Despertada

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Eu sei que é apenas um sonho.

A sensação de estar vagando na minha própria mente é como o escorrer de água sobre o consciente.

Deveria ser apenas mais um sonho, esfumaçado nas beiradas, vivo no meio, morto ao redor... e mesmo assim, não posso afastar essa sensação sólida de estar no mundo real, a consciência de que há mais, estou presa num limbo, entre o sonho e a realidade, numa linha tênue entre o sono e a consciência.

Meu cérebro armou uma armadilha para mim. Uma armadilha pintada de branco, tão infinita quanto um poço sem fundo, quando caminho em frente só sinto luz, pura e branca iluminando toda a extensão da minha alma, um caminho sem fim iluminado pela mais brilhante luz.

Um salão, um salão infinito de luz.

No começo eu só posso sentir a luz, por isso caminho como se o tempo não existisse, cada passo é lento e mergulhado em dormência, eu sou como uma mosca sonâmbula seguindo o fio de uma teia de prata.

No entanto, eu ainda sou eu, ainda sou Ayira. E por isso eu sei, que todos os meus sonhos são mentiras bonitas contadas pela escuridão de um pesadelo. E como qualquer mentira, o pesadelo não demora a se revelar. O frio desliza como uma cobra em cada passo, penetrando minha carne como um parasita, cada passo se tornando mais frio, até que o gelo está queimando minha pele.

Meus olhos sonâmbulos descem até o chão e veem um rastro de padrões de galhos desenhados, como veias que bombeiam sangue para o coração, eu vejo a água se petrificar, se estendendo até o infinito do salão, uma perfeita pista de gelo.

Eu paro, a sensação do calafrio petrificando meu corpo, cada terminação nervosa zumbindo na tentativa de fazer meu cérebro acordar meu corpo.

Eu não acordo, processo cada sensação fantasma, a confusão se instalando através de pensamentos sufocados.

Eu sei que estou dormindo, mas isso não afasta a precisão com a qual meu corpo está tentando me avisar que eu estou presa no meio.

Sagaz como qualquer predador, o pesadelo se estreita e dobra, o ambiente falhando em sua farsa, a luz pisca para mostrar pontas de escuridão tentando se esconder na vastidão. E quando tudo volta à luz novamente eu sei que devo correr, estou prestes a ser emboscada pela aranha.

Eu abro minha boca para gritar, mas nada sai, e então o gelo começa a rachar, em fios que deslizam elegantemente ao meu redor, formando um círculo, um caminho de linhas que seguem até uma mancha se formando logo a frente no caminho infinito. Eu assisto hipnotizada quando a mancha se expande, é tão escuro que aparenta um buraco, algo escuro e pegajoso começa a preencher os fios da teia que vem até mim.

Cada linha sendo preenchida por sangue, escuro e grosso.

Eu não tenho voz, mas ainda tenho controle sobre meu corpo, e por isso, tão petulante quanto uma mosca, eu caminho em direção a mancha, meus pés estão úmidos, a barra no meu vestido se arrasta, cada vez mais pesada, o som molhado do tecido se arrastando, encharcado de sangue.

Cada passo imita uma batida do meu coração.

E lá está, uma poça de sangue, bolhas se formando sobre a superfície, um tremor vibrando no vermelho, meus pés queimam no gelo, as batidas do meu coração ressoando no meu corpo, ressoando na poça de sangue. Eu encaro por tanto tempo que me sinto afogar, as batidas do meu coração zumbido nos meus ouvidos, um vórtice de escuridão avassaladora me sugando para o nada.

O sangue é meu, é o meu batimento cardíaco que vibra na poça, mas eu não sei de onde vem... o sangue.

Então há aquele momento, quando você finalmente desperta de um pesadelo, seus membros paralisados, o chiado do pavor se derramando por sua pele, um arrepio infinito que sufoca a respiração.

Luar PuroOnde histórias criam vida. Descubra agora