Queimada

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Minha respiração é profunda e reverbera por todo meu peito, o tempo parece parar quando a água atinge o topo da minha cabeça e escorrega por cada fio, tornando meu cabelo úmido, pesado, uma grande massa se acumulando em grandes mechas da cor de asas de corvos.

Vozes lutam em meio a gritos na minha cabeça, minha imobilidade é reflexo da dor que elas causam... da dor que eu quero evitar que se espalhe, eu não sei ao certo, não sei se tenho como.

"Você não é grandes coisas para pertencer à alguém"

"Um monstro sempre será um monstro"

"Ninguém nunca vai aceitar o que você é"

Meu rosto se inclina para cima e a água o atinge como agulhas frias.

"Eu cheiro apenas um monstro frio"

Dor...

Meus olhos se abrem de súbito, a dor da rejeição é tão intensa que me faz ignorar a ardência da água entrando em meus olhos abertos. Dou um passo cambaleante para fora do jato e me apoio na parede de ladrilhos frios, o ar escapa de forma escassa dos meus pulmões, apenas dor engolindo cada tentativa de respiração.

Dor... dor... dor...

Não sei quanto tempo permaneço encarando o nada, apenas sinto meu coração se destruindo, é a única coisa que posso sentir, mas não posso ficar desse jeito, sei disso assim que a movimentação de Alice chega aos meus ouvidos. Me recomponho rapidamente, desligo o chuveiro antes de me enrolar no roupão, quando abro a porta prendo a respiração e uma prece repetitiva soa nos meus pensamentos numa corrida frenética:

por favor finja que não percebeu, por favor, por favor...

Sinto alívio instantâneo quando Alice não vem até mim.

Ela está ocupada demais jogando suas roupas mais uma vez em cima da cama.

Quando olha na minha direção enruga seus lábios em um bico emburrado.

- Deus... vou começar a deixar que Bella suas roupas, as duas tem um pavor compartilhado em relação a moda.

Sinto muito por decepcioná-la, mas fico feliz que ela tenha confundido minha expressão de dor com algo tão trivial com indecisão sobre a escolha de uma vestimenta. Não estou acostumada a lidar com o luxo, é uma das coisas que sempre me horrorizou em relação a eles...

Minhas mãos se fecham com força e sinto que as unhas perfuraram as palmas, a dor faz os pensamentos obscuros irem embora, ao menos por um tempo. Me sento na cama bagunçada e passo a mão sobre as várias texturas de tecidos espalhados.

- Eu vestirei qualquer coisa que escolher para mim.

Percebo meu erro assim que encontro seus olhos, seu rosto cai em desânimo e ela respira de forma humana, o que me deixa mais uma vez desconcertada. Os Cullen pareciam sentir uma necessidade em deixar minha humanidade à vontade, então faziam gestos como "respirar" quase todo o momento, eu preferia que não o fizessem tanto, mas entendia o propósito, no final era tudo sobre mim.

- Oh querida, você não está pensando nisso ainda está?

Como não pensar, logo quando ela se refere dessa forma, fazendo tudo voltar na minha cabeça...

Dia anterior

Minha reação é retroceder, tudo que eu quero é me encolher num canto enquanto ele lança tudo sobre mim.

- Não diga isso Sam, por favor.

Alice parece magoada, seu corpo abraça o meu em uma concha de segurança, tentando me proteger da dor que não para de vir.

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