The good side of life - Cophine

68 - É preciso ser corajosa.

Delphine passou o fim de semana comigo dormindo no hospital e de domingo pra segunda feira tive que insistir que ela dormisse em casa. Estava cansada, abatida e sem contar que sei que ela chora quando sai do quarto pra ir ao refeitório. E não quero mesmo que ela tente esconder esse fato como minha mãe tenta desde a semana passada quando a notícia foi dada.

Estranho seria se elas duas não chorassem. Até agora, Felix tem sido mais forte e faz meu humor permanecer pelo menos um pouco, ainda que eu esteja cansada pela interleucina-2. A quimioterapia já me deixa exausta e já sinto o momento que meu cabelo vai ficar tão frágil que os meus dreads vão chegar a cair, meu cabelo vai cair.

E pensar que coloquei os dreads com dezenove anos, porque marcava uma mudança radical depois de eu ter vencido o câncer. Sarah e minha mãe insistiram pra eu fazer já que eu estava insegura, e então, mais uma vez Félix me mostrou uma solução dizendo "Você mais do que ninguém sabe que cabelo cresce! E se não gostar é só tirar depois."

Foi o empurrão que estava faltando, e então eu fiz e aqui estou eu onze anos depois voltando pra parte onde tenho que me desfazer dos meus cabelos com o pensamento que "cresce de novo", mesmo sabendo que vai ser difícil manter esse pensamento.

Assim como ainda tem sido depois da minha conversa com Delphine, sobre ela ter literalmente arrebentado o armário num chute pra mãe dela. Nem imagino a dificuldade que tenha sido pra ela, já que chorou só de lembrar em contar, ainda escuto seus soluços abafados no meu ombro afagado.

Não sei como vai ser esse casamento, não sei se vou estar viva pra viver esse sonho que eu nem sabia que tinha pra realizar com Delphine. Tudo tem sido tão rápido, tão assustador, frenético que nem passou pela minha cabeça me casar com a mulher da minha vida. Mas agora, para além disso, penso na nossa vida juntas depois de casadas, nos nossos filhos que prezo por ter, por acordar todos os dias com ela do meu lado, Deus! Como eu quero isso!

- Pensando na francesa outra vez? - a voz de minha mãe preencheu o quarto e me virei pra ela suspirando fechando o livro que eu tinha em mãos.

- Está tão evidente assim? - sorri ajeitando o marcador de páginas olhando a capa do livro.

- Seus olhos ficam longe e brilhantes, é claro que é evidente - sorriu sentando do meu lado na cama, passando a mão em meu pulso que não estava com o acesso.

- Você ficava assim... - falei com cuidado - Quando se apaixonou pelo papai? - eu sabia a delicadeza daquele assunto pra minha mãe, mas sei também que seria bom, de vez em quando ela lembrar do amor lindo que sentia pelo meu pai, o qual foi tirado de nós tão cedo pelo mesmo câncer que me aflige. Eu entendo a dor da minha mãe pelo medo de me perder pra isso também, e é por isso que vale lembra-la de que estamos aqui em função do amor, pra senti-lo, completamente e plenamente, mesmo que um dia as pessoas que amamos tenham que partir. O corpo parte, mas o amor não.

- Seu pai me deixava... - respirou fundo no seu tempo de pausa - Extasiada. - concluiu me olhando - Ele me fazia rir tanto, e as vezes eu parava em algum momento que ele estava fazendo uma coisa engraçada... - sorriu - E eu me lembro dele perguntando por que eu não estava rindo da piada que ele estava contando. E eu só respondia que não era nada, só estava pensando. Era difícil explicar o que eu sentia, embora eu quisesse. Era um amor inexplicável. - falou com lágrimas nos olhos me olhando com carinho - E ele como um bom poeta que era, sempre deixava claro os sentimentos que ele tanto dizia sentir a flor da pele... E aquilo me encantava todos os dias - fechou os olhos para relembrar aquela memória - Até nos dias que eu estava com raiva porque ele deixava você e a Sarah fazerem qualquer coisa que eu considerava estúpido ou perigoso! - demos risada juntas - Mas eu me lembrava da pessoa que ele era, e que fazia aquilo pra ver vocês rindo e até mesmo eu, mesmo sabendo que eu ficava irada com essas idéias. - riu fraco abaixando a cabeça.