Amor de fogueira

37 6 43
                                    

1948:

— Mainha! - Com um sorriso no rosto, Açucena gritou ao passar pelas grandes portas de madeira, tingidas de branco, e soltou as malas de mão no chão para abraçar a mãe.

— Minha fia! Oía Zéfa, o tamanho da minha menina! Já é uma moça formada, só está magra demais, essa capital não faz bem para você. — Dona Fátima não sabia se olhava para filha ou para comadre.

— Pois digo que faz sim. E a senhora não me agunei não, se não volto por cima do rastro para lá. — Brincou.

— Não se faça de doida não, Açucena. Ôxe! Já não basta passar o ano todo por aquelas bandas. Se atreva a arredar o pé daqui para você vê. Tá até me dando uma coisa ruim no coração.

A senhora começou a se abanar e fingir desmaio.

— Nossa Senhora tá vendo a senhora fingir uma doença, visse.

— Deixe de movimento vocês duas. — Coronel Manuel Pereira, pai de Açucena, falou ao entrar na sala.

— Tua fia. Eu lhe disse que mandar essa avoada para cidade grande ia dar nisso, toda vez vem com a cabeça cheia de besteira.

— E eu devia fazer o que, Mainha? Hein? Esperar um homi que nunca vi decidir o meu futuro?

— Aquieta Açucena! Parece menino buchudo. Quando tiver de casar, vai casar e pronto.

— E se não quiser, Painho? O senhor vai me obrigar?

— Ora se não! Agora vá ajeitar suas coisas que já é meio-dia e descansar, porque depois que o sol esfriar vamos para o arraiá lá no seu Cicero.

Açucena saiu da sala furada nas ventas. Ela sabia que toda vez que vinha passar as férias em casa era a mesma ladainha. A moça de 17 anos, adorava a terra onde nasceu, o povo e tudo ali, mas não se via em um futuro como o das outras mulheres da sua idade. Ela queria mais do que embuchar e cuidar de um marido. Desejava ser uma "doutora da lei", mesmo sabendo o quão difícil seria fazer isso na sua época.

Depois do almoço, ignorando os comentários infelizes da família sobre arrumar um casamento, Açucena resolveu passear pela roça, afinal em um ano muita coisa deve ter mudado.

— Ô sol quente da mulestia! — Disse após alguns minutos de caminhada sob o sol escaldante do interior do sertão nordestino.
Mais a frente, aproveitando a sombra de baixo do pé de pau, Inácio estava dando uns cocorotes em um menino. Quando o jovem malamanhado viu a garota se aproximar, tentou arrumar, da melhor forma possível, as roupas sujas e amassadas e endireitar a postura.

— Dona Sucena! — A cumprimentou com um sorriso largo e levou o chapéu ao peito.

— Ôxe! Dona de onde menino? Deixe de conversa fiada, Inácio.

Os dois riram, nisso acabaram cruzando o olhar e pararam na posição. O pingo de gente que o rapaz tinha nos braços correu para longe, deixando-os sozinhos. Apesar de ter ficado mexida ao reencontrar seu velho amigo de infância — que atualmente não era mais um menino mirrado e sim um homem feito, másculo, com algumas manchas de sol no rosto e no resto do corpo os sinais do trabalho braçal — Açucena apressou-se para retomar a conversa.

— Não lhe vi da última vez que vim, estava fugindo de mim, Inácio?

— De jeito maneira, naquele tempo eu estava embrenhado no mato atrás dos bois para senhor, seu pai.

— É engraçado como Painho sempre acha um jeito de te deixar ocupado quando venho para cidade.

— Não devia maldizer do vosso pai.

Contos para se apaixonar: porque amar é inevitávelOnde histórias criam vida. Descubra agora