II 2.7 Mani

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Hannah se escondeu atrás de uma árvore, enquanto observava a longa procissão de carruagens. Na hospedaria onde passara a noite, ela ouvira que a fortaleza se preparava para o fim dos jogos de Bahadur e, além disso, o 43º aniversário do Kral. Era a oportunidade perfeita para entrar na fortaleza dos Rariff, porém, após o ataque dos taús, a segurança estava reforçada. Além disso, ela queria entrar como uma criada e, com tantos serviçais vindo de Shailaja, não havia novas vagas.

Mas ela tinha um plano. Afinal, por mais que o trabalho na fortaleza Rariff fosse uma grande oportunidade, qualquer criado passaria a vida inteira trabalhando para conseguir se alimentar durante a velhice. Ninguém sairia dali um senhor rico. E, apesar de toda a sua herança ter sido roubada, ela tinha uma coisa ou outra para trocar. Colocou a mão no bolso, alisando um grande anel de rubi que pertencera a sua mãe. Escolhera aquele, especialmente, porque jamais vira Merab usando. Não seria tão fácil se desapegar de algo que a sua mãe amasse.

Atentamente, observou os jovens que caminhavam em direção ao castelo, suas vestes pobres e enlameadas, seus semblantes cansados. Hannah estava ciente de que seria difícil. Precisava encontrar alguém que estivesse sozinha, alguém minimamente parecida com ela, alguém que pudesse substituir. Porém, a maioria das moças estava acompanhada. Ou então, tinham as peles leitosas e claras. Ou pior, cabelos ruivos e loiros. Sem um disfarce de Leila, ela era flagrantemente uma palaciana e não poderia fingir o contrário.

Apesar da perseguição de Ür à sua família, ser um palaciano não era um problema. Muitos palacianos haviam migrado para Adij Rariff à procura de trabalho, principalmente após a queda dos Maël. Com a seca nas lavouras, o trabalho no campo ficava cada vez mais escasso e, para muitos, o serviço como criado era a única opção.

Quando já era quase noite, poucas pessoas passavam pela estrada e Mani já estava sentada contra a árvore, desanimada. Os únicos que ainda atravessavam a via eram senhores, já idosos, que levavam cereais, galinhas e frutas em velhas carroças. Sentiu as pálpebras pesadas e refletiu que deveria voltar à hospedaria. Estava exausta. Por mais que insistisse com Leila, Gaetana e Raoul, ela mentira. Havia gastado muita energia, se ferido, levado seu corpo ao extremo. Se lembrou, irritada, dos alertas de Chris, Luc e até mesmo Leila sobre o descaso com a sua proteção. Sobre a sua inconsequência. Eles falavam como se ela tivesse escolha! Como se ela quisesse aquelas dores e cicatrizes! Era revoltante...

Um barulho na curva da estrada a despertou. Mais uma carroça se aproximava. Ela aguardou, observando atrás da árvore, até que ela estivesse no seu campo de visão. Um velho bigodudo conduzia, puxando as rédeas de um burro malhado e caolho. Na parte de carga, ela viu pilhas de caixas de algo que parecia queijo. Já estava se levantando para retornar, quando viu que o velho mexia a boca, como se falasse com alguém. Silenciosamente, deu uns passos em direção à estrada, cobrindo a cabeça com o capuz da capa. Ao lado das caixas, uma jovem dormia.

Mani viu um braço pendente, balançando conforme a carroça, e não pôde conter um sorriso. Era o seu tom de pele, morena clara, tocada pelos raios de Amandeep. Com passos rápidos, alcançou a parte de trás e subiu na carroça, sem que o velho notasse. Observando na pouca luz do crepúsculo, viu as feições da jovem. Não eram belas, nem feias, mas eram completamente palacianas: lábios cheios, grandes olhos levemente puxados, maçãs do rosto pronunciadas. Não era tão baixa quanto Hannah, mas daria para o gasto. Tocando levemente seu ombro, ela a acordou, cuidando para pousar um dedo sobre a boca, em um pedido de silêncio.

A jovem se remexeu e, despertando, levou um grande susto, que fez o velho olhar para trás. O grito se seguiu de um gemido de dor e Mani percebeu que estava ferida. Seu tornozelo estava inchado e roxo, indicando uma lesão.

- Quem é você? – ela gritou.

- Ei! Se acha que vai roubar meus queijos, está muito enganado! – berrou o homem.

O Portal II | Livro 2 - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora