70ª Edição, Jogos Vorazes (CANCELADA)

XIII

O resto do dia ontem não foi bom, não desci para comer. Só deitei e dormi, hoje não posso me dar o luxo das mágoas. Desço e tomo café à mesa com todos, inclusive Vick e Claus.

- A roupa de vocês está ficando incrível! - diz Vick interrompendo o silêncio.

- Aposto que sim. - forço um sorriso.

Ninguém fala mais nada, apenas comemos. Após a refeição, Haymitch convoca a mim e Laura na sala.

- Bem, hoje vocês serão postos à prova no teste individual de habilidades. O teste será crucial, pois uma nota alta é mais um ponto para convencermos os patrocinadores a patrocinar vocês. - Ele fala e pela primeira vez eu vejo preocupação em seus olhos.

- Não se preocupe Haymitch irei fazer o possível para conseguir uma nota alta. - Não estou pensando mais em mim, apenas não quero que ele e mais ninguém sofra.

Laura só concorda, como sempre. Ela criou uma barreira de cinismo que me provoca.

Fico na varanda observando os pássaros, não tem muitos deles aqui na Capital. No distrito 12, somos cercados por uma floresta inexplorada, algumas pessoas dizem que a cerca elétrica que separa o distrito da floresta já não funciona mais, nunca testei para ver se era verdade, mas já me aproximei ao máximo para ver os pássaros voando livres do lado de lá da cerca.

Acho que já está na hora de descermos para o centro de treinamentos, onde acontecerá o teste. Não sei ao certo como funciona, sei que terei de mostrar para alguns idealizadores minha habilidade, não faço ideia do que irei fazer. Procuro não pensar nisso.

Desço até o primeiro andar, vejo Laura dentro do elevador.

- Segura a porta Laura! - peço para que possamos descer juntos.

Ela apenas olha para mim com cara de indiferença enquanto as portas se fecham.

- Por que ela fez isso? - pergunto para a porta cinza do elevador. Sinceramente não importa, tenho coisa realmente importante para me preocupar.

Pego o outro elevador ao lado e desço sozinho. O elevador é muito exuberante, a parte de traz é inteira de vidro. Consigo ver o saguão daqui de cima, enquanto essa grande caixa de luxo desce.

Chego ao andar do centro de treinamentos e saio do elevador vendo vários tributos sentados na sala de espera. Procuro por Annie e a encontro sentada com Tranks, seu parceiro de distrito. Não sei se isso é bom em nossa real situação, mas estou criando uma empatia muito forte por ela.

- Oi gente, posso me sentar com vocês? - pergunto.

- É claro. - responde Annie.

- Obrigado...

- Claro que não. - disse ela soltando um sorriso debochado. - Estou brincando Nicolas, não me leve a mal.

Por um instante achei que eles também não me queriam por perto, ainda bem que foi uma brincadeira.

- Você é malvada! - falei sorrindo.

- Ela é mesmo. - disse Tranks olhando para ela e sorrindo de uma maneira diferente.

Sinto uma ponta de raiva dele, mas logo reprimo esse sentimento estúpido.

- Onde está sua parceira de distrito Nicolas? - perguntou Tranks.

- Acho que ela não gosta muito de mim. - respondo.

- Não se preocupe, você tem a mim e ao Tranks. - disse Annie amigavelmente.

Será que Annie não percebe que estamos sozinhos nessa? Ninguém deve contar com ninguém na arena. Não ouso a falar isso, ela só está querendo ser gentil comigo.

- Obrigado. - falo.

Todos os tributos já chegaram e aguardam na sala de espera. A instrutora chega.

- Olá a todos, hoje vocês se apresentarão individualmente para alguns idealizadores. No final do dia, uma transmissão irá ao ar divulgando para toda Panem suas notas. Podem aguardar que os nomes serão chamados na ordem dos distritos, chamando seus nomes a porta abrirá e vocês deverão entrar no centro de treinamentos. - disse a instrutora com seus cachos vermelhos.

- Sr. Brad Gross. - uma voz desconhecida chama o cara do distrito 1 que quer me matar.

Ele anda até a grande porta metálica que divide a sala de espera e o centro de treinamentos. A porta se abre e uma forte luz branca não nos deixa ver o que tem lá dentro. Ele entra e logo a porta se fecha, ficamos esperando. Ele não volta, a voz simplesmente chama outra pessoa.

- Por que será que ninguém volta? - pergunta Annie adivinhando meus pensamentos.

- Eles só chamam as pessoas, mas elas não voltam para subir pro seus andares. - falo.

- Com certeza eles saem por outra porta. - disse Tranks.

- É deve ser... - não sei se é verdade, mas estou com medo.

- St. Tranks Daedal. - chamou a voz.

- É a minha vez. - disse Tranks.

- Boa sorte. - falou Annie se levantando e o abraçando.

- Obrigado. - ele a fixa com o olhar e lhe beija nos lábios.

Meu sangue não ferve, pelo contrário, estou congelado. Não posso acreditar. Eu gosto dela, mas não posso gostar, afinal vamos nos matar. Mas ele independente disso a beijou, foi corajoso, se entregou ao sentimento e o aproveitou antes que fosse tarde de mais. Infelizmente agora é tarde demais para mim.

Ela se solta do abraço e acho que está surpresa com o beijo. Ele não diz nada, apenas vai até a porta, que logo se abre para que ele possa entrar.

Também não digo nada, apenas a observo, ela mantêm os dedos sobre os lábios e o olhar no chão. Talvez ela goste dele, ou descobriu agora que gosta. Não quero ficar pensando nisso.

Não demora até Annie ser chamada, ela se despede de mim apenas com um sorriso e eu a desejo boa sorte.

Ela vai até a porta e eu posso vê-la de costas, é tão bonita, seu cabelo avermelhado cai pendendo em ondulações pelos ombros. Sua forma não é volumosa, ela é frágil e sutil. A porta se abre e ela é engolida pela luz forte.

Fico sozinho por alguns minutos enquanto os nomes são chamados.

- Sr. Isaque Fierce. - a voz chama o cara do distrito 7, ele é alto, forte e seu cabelo é bem raspado.

Ele seria bem útil como aliado no começo do jogo, mas ficar perto dele me deixaria desconfortável, afinal, com certeza me venceria em uma briga à mão.

Percebo que ao contrário da colheita, os homens dessa vez são chamados primeiro.

Depois de algum tempo a voz chama uma garota, Carla Wood é seu nome. Uma menina baixa de cabelo bem curto, ela parece desconfortável com a situação. Acho que está com medo. Ela entra em direção a luz, como se estivesse indo para os braços da morte, talvez esteja mesmo.

O tempo passa rápido, até que somente eu e Laura ficamos na sala, ela está sentada lá atrás, olhando para a porta.

- Sr. Nicolas Stroger. - a voz finalmente me chama.

Ando até a porta de metal, ela se abre lentamente e meus olhos se fecham com a forte luz. Dou dois passos a cegas e escuto o barulho da porta se fechando enquanto meu coração pulsa apressadamente.

A luz se enfraquece e eu posso enxergar.