II 2.5 Inscrições

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Noa bateu à porta de Yezekael e ouviu os passos lentos seguidos do toque surdo da bengala no chão. Enzo abriu a porta, cumprimentando-o e fez um sinal para que ele entrasse. Ele trazia um sorriso cansado e Noa reparou como as rugas se aprofundavam como fendas na sua pele negra. Os aposentos de Yezekael ficavam no térreo, bem ao lado da escadaria principal. As janelas eram voltadas para o nascer do dia e seu quarto estava banhado pela luz suave da manhã. Antes do quarto, havia um escritório com uma grande mesa e duas poltronas.

- Por favor, Meu Kaal, sente-se – disse Yezekael, indicando uma das poltronas. – A que devo a visita a essa hora?

Noa sentou-se, aguardando que o velho tutor fizesse o mesmo, acomodando a perna ferida sobre um banco.

- Yezekael, nos últimos meses tenho percebido muitas coisas. Coisas que foram escondidas de mim.

Ele esperou que o mestre respondesse, mas ele apenas assentiu, cruzando os longos dedos sobre a barriga.

- Quero saber a verdade.

- Qual delas? – perguntou Enzo, com serenidade.

- A verdadeira! – respondeu Noa, indignado.

- Meu Kaal, uma história tem muitas versões. Nós vivemos sob o ponto de vista do Kral Ür.

- Então, desejo saber os outros.

- Não há outros em Adij Rariff, Meu Kaal – Noa quis ficar ainda mais indignado com essa resposta, mas uma batida à porta o interrompeu antes que pudesse contestá-la.

- Ah, Martina. Bom dia – cumprimentou Yezekael, quando a criada entrou. – Por favor, traga um café da manhã reforçado. Vamos ficar aqui um bom tempo. Peça aos guardas que vigiem a minha porta. Ninguém deve nos interromper.

- Sim, senhor. Meu Kaal – respondeu a criada, com uma reverência.

Quando ela fechou a porta atrás de si, Yezekael deu um suspiro pesado.

- Eu sabia que esse dia chegaria, Kaal. Só não esperava que fosse tão cedo... – disse ele. – O que me pede é muito grave, Noa. Tem consciência disso?

- O que quer dizer, Yezekael?

- O Kaal será nosso soberano um dia. Mas hoje, Kral Ür é o meu soberano. Devo fidelidade a ele, Noa, assim como você.

- Então, não vai me contar nada?! Continuarei no escuro como uma criança? Continuarei sem entender por que estamos mentindo? Por que estamos abaixando a cabeça toda a vez que meu tio repete essas mentiras sobre Hannah Maël?

- Não, Noa. Apenas quero que entenda. O senhor é um Kaal, foi criado para se sentir intocável. Eu sei bem que não sou intocável. O que eu lhe disser nessa sala não pode sair daqui.

- Acha que sou um fofoqueiro?

- Não, Kaal. Acho que ficará revoltado. E se ficar revoltado, seu desejo será esbravejar contra Ür. E isso não posso permitir. Não vou permitir que coloque sua vida em risco.

- Não vou esbravejar – prometeu Noa. – Não sou um menino mimado.

- Eu sei que não é, Kaal. Mas o senhor é o herdeiro.

- Me dê um voto de confiança, Yezekael. Por favor – pediu Noa, sentindo-se estranho. Era tão incomum que precisasse pedir por coisas. Estava tão acostumado a apenas ordenar e ter o seu desejo atendido que aquelas palavras saíram com dificuldade de sua boca. 

- Vamos ver se consigo responder suas perguntas, Meu Kaal – disse Yezekael, aguardando.

Eram tantas perguntas, tantas dúvidas que Noa se sentiu atordoado diante da frase de Enzo. Organizou seus pensamentos por prioridades para começar sua inquisição.

O Portal II | Livro 2 - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora