. "Eu fiz o que eu precisava fazer, Tommy," foi tudo que disse.

Tommy violentamente o empurrou. Suas mãos se sentiam sujas. Ele se sentia imundo. Em sua cabeça, ele ainda conseguia ouvir as cordas de um solitário violão, tocando acima da risada suave dos soldados que agora simplesmente... se foram. Se foram em um instante, entre um respiro e o outro. Tinha vindo tão facilmente para Wilbur.

Viria tão facilmente para Tommy, também?

"Você fodeu tudo," Tommy cuspiu as palavras. "Você fodeu tudo, Wilbur."

"Tommy—" Wilbur o alcançou, mas Tommy recuou.

"Não me toca, porra!"

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Em uma batalha, quando dois oponentes estão uniformemente combinados—em força, em sabedoria, em raiva—bastaria uma coisa para derrubar tudo. Um soldado. Um erro. Um movimento.

O deus da guerra tinha visto seu justo quinhão de batalhas, e ganhou todas elas, exceto uma. A única batalha que importa, e ele perdeu tudo, porque um deus do sangue decidiu jogar sua sorte com as forças opostas. Um soldado. Depois disso, o deus da guerra se arrastou por o campo de batalha, sua garganta queimando de tanto gritar o nome de seu amado para o quieto céu. Quando ele o achou, o deus da guerra engatinhou até o seu quebrado corpo, enrolando em torno dele como se pudesse de alguma forma aquecê-lo de volta à vida, e ele ficou lá por anos, deixando o musgo e ervas daninhas crescendo acima de ambos. Ele ficaria lá para sempre, ao lado da carcaça apodrecendo até os ossos, mas um fogo cresceu dentro dele, um fogo que não seria saciado até que ele tivesse a cabeça do deus que tirou tudo dele.

Agora aqui estava ele, enfrentando o próprio culpado. Era uma sangrenta dança. O deus da guerra cortou e o deus do sangue aparou. O deus do sangue atacou e o deus da guerra desviou. Como o empurrar e o puxar das marés, atraídas umas por as outras por a gravidade da violência.

Mas tudo que o deus da guerra precisava, ele sabia, era uma única chance. Ele não iria desperdiça-la.

"Não me toca, porra!"

As palavras eram o grito agudo de uma criança assustada. Um som familiar em um campo de batalha, indistinguível de cada grito que veio antes dele.

Mas o deus do sangue virou para ele, deixando suas defensas completamente abertas. Um erro.

O deus da guerra ergueu sua espada alto acima de sua cabeça. É muito difícil matar um deus, mas não impossível. Nas mãos certas—como as mãos de um guerreiro com fogo em seu coração e carnificina em seu sorriso—só precisaria de um golpe.

Adeus, deus do sangue, ele pensou. Minha vingança está completa.

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Technoblade instintivamente virou para o grito de Tommy, bem a tempo de ver Tommy se afastar das mãos estendidas de Wilbur. Dor passou por o rosto de Wilbur, mas ele estava ileso. Ambos estavam seguros. Nenhuma faca em suas costas, nenhuma flecha em suas gargantas.

Uma sombra caiu acima de Technoblade, e quando se lembrou onde estava, já era tarde demais.

Technoblade virou e encarou a ponta de uma ensanguentada espada, um fôlego longe de seu rosto. Mas não era a lâmina de obsidiana do deus da guerra, vindo para ceifar sua alma. Era uma familiar longa espada de prata, perfurada diretamente no peito do deus da guerra.

Technoblade só pôde encarar enquanto o deus da guerra olhou para a lâmina embutida diretamente em seu coração, o braço de sua espada ainda erguido no que teria sido um golpe mortal. Invés disto, a espada de obsidiana inofensivamente caiu de seu mole aperto e na terra, e o deus da guerra a seguiu de perto.

Atrás dele estava um homem alado, seu cabelo dourado pegando os raios do pôr do Sol.

Não, as vozes gritaram. Você não. Você não. Você não.

"Olá, Techno," disse Philza.

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Wilbur o viu primeiro. Talvez tenha sido assim que sempre deveria ser. Uma parte dele sempre iria, infalivelmente, estar olhando para ele. Tommy seguiu uma batida depois.

Wilbur viu os ombros de seu irmão relaxarem, como uma marionete com suas linhas repentinamente cortadas. "Papai...?"

Seu pai estava diante de Techno e do corpo imóvel do soldado de capa branca. Ao som da voz de Tommy, ele virou, e olhou para seus filhos por a primeira vez em uma década.

E então ele entra em cena mais uma vez, as vozes sussurraram.

E antes que Wilbur pudesse dizer algo, Tommy já estava correndo.

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Um movimento. Isto era tudo que seria necessário.

No chão ao seu lado estava uma das facas de arremesso do deus do sangue, perdidas durante sua batalha. Com o resto de suas forças, ele enrolou seus dedos em volta do punho. Seu amor estava o chamando de volta para casa. Ele conseguia ouvi-lo no morno vento. Mas ele não poderia o ver antes de ser vingado. E então com tudo que restava nele, o deus da guerra mirou.

E arremessou.

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Papai. Seu pai estava aqui. Seu papai, parado entre as íris azuis do mesmo tom que seus tristes olhos. Os anos passaram como fumaça e Tommy era um menino novamente. Não havia nenhuma explosão. Não havia nenhuma guerra. Não havia nenhuma saída. Havia somente um filho, e seu pai.

Tommy sentiu uma risada histérica borbulhar de si enquanto corria, mesmo com as bochechas ardendo de lágrimas. Havia tudo. Havia confusão, havia tristeza, havia raiva, havia alívio, havia incredulidade, havia alegria—

"Papai!" Tommy gritou, abrindo seus braços enquanto corria, como um pássaro prestes a voar.

"Tommy." O sorriso de Papai ainda era o mesmo, mesmo depois de todos esses anos. Ele abriu seus braços, dando as boas-vindas a Tommy em um abraço. "Meu garoto. Você cresceu tanto."

—e então havia dor, quando a faca achou sua marca no coração do príncipe.

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Techno assistiu Tommy cair para trás, incrivelmente lento. Demorou um pouco para que a realidade fosse assimilada, e até ai, Wilbur estava gritando, gritando tão alto que afogou todo o resto, até as vozes que começaram a gritar na cabeça de Techno.

"Tommy!" Philza gritou, correndo em direção ao corpo imóvel de Tommy, mas Wilbur já estava lá, embalando seu irmão em seu peito. Techno só pôde observar, totalmente entorpecido, totalmente frio, totalmente perdido dentro de sua própria cabeça.

Não, não, não, não, não—Isso não poderia estar acontecendo. Isso não poderia estar acontecendo. Acabou. A guerra acabou. Ele fez tudo que podia para protegê-los, para proteger Tommy. Por que foi assim que terminou?

"Essa é a sensação," alguém engasgou, "de perder tudo."

No momento em que o Techno se virou para o deus da guerra, pronto para rasgá-lo membro por membro, ele estava morto, um sorriso em seu rosto. Vai se foder, Techno furiosamente pensou, vai se foder vai se foder vai se foder—

"Techno!" O grito de Wilbur o trouxe violentamente de volta para seu corpo, com a força de um cometa colidindo com a terra. "Me ajude!"

Techno cambaleou em direção a eles, seu sangue pesado como chumbo, sua visão turva. Mas ele só conseguia ver a única coisa que importava. Seu Tommy, deitado tão parado nos braços de seu irmão. Seu Tommy, que trançou seu cabelo com cheirosas flores. Seu Tommy, que era rápido fazer irritar mas mais rápido ainda fazer rir. Seu Tommy.

O Sol estava se pondo acima do Vale Azul.

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Havia um terrível, terrível silêncio—o tipo de silêncio que sempre veio antes de algo devastador. A calmaria antes da tempestade. Tommy sempre odiou silêncios. Dava a sua mente muitos espaços para preencher com escuridão. Então ele trouxe luz. Barulho e risada e piadas e brincadeiras, qualquer coisa para manter o silêncio sob controle.

Wilbur ajudou com o peso, como ele prometeu, mas agora ele voltou, pressionando-o contra o peito de Tommy, o sufocando sob seu fardo. Havia dor. Tanta dor. Ele pensou que já tinha sentido dor, mas o que ele verdadeiramente sabia? Ele só tinha quinze.

Tommy se sentiu ser levantado nos braços de alguém. Os braços do homem que extinguiu a vida de dois exércitos de uma só vez. Tommy queria o afastar de novo, queria cuspir sua raiva e seu nojo, mas ele estava muito fraco para fazê-los. Ele só conseguia ficar deitado ali, encarando o rosto de seu irmão, torcido com angústia. Sua boca estava se movendo, falando palavras que Tommy mal conseguia ouvir.

Me solta, Tommy queria dizer. Me devolva ao chão.

Mas então Wilbur começou a cantarolar. Era uma canção. A canção. A canção que Tommy cantarolou justamente esta manhã, vidas atrás.

"O que...?" Tommy respirou, o resto da pergunta morrendo em seus lábios. Ele não conseguia manter seus olhos aberto. Ele deveria. Ele sabia que deveria, porque senão ele estaria—

"Sua canção de ninar," Wilbur soluçou, suas lágrimas atingindo as bochechas de Tommy. "É a canção de ninar que eu costumava tocar para você no meu violão, quando era mais novo." E assim, tudo o que veio antes foi perdoado e esquecido e

—desaparecido. Mas era uma coisa tão ruim? Descanso seria bom. Se isso significaria que seus pulmões iriam parar de machucar. Se isso significaria que seu peito iria parar de doer. Sono. Sono era bom. Sono era—"Eu sinto falta da sua música, Wilbur."

Tommy conseguia sentir alguém acariciando seu cabelo, tão gentilmente. Tão amável. "Mantenha seus olhos abertos, Tommy." Techno. "Mantenha seus malditos olhos abertos."

—ruim. Ele precisava se manter acordado. Techno estava dizendo para ele, e Tommy sempre fez o que Techno dizia. Porque Techno era seu tutor, seu professor. Seu irmão mais velho. "Eu gostaria de..." Tommy tossiu. Ele sentiu sangue escorrer por sua mandíbula e depois nada. "Eu gostaria de ouvir vocês tocando juntos de novo."

O segurar de Wilbur nele apertou. Alguém distante, alguém estava gritando por um médico, e Tommy sabia. Tommy sabia que era—

"Nós iremos tocar para você," Techno jurou. "Quando nós chegarmos em casa, nós iremos tocar para você quantas vezes você quiser, Tommy. Eu irei deixá-lo vencer de mim quando duelarmos. Eu irei deixá-lo trançar meu cabelo, ou até cortá-lo se você quiser. Qualquer coisa que quiser, só mantenha seus olhos abertos."

Uma sombra caiu acima deles, na forma de asas que Tommy só as viu uma vez antes, quando ele voou da janela do quarto de Tommy e fora de suas vidas para sempre. Ou, não para sempre. Tommy tentou levantar sua cabeça, para ver o rosto de seu pai, mas a dor era muita.

"Papai," Tommy sussurrou. Ele ainda queria fazer tanta coisa. Ele ainda queria gritar com Wilbur e então abraçá-lo. Ele ainda queria achar flores para o cabelo de Techno. Ele ainda queria ir para casa, para o reino que eles haviam protegido. Ele ainda queria abraçar seu pai.

Mas uma escuridão estava rapidamente se reunindo.

"Tommy?" Tommy não tinha ideia de quem disse seu nome. Tudo parecia tão distante.

"Não me deixe," Tommy implorou. "Por favor. Estou tão assustado."

"Nós estamos aqui, Tommy." Um beijo em sua testa. Alguém segurando sua mão. Fortes braços em volta de si. Wilbur, cantarolando sua antiga canção de ninar. Calor, mesmo no escuro. "Nós sempre estaremos aqui."

tarde demais.

"Obrigado," Tommy respirou. "Obrigado. Eu..." Ele ainda tinha muito para dizer, muito para oferecer. Amor. Perdão. Alegria. Mas ele deixaria tudo ali, até acordar novamente.

Os olhos de Tommy se fecharam.

A risada de sua mãe nunca soou tão clara.

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Em algum lugar na distância, o Deus Verde começou a sorrir.

Passerine | Sleepy Boys IncOnde histórias criam vida. Descubra agora